17 Julho 2024
"A história de Roma e, portanto, de seu subsolo, tem sido a de um 'organismo vivo' há quase trinta séculos. A expressão é de Richard Krautheimer, que, como poucos, estudou e soube contar a cidade transformada pelos papas. Destacando, entre outras coisas, a inevitável rivalidade entre o Latrão e o Vaticano, que começou já no século IV e durou até a era humanística, quando a residência papal foi transferida para São Pedro", escreve Giovanni Maria Vian, historiador e ex-diretor do L'Osservatore Romano, em artigo publicado por Domani, 14-07-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Nos canteiros de construção romanos abertos para o jubileu, cronicamente atrasados e não exatamente indispensáveis, vieram à luz os restos da vila de Calígula no Vaticano e, no Latrão, aqueles do “patriarquio”, residência dos papas por mais de um milênio. Ambas as descobertas, sensacionais, mas não inesperadas, de fato foram silenciadas e podem ser consideradas um novo episódio na longa rivalidade entre o Latrão e o Vaticano, os dois principais polos papais na cidade.
A notícia das descobertas vaticanas se espalhou em meados de junho, quando, durante as escavações para a extensão da passagem subterrânea no início da Via della Conciliazione, foram encontrados os restos de uma grande lavanderia, com decorações e mosaicos. Depois que o trabalho foi suspenso, prevaleceu imediatamente a decisão para não o interromper e transferir os achados para o museu de Castel Sant'Angelo, nas proximidades, para uma futura exposição. Mas os arqueólogos avisaram imediatamente que havia mais a ser achado. E, efetivamente, quando a escavação foi retomada, no início de julho, surgiu um imponente pórtico pertencente à grande vila de Agripina, a Velha às margens do Tibre, herdada por seu filho Calígula. Mas se a notícia da lavanderia permaneceu na mídia por apenas alguns dias, a do pórtico durou ainda menos.
E nada foi escrito sobre as descobertas feitas durante as escavações superficiais para a reforma da enorme praça em frente à Basílica de Latrão: restos que certamente pertencem à grande residência dos papas perto de São João, a sua catedral. Nos mesmos dias das descobertas no Vaticano, aquela no Latrão não chegou aos jornais, mas pelo menos o trabalho para o jubileu, muito menos invasivo do que o realizado perto do Vaticano, foi temporariamente suspenso.
"Nós caminhamos sobre a história e não nos damos conta; pisoteamos os séculos e não nos apercebemos", lembrava o cardeal Angelo Comastri, por quinze anos arcipreste de São Pedro, em 2014, no prefácio de um livro de Pietro Zander sobre a necrópole vaticana. Mas já no filme Roma, de Fellini, uma cena extraordinariamente evocativa imaginava a descoberta, durante as escavações para o metrô, de salões romanos brotando água e com afrescos de cores perfeitamente preservadas, que, no entanto, desapareciam em contato com o ar.
A história de Roma e, portanto, de seu subsolo, tem sido a de um "organismo vivo" há quase trinta séculos. A expressão é de Richard Krautheimer, que, como poucos, estudou e soube contar a cidade transformada pelos papas. Destacando, entre outras coisas, a inevitável rivalidade entre o Latrão e o Vaticano, que começou já no século IV e durou até a era humanística, quando a residência papal foi transferida para São Pedro. Até a drástica redução do complexo do Latrão e as decisivas intervenções no Vaticano organizadas em apenas cinco anos, entre 1585 e 1590, por Sisto V, um dos pontífices a quem Roma deve seu planejamento urbanístico.
Mas, já há séculos, o Latrão havia perdido o jogo, determinado pelo fluxo de peregrinos que veneravam o túmulo do Apóstolo Pedro e pouco se interessavam pela catedral e pela residência papal. Embora essas estivessem igualmente carregadas de história e símbolos: datavam da época de Constantino, que as havia concedido ao bispo Miltiades, e desde meados do século VIII estavam no centro do falso Constitutum, a célebre doação mais tarde deplorada por Dante.
As primeiras propriedades oficialmente reconhecidas para a comunidade romana, contudo, precedem de um século aquela do Latrão. São as áreas destinadas a sepultamentos, ou seja, as catacumbas, em Roma, em primeiro lugar aquela da Via Ápia, que receberia o nome de Calisto, por volta do ano 200, nomeado para esse cemitério pelo bispo Zeferino, a quem ele sucederia a partir de 218.
Depois dessa "virada calistiana", um século mais tarde foi o imperador Constantino, logo após a vitória sobre seu rival Maxêncio, no outono de 312, que dotou a Igreja de Roma de uma grande propriedade, na periferia sudeste, onde havia alguns quartéis perto das muralhas aurelianas: o Latrão, justamente. Ali surgiu a catedral de Roma, cuja fundação precedeu um pouco aquela da basílica sobre o túmulo de Pedro, em outra área periférica além do Tibre, a oeste, mas fora dos muros.
Perto de São João de Latrão, a "mãe de todas as igrejas", se encontram os vastos ambientes da residência e da cúria pontifícia cujos vestígios afloraram agora na praça que durante décadas foi reservada para o concerto do Primeiro de maio. Longe do agora incômodo domínio dos imperadores bizantinos, no coração da Idade Média os papas queriam imitá-los também nos símbolos de poder e - se não por esplendor - graças à duração milenar, o patriarcado de Latrão acabou competindo com a residência imperial em Constantinopla.
Mas o Latrão fica isolado do resto da cidade e, depois da transferência da sede papal para Avignon, inicia-se um declínio inexorável. Até o novo palácio de Sisto V (o atual do Vicariato, muito menor), enquanto a basílica é reformada entre 1646 e 1735. A localização exata do palácio medieval continua sendo discutida, embora diante da grande praça - onde agora afloraram os novos vestígios – existe um mosaico dourado: é a abside do triclínio construído em 798 por Leão III e posteriormente colocado ao lado da Escada Santa, que faz parte da capela do Sancta sanctorum.
A uma época ainda mais remota conduzem os achados perto do Vaticano, dos quais a atenção foi desviada. O caso ocorre em agosto do ano 38 em Alexandria, no Egito. Ali consuma-se o primeiro pogrom de que se tenha notícia: um evento que antecipa as inúmeras perseguições que se seguirão e durante o qual - após o ataque às casas e às sinagogas da importante e odiada comunidade judaica - um grande número de judeus é linchado e trucidado pela multidão com a conivência do prefeito romano Flaco.
Após a terrível tragédia, cinco membros da comunidade viajaram para Roma em 40 para defender a causa judaica perante Calígula. À frente da embaixada - que fracassou, mas foi seguida pela morte do imperador, assassinado em 41 por uma conspiração palaciana - estava Fílon, o extraordinário "rabino grego", comentarista das Escrituras que muito influenciou a exegese cristã, um místico imbuído de filosofia. O maior representante da literatura judaico-helenística, Fílon de Alexandria deixou seu relato dramático dos acontecimentos nas duas únicas obras históricas que compôs e que foram traduzidas para o italiano em 1967 por Clara Kraus. Excelente estudiosa do grego, Kraus dedicou seu estudo à memória de seu pai Rodolfo, "morto no campo de extermínio de Minsk em julho de 1942", e depois cuidou da curadoria para a Bompiani (com Roberto Radice e Claudio Mazzarelli) de quase todos os escritos de Fílon.
Estávamos "convencidos que estaríamos nos apresentando a um juiz para que reconhecesse os nossos direitos", mas o imperador era "um inimigo mortal", que "tentava nos enganar com seus olhares amigáveis e palavras ainda mais afáveis", escreveria Fílon. Em sua descrição, a lembrança do expoente judeu é vívida: naquela ocasião - algumas semanas depois, um segundo encontro seria muito mais dramático - "ele nos recebeu na área plana às margens do Tibre; estava justamente saindo dos jardins que sua mãe lhe legara. Ele respondeu à nossa saudação e acenou com a mão direita em sinal de benevolência".
O cenário é aquele que, no início de julho, se abriu diante dos olhos dos operários que trabalhavam na ampliação da passagem subterrânea. Assim, vieram à tona os restos monumentais de um pórtico pertencente aos hortos de Agripina, a Velha, neta de Augusto e viúva do general Tibério Germânico, que os havia deixado para seu filho Calígula.
E, inesperadamente, os rostos de Agripina e Calígula, juntamente com o de Nero, entre 1433 e 1445, seriam esculpidos por Filarete no bronze da porta central da basílica do Vaticano. Aqui, de fato, entre celebrações e memórias eruditas de antiquários, estão retratados o martírio de Pedro e Paulo junto com o rosto de seu perseguidor e os da dinastia Julio-Claudiana.
O que acontecerá com as novas descobertas? Um precedente é desanimador: a poucas centenas de metros da última descoberta, em agosto de 1999 - nas escavações à véspera do Jubileu - uma domus veio à luz nas encostas da Colina Janiculum, também parte da vila de Agripina, reenterrada em meio a amargas polêmicas para a construção do grande estacionamento. Que, em grande parte, permanece inutilizado.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Nas escavações no Vaticano e no Latrão, afloram os séculos que pisoteamos. Artigo de Giovanni Maria Vian - Instituto Humanitas Unisinos - IHU