18 Julho 2024
"Para aqueles que conseguem entendê-la, a aventura evangélica dos sentidos que Spadaro oferece nada mais faz do que apresentar que, em Jesus de Nazaré, Deus se mostrou como o único ser plenamente humano", escreve o monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado em La Stampa, 06-07-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Os sentidos são vias de acesso à realidade porque são formas de comunicação entre o exterior e o interior, são como janelas abertas para o mundo, dentro das quais a realidade se manifesta por meio da nossa percepção e interpretação: as coisas, de fato, não existem em si mesmas, mas são sempre captadas por uma sensação que as torna dignas de serem percebidas. Diante do mundo, o homem nunca é apenas um olho, um ouvido, um nariz, uma boca, uma mão, mas é sempre olhar, escuta, olfato, paladar, tato, ou seja, uma atividade de todos os sentidos, inseparáveis um do outro. Além disso, as percepções sensoriais são acompanhadas pela palavra, estão ligadas à linguagem, sem, no entanto, estarem definitivamente subordinadas a ela ou dominadas por ela.
Para cada ser humano, vir ao mundo significa adquirir um certo estilo de escuta, de visão, de olfato, de paladar, de tato, um estilo próprio da comunidade de pertença, mas um estilo personalizado e pessoal com sua irrepetível singularidade. Existir significa refinar os sentidos, às vezes até negá-los, a fim de se aproximar cada vez mais da realidade ambígua do mundo. É claro que as percepções sensoriais não são as únicas matrizes de nossa relação com o mundo, porque a razão intervém em nós homens para corrigir, refinar e até mesmo converter as nossas sensações: nem percepções sem razão, portanto, nem - como mais frequentemente somos tentados a acreditar - razão sem confronto com as percepções!
E é justamente por meio da experiência dos cinco sentidos que Antonio Spadaro teve a inteligência e a audácia de reler a história de Jesus de Nazaré. Assim nasceu Gesù in cinque sensi. Un racconto in carne e ossa (Jesus em cinco sentidos. Uma história em carne e ossos, em tradução livre). Spadaro, jesuíta, ex-diretor da Civiltà Cattolica e, há alguns meses, subsecretário do Dicastério para a Cultura e a Educação, apresenta o segundo volume de uma tríade que dedicou à figura e à mensagem de Jesus. Gesù in cinque sensi é um livro original e inovador, que revela uma maneira sensual de conhecer o Rabino de Nazaré. Um Jesus corpóreo, aliás, carnal, que não deixará de perturbar os católicos piedosos e devotos, acostumados a contemplar um Jesus celestial, sobrenatural e transcendental. Spadaro levou a sério o antigo adágio de Tertuliano caro cardo salutis, a carne é o eixo da salvação. Sim, a carne de Jesus é o eixo, o fulcro da salvação, de modo que aqueles que a evitam estão destinados a não alcançar o centro de sua pessoa, da sua mensagem e da sua obra.
Gesù in cinque sensi. Un racconto di carne e ossa (Foto: Divulgação)
Spadaro ressalta justamente que, por causa dessa sua "carnalidade", Jesus foi para seus contemporâneos um desajustado, uma pedra de tropeço que ainda hoje representa um obstáculo, um impedimento muitas vezes para os próprios cristãos. Tanto naquela época como agora, o Nazareno não se encaixa e não se conforma com a ideia humana de religiosidade.
No prefácio, Liliana Cavani, não encontrando outra definição, descreve esse livro como um "filme escrito", reconhecendo que "no texto do Padre Spadaro, desenvolve-se uma espécie de filme mudo, um filme para ser lido que se torna uma profunda meditação". De fato, o leitor tem a nítida sensação de repercorrer os Evangelhos pelos olhos de uma câmera que está particularmente atenta para captar o que está acontecendo sob seus sentidos. Se os sentidos são vias para o sentido, de página a página, aliás de sentido a sentido, o leitor acessa um nível novo e diferente de compreensão de Cristo. O autor associa aos sentidos vários episódios do Evangelho. Ao paladar, por exemplo, ele associa o mandamento de Jesus "vocês são o sal da terra". Não é um convite para ser sal, mas uma constatação, uma realidade. Com essa metáfora, Jesus lembra que "a vida sensata e sábia não é uma vida que perde o sabor e reduz suas nuances, não é a mortificação dos sabores. Ao contrário, é uma vida que não se contenta com o sabor comum, com a sopa requentada, com o óbvio... A vida evangélica tem um sabor robusto, decidido. É uma escolha para habitar o mundo de uma forma cheia de sabor". Para Jesus, portanto, a sabedoria é um exercício do paladar. Nós "sentimos" por meio dos sentidos, mas uma enorme carga simbólica vem se enxertar no exercício dos sentidos. Sua prova são as palavras que usamos: mesmo quando são abstratas, elas deixam transparecer que sua origem se coloca no espaço da sensibilidade. "A palavra 'sabedoria' - para citar apenas um dos casos mais evidentes - não deriva justamente do verbo sapere, que significa 'saborear'?
Spadaro tem o mérito singular de propor leituras e interpretações não óbvias dos relatos que os quatro Evangelhos fazem de Jesus, mostrando como no centro da fé não está simplesmente Deus, como no judaísmo ou no islamismo. No centro de nossa fé não está Deus, mas está o homem-Deus, Jesus Cristo. E ele faz de tudo para garantir que o leitor compreenda o caráter paradoxal dessa expressão, precisamente a partir da Bíblia, segundo a qual Deus é tudo o que não é homem, é outro, é santo, é distinto do que existe neste mundo, incluindo a humanidade. E o Logos se fez sarx, ou seja, carne. Sarx indica a condição humana de fragilidade, a condição mortal. Deus, em Jesus Cristo, viveu a experiência do humano, viveu-a a partir de dentro, fazendo com que a alteridade do homem tivesse lugar nele mesmo.
A linguagem de Jesus, sua palavra, suas atitudes, a atuação, os sentidos, as emoções, os abraços, os olhares, as palavras impregnadas de ternura e as invectivas proféticas, as instruções pacientes e ásperas repreensões aos discípulos, o cansaço e a força, a fraqueza e o choro, sua liberdade e sua parresia, são modalidades pelas quais sua humanidade se manifestou, mas também são janelas pelas quais podemos perceber, captar, a revelação do divino. São reflexos luminosos que nos permitem contemplar algo do Deus que o homem nunca viu e não pode ver. Foi a prática da humanidade de Jesus que falou de Deus e abriu um caminho para chegar a Deus.
Assim, Jesus ainda escandaliza sobretudo os crentes nele que estão dispostos a adorá-lo cantando sua grandeza e onipotência, mas, ao mesmo tempo, tentam esquecer sua humanidade, sua carnalidade. Se para alguns a encarnação coincide com o tornar Jesus "humano, demasiado humano", para outros, ao contrário, esse é precisamente o núcleo incandescente da fé: nunca mais se pode falar de Deus sem o homem, nem se pode falar do homem sem Deus.
Essa é a fé cristã em Jesus, homem e Deus, e ainda assim é possível compreender como, diante desse grande mistério, muitos cristãos, em diferentes igrejas, tenham tido e ainda têm dificuldades para confessar a sua plena humanidade. Sim, é mais difícil acreditar na humanidade plena e carnal de Jesus do que na sua divindade. No entanto, justamente o Jesus nos cinco sentidos, o Jesus humano, demasiado humano, humaníssimo, que falou de Deus e revelou ser ele mesmo Deus. Para aqueles que conseguem entendê-la, a aventura evangélica dos sentidos que Spadaro oferece nada mais faz do que apresentar que, em Jesus de Nazaré, Deus se mostrou como o único ser plenamente humano. Isso não significa simplesmente que Deus é "moralmente" mais humano do que os homens, que muitas vezes são desumanos, mas que "ontologicamente" é próprio dele ser o único plenamente humano.
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O escândalo do Jesus carnal que perturba o católico devoto. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU