20 Julho 2024
No início de 2023, Joaquim Parron, padre redentorista de Curitiba, correu para um acampamento extenso fora da cidade, onde mais de 200 famílias destituídas estavam ocupando terras privadas. Parron tinha sido informado de que a polícia havia cercado o assentamento e começado a despejar os pertences dos moradores na rua antes de demolir suas casas.
A reportagem é de Chloë-Arizona Fodor, publicada por National Catholic Reporter, 18-07-2024.
Parron convenceu a polícia a deixá-lo e alguns membros de sua equipe entrarem no assentamento. "Foi terrível", ele lembrou. Crianças, ele disse, assistiram de trás de pilhas de roupas e utensílios domésticos enquanto escavadeiras destruíam as casas improvisadas. "Pessoas que não tinham um lugar para morar perderam a última esperança que tinham de uma vida digna".
Parron negociou para que as famílias fossem liberadas do cordão policial para que pudessem ser transportadas para outro assentamento, também em terras pertencentes a um proprietário. "Voltei no fim do dia, quando tudo tinha terminado", suspirou Parron, "e disse: 'Perdi hoje'".
Cenas como essa costumavam ser mais comuns do que são hoje, graças aos defensores dos direitos humanos que fizeram campanha ao longo dos anos por um melhor tratamento para os moradores de favelas, assentamentos informais em terras privadas ou de propriedade do governo no Brasil. Seu trabalho, juntamente com a advocacia dentro do governo brasileiro e agências judiciais, resultou no lançamento de um programa piloto de mediação em 2019 no Paraná. Seu sucesso levou a uma decisão da Suprema Corte brasileira em 2021 que exige que todos os estados desenvolvam um programa semelhante.
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Pe. Joaquim Parron, à esquerda, e membros de sua equipe da Congregação dos Padres Redentoristas carregam cestas de bens práticos para famílias carentes na periferia de Curitiba, em 12-09-2023. (RNS/Cortesia de Joaquim Parron)
Mas as causas da crise imobiliária continuam. Entre 2008 e 2013, os custos de aluguel no país explodiram, subindo 95% em São Paulo e 132% no Rio de Janeiro. A Covid-19 exacerbou os aumentos de aluguel em bairros de baixa renda, forçando muitos a construir barracos de lata e madeira compensada ou papelão na periferia das principais cidades do país. As favelas existem desde o século XIX, mas o que antes eram respostas temporárias à escassez de moradias se tornaram comunidades permanentes. Em 2023, o último ano para o qual há dados disponíveis, elas abrigavam mais de 16 milhões de pessoas.
Os donos das áreas ocupadas têm lutado cada vez mais entrando com ações judiciais para recuperar suas propriedades. Os moradores das favelas muitas vezes não sabiam que uma ação judicial havia sido aberta até que a polícia estadual apareceu para removê-los à força.
Em setembro de 2023, como parte do Harvard Negotiation and Mediation Clinical Program, trabalhei como Dispute System Designer em uma pequena equipe encarregada de expandir o programa de mediação do Paraná para o nível nacional. Navegamos por questões de como adaptar os programas às necessidades de diferentes regiões e como treinar juízes federais que atuariam como mediadores.
Mas enquanto os processos legais para resolver esses conflitos evoluem, a constante tem sido o papel de padres como Parron, que cultivam a confiança entre as comunidades e o processo legal.
"Sempre acreditei que fui ordenado para isso", disse o Pe. Dirceu Fumagalli. Filho de camponeses, Fumagalli sabia que seu ministério estaria de alguma forma ligado à terra. "Era meu compromisso: eu vim do campo, então deveria contribuir de volta por meio da luta pelos trabalhadores rurais e do movimento de luta direta pela terra". Ele trabalha na Comissão Pastoral da Terra desde 1986, depois de concluir o seminário com pouco mais de 20 anos.
Parron também começou seu ministério enquanto ainda estudava para ser padre na Congregação dos Padres Redentoristas, congregação dedicada a trabalhar entre comunidades empobrecidas. "Deles, eu obtive essa consciência de que a religião, a Igreja, deveria ser uma maneira de ajudá-los a obter dignidade", disse ele.
Esse trabalho o levou a muitas direções — inclusive à prisão, por intervir durante remoções violentas no Paraná. De manhã, ele leciona ética social na Pontifícia Universidade Católica de Curitiba. À tarde, ele viaja para visitar as favelas na periferia da cidade.
Ambos os padres trabalham para proporcionar uma sensação de segurança para ambos os lados, diminuindo a chance de violência física tanto do estado quanto da comunidade.
Fumagalli lembrou-se de chegar em 2021 a um assentamento rural perto de Curitiba em terras de propriedade de uma entidade privada. Embora abrigasse cerca de 60 famílias, as autoridades efetivas da comunidade eram traficantes de drogas, que dificilmente estavam ansiosos para recebê-lo. A desconfiança era profunda, especialmente entre os traficantes e os representantes da recém-criada Comissão de Disputas de Terras do estado, que tinham vindo para resolver a tensa disputa legal na qual autoridades e moradores estavam presos há meses.
"Eles estavam todos extremamente preparados para dissolver a reunião", disse Fumagalli, mas enquanto o padre falava, as partes começaram a ouvir. Enquanto a comunidade espera uma presença autoritária da polícia e do governo, a Igreja Católica é vista como uma corretora confiável. "Minha presença os desarma", disse Fumagalli.
Os padres também fornecem um tipo de segurança moral para os ocupantes, que podem se preocupar que suas ações não sejam apenas uma transgressão legal, mas espiritual. "Houve muitas conversas de que isso [as ocupações] era um pecado", explicou Fumagalli. "Nossa presença como agentes pastorais", disse ele, ofereceu uma certa quantidade de segurança "de que eles estavam fazendo a coisa certa".
O trabalho de Fumagalli e Parron tem menos a ver com fazer discursos, apresentar argumentos ou dar soluções, e mais a ver com fornecer uma "presença simbólica de um facilitador". Para Fumagalli, "a Igreja, o padre, não é uma parte envolvida no processo de mediação. Mas nós temos uma presença. Somos um catálogo moral para as comunidades".
Essa posição, explicou Parron, vem do convívio com a comunidade, de comer com eles, tomar um café, ficar o dia todo, antes mesmo de tentar realizar uma reunião.
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Pe. Dirceu Fumagalli (RNS/Foto cortesia)
Em Parecidinha, um assentamento urbano de cerca de 700 famílias em Londrina, Fumagalli já se reunia com líderes comunitários muito antes da Covid-19 chegar e continuou a aparecer, organizando entregas de alimentos e treinamentos sobre como defender a reforma agrária.
Quando surgiu a oportunidade de mediação, tanto os ocupantes quanto o proprietário de terras ficaram cautelosos, mas Fumagalli conseguiu alavancar todos esses contatos para organizar uma reunião. No dia marcado, o proprietário de terras estava com medo de enfrentar os ocupantes. "Nunca vou esquecer que o proprietário disse: 'Se o padre for comigo, eu irei'", lembrou.
No Brasil, o cenário político se tornou profundamente dividido entre a esquerda socialista agora no poder e uma direita populista. Parron está preocupado que a retórica e a influência desta última convençam os brasileiros de que as populações deslocadas não são vulneráveis, mas preguiçosas. Mas ele permanece firme. "Essas pessoas têm direito a um lar", disse. "Isso é justiça para nós, mas na lei do Brasil, mesmo que a terra não esteja em uso, a lei vê isso como roubo".
Parron realiza cultos bíblicos nas favelas, estimulando diálogos sobre justiça e respeito às pessoas empobrecidas. "Eu digo a eles: 'Ouçam, Deus quer que vocês tenham dignidade, e Deus está do seu lado. Se o Senhor estiver do seu lado, e vocês confiarem nele, vocês podem se organizar entre si para lutar pelos seus direitos'", explicou.
No início de sua carreira, ele recebia ligações todos os dias de comunidades pedindo ajuda. Vendo a necessidade de treinamento, ele preparou um curso de autodefesa. Agora, ele está impressionado com o quão organizadas as pessoas se tornaram. "Meu trabalho não é apenas estar do lado delas, mas prepará-las para serem líderes, para lutar por seus próprios direitos sem precisar de um padre", explicou.
Ele espera que os próximos anos ajudem a mudar o diálogo dentro da sociedade brasileira. "Precisamos ter mais solidariedade, mais compartilhamento, mais educação. Minha fé tem que andar pela justiça, ajudar as pessoas, não explorá-las".
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“Minha fé tem que lutar pela justiça”: padres mediam luta por direitos à terra no Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU