Um mundo em conflito e com emergência climática ainda excede os números da fome anteriores à pandemia

Foto: Canva Pro | Pexels

Mais Lidos

  • Lira mensageira. Drummond e o grupo modernistamineiro é o mais recente livro de um dos principais pesquisadores da cultura no Brasil

    Drummond e o modernismo mineiro. A incontornável relação entre as elites políticas e os intelectuais modernistas. Entrevista especial com Sergio Miceli

    LER MAIS
  • Indígenas cercados: ruralistas contra-atacam. Artigo de Gabriel Vilardi

    LER MAIS
  • O papel da mulher na Igreja continua sendo uma questão delicada que o Vaticano não consegue resolver. Artigo de Christine Schenk

    LER MAIS

Assine a Newsletter

Receba as notícias e atualizações do Instituto Humanitas Unisinos – IHU em primeira mão. Junte-se a nós!

Conheça nossa Política de Privacidade.

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

27 Julho 2024

Uma a cada 11 pessoas não tinha alimentos suficientes em 2023, de acordo com o último relatório de segurança alimentar da ONU, que indica que os países não conseguiram regressar aos níveis pré-covid. A situação na África piora, enquanto na América Latina melhora.

A reportagem é de Patrícia R. Blanco, publicada por El País, 24-07-2024.

Eis o artigo.

Entre 713 e 757 milhões de pessoas não tinham alimentos suficientes em 2023, o que significa que uma a cada 11 pessoas no mundo passou fome no ano passado. O número, que pouco mudou nos últimos três anos – em 2022 estava entre 691 e 783 milhões – revela que o mundo ainda não conseguiu regressar ao nível anterior à pandemia de covid-19. “Cerca de 152 milhões de pessoas a mais do que em 2019” estão em situação de insegurança alimentar ou desnutridas, concluem os autores do principal estudo anual sobre fome, O Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo 2024 (SOFI), publicado esta quarta-feira e preparado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), pelo Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (FIDA), pelo Programa Alimentar Mundial (PMA), a pela Unicef e pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

“A pior coisa que pode acontecer aos mais de 700 milhões de famintos no mundo é aceitarmos os dados como algo normal”, lamenta Amador Gómez, diretor de Pesquisa e Inovação da Ação Contra a Fome, por telefone. Porque a fome, recorde-se, “não é uma fatalidade, pois não é um problema de disponibilidade de alimentos, mas de acesso a esses alimentos”. No entanto, se o rumo não for alterado, “as projeções indicam que em 2030 haverá 582 milhões de pessoas a sofrer de insegurança alimentar e fome”, um número muito distante da meta de “fome zero” que as Nações Unidas estabeleceram para essa data. Álvaro Lario, presidente do FIDA em entrevista a este jornal. Destes, “53% serão encontrados em África”.

Evolução da fome no mundo

Estimativa média do número de pessoas em situação de insegurança alimentar

O continente africano continua a ser a região do mundo com a maior percentagem de pessoas com fome (20,4%), em comparação com 8,1% na Ásia, 6,2% na América Latina e 7,3% na Oceania. Na verdade, a análise aprofundada dos dados indica que se o número de pessoas subnutridas permaneceu estável em 2023, é porque “a notável redução da fome na América Latina”, em cerca de cinco milhões de pessoas, compensou o aumento na África— na Ásia, quase não mudou. “O desafio no futuro vai ser maior e a situação pode ser ainda mais complicada porque a população africana é muito jovem e continua a crescer num contexto onde a desigualdade é muito grande”, conclui Lario, que lembra que se um em cada 11 pessoas passam fome no mundo, esta proporção, no caso africano, é de uma em cada cinco.

Os principais fatores pelos quais a situação da fome continua a deteriorar-se na África são o “aumento dos conflitos e da vulnerabilidade às alterações climáticas, porque são países com poucos recursos e menos resilientes, bem como o impacto tanto da recessão económica como do problema da dívida”, explica Máximo Torero, economista-chefe da FAO, em entrevista ao EL PAÍS. “A África é um continente que importa grande parte dos seus alimentos, por isso, quando as taxas de juro globais sobem, se o seu banco central não for muito forte, a taxa de câmbio local é desvalorizada e, ao mesmo tempo, os países têm de pagar mais pelos seus dívida”, acrescenta. Tudo isto provoca “fortes restrições à capacidade de comprar e pagar os custos das importações necessárias” para alimentar a população.

Melhorias na América Latina e outros avanços

O caso oposto é o da América Latina, continua Torero, onde a fome foi reduzida porque há “uma melhor preparação em termos de mecanismos de proteção social, o que lhes permitiu concentrar mais as intervenções e responder mais rapidamente”. Precisamente nesta semana, será lançada no Brasil a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, promovida pela presidência brasileira do G-20, para ampliar as lições aprendidas na América Latina, como a criação de pequenas e médias empresas de pequeno porte produtores que promovam o emprego, especialmente nas zonas rurais, ou sistemas de proteção social, como o pequeno-almoço escolar.

O relatório destaca alguns dos progressos alcançados, como na alimentação infantil entre crianças com menos de cinco anos de idade e na amamentação exclusiva entre crianças com menos de seis meses de idade, embora “a prevalência global de crianças com baixo peso à nascença e com excesso de peso tenha estagnado, enquanto a anemia em mulheres entre 15 e 49 anos aumentou. As taxas globais de atraso no crescimento infantil caíram um terço, ou 55 milhões, ao longo das últimas duas décadas, demonstrando que os investimentos na nutrição materno-infantil valem a pena”, disse Catherine Russell, diretora executiva da Unicef. No entanto, lembre-se que ainda “uma em cada quatro crianças com menos de cinco anos sofre de desnutrição, o que pode causar danos a longo prazo”.

Outro dos dados “positivos” que o SOFI mostra, destaca Lario, é que em 2023 foi reduzida a disparidade de género na insegurança alimentar, que depois da pandemia era 3,6% superior nas mulheres e agora diminuiu para 1,2%.

Também em números globais, o número de pessoas com capacidade de acesso a alimentos saudáveis melhorou. Se em 2022 42% da população mundial (cerca de 3,1 mil milhões de pessoas) não o conseguiu, em 2023 esta percentagem caiu para 33% (2,8 mil milhões). Mas, mais uma vez, as desigualdades no acesso a alimentos suficientemente nutritivos são evidentes: “Os países de baixo rendimento concentram a maior percentagem da população que não pode pagar uma dieta saudável, com 71,5%, em comparação com os países de rendimento médio-baixo (52,6%). países de rendimento médio-alto (21,5%) e países de rendimento elevado (6,3%)”, destaca o SOFI 2024.

No entanto, apesar das melhorias no acesso a alimentos saudáveis, “novas estimativas da obesidade adulta mostram um aumento constante na última década, de 12,1% em 2012 para 15,8% em 2022”, lembra a Unicef, que alerta que as projeções apontam para isso em 2030 haverá mais de 1,2 bilhão de adultos obesos no mundo.

Financiamento da segurança alimentar

Uma das maiores utilizações do relatório SOFI de 2024 é que ele “define” o conceito de “financiamento da segurança alimentar” para entender melhor “quais são as lacunas de financiamento, quanto gastamos, quanto precisamos e onde devemos investir para acabar com a fome”, detalha Amador Gómez, diretor de pesquisa e inovação da Action Against Hunger.

Máximo Torero compartilha deste argumento. “Dependendo do que inclui a definição de financiamento da segurança alimentar” o valor das necessidades pode ser calculado em 6,9 mil milhões de dólares (6,354 milhões de euros) ou 62 mil milhões, cita como exemplo o economista-chefe da FAO, para sublinhar a importância de universalizar a definição .

Além de estabelecer quanto, onde e como utilizar os recursos, Gómez lembra a importância da Inteligência Artificial no combate à fome com sistemas de alerta para prever tanto fenômenos climáticos extremos como a evolução dos preços da cesta básica. Como explica o especialista, “estes dados permitir-nos-ão criar mapas quentes para identificar onde estão os focos de fome e as áreas mais vulneráveis e implementar medidas antecipadas”.

Leia mais