Após a queda e detenção de Pedro Castillo, uma série de mobilizações desafiaram o poder de sua sucessora, a vice-presidenta Dina Boluarte. Porém, apesar de a mandatária ter vencido a resistência social e mantido a liderança do Poder Executivo quase sem apoio social, a crise do sistema de partidos seguiu seu curso. E o poder passou, em grande medida, ao Congresso, controlado por bancadas que misturam de maneira particularmente promíscua política e negócios.
Nesta entrevista, três especialistas analisam a situação do Peru e revisam os últimos acontecimentos do país. Mirtha Vásquez (MV) é advogada, dirigente de esquerda e ex-presidente do Conselho de Ministros, Omar Coronel (OC) atua como docente no Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Peru (PUCP) e coordenador do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Conflitos e Desigualdades Sociais (GICO) e Juan De la Puente (JDP) é advogado, professor das universidades de San Martín e San Marcos de Lima, e analista político. Em muitos sentidos, o Peru antecipa algumas tendências mais amplas na região, e hoje, fora dos grandes manchetes da imprensa internacional, o país andino-amazônico atravessa uma forte erosão democrática.
A entrevista é de Pablo Stefanoni, publicada por Nueva Sociedade, em Julho de 2024.
Após a destituição e detenção de Pedro Castillo, houve uma série de protestos. Apesar dessa pressão social, Dina Boluarte conseguiu, contra todas as previsões, manter-se no poder. Hoje, ela ainda está à frente do Peru, mas, segundo uma pesquisa do Instituto de Estudos Peruanos, sua popularidade é de 5%. Esses dados evidenciam um caso extremo de descontentamento com uma figura presidencial. A isso se soma também o escândalo dos relógios (o ) e a detenção de seu irmão Nicanor Boluarte por tráfico de influências. Considerando este panorama, o que sustenta Dina Boluarte no poder?
Mirtha Vásquez: Acho muito pertinente refletir conjuntamente sobre o que está acontecendo no Peru. Trata-se, sem dúvida, de uma situação tão complexa que parece ter muito poucas possibilidades de saída, pelo menos rápidas e eficientes. No que se refere a Dina Boluarte, esses 5% de aprovação constituem uma cifra histórica. Desde que se fazem pesquisas, nunca um presidente teve tão baixa aprovação, o que expressa um problema político e de governabilidade muito sério. Para dar uma resposta concreta à pergunta do que sustenta Dina Boluarte, é preciso focar em um ator fundamental: o Congresso da República. Este Congresso, único ator que poderia determinar uma vacância [destituição da presidenta], decidiu mantê-la através de um pacto. Não se trata de que o Congresso queira apostar na estabilidade da figura presidencial: o que o guia são razões pragmáticas e uma série de objetivos particulares e concretos para os quais é necessário que Dina Boluarte se mantenha no poder. Além disso, sua queda significaria também apressar eleições quando eles querem manter sua estabilidade e, antes disso, pretendem capturar o sistema eleitoral. Outro fator que joga a favor de Boluarte é a disputa no interior do Congresso: não se trata de um poder homogêneo; há muita luta pelo controle da Mesa Diretiva.
Um ponto a considerar é que quem assumir a partir de agora a presidência do Congresso poderia acabar assumindo a Presidência da República em caso de vacância ou renúncia de Boluarte antes do fim de seu mandato em 2026. Outro elemento relevante para a continuidade do governo é que o ciclo de mobilizações teve um declínio progressivo e, se não há uma sociedade mobilizada, o governo não sente a pressão da cidadania.
Omar Coronel: Vários de nós colocamos a etiqueta de "coalizão autoritária" nesta articulação entre o Poder Executivo e o Congresso. Não é uma convergência ideológica, mas uma convergência de interesses de curto prazo entre atores que não estão necessariamente muito coesos, que têm divisões internas, mas que, neste momento, precisam garantir sua permanência no poder para poderem travar batalhas judiciais em uma posição vantajosa e defender interesses mafiosos. Nessa coalizão autoritária, o Congresso é a voz principal.
É um caso muito singular: o poder, neste momento, não está no Executivo, mas no Congresso. Ao mesmo tempo, é preciso levar em conta o papel das Forças Armadas e da Polícia nesta coalizão. Ainda assim, o Congresso é o ator-chave, mas acompanhado por outros como o Tribunal Constitucional, a Defensoria do Povo e outras instituições que foram capturadas. Além disso, como bem afirma Mirtha, é preciso prestar atenção aos desafios que enfrenta a sociedade civil. Estamos em um regime que, por não ter pesos e contrapesos, pode reprimir e criminalizar sem maior contenção. Em um regime autoritário ou em processo de autocratização, o custo da ação coletiva é muito alto. O protesto é muito caro e, por isso, apesar de mais de 90% dos peruanos estarem atualmente em desacordo com o governo, sentem que pouco pode ser feito. Por certo, não é novidade que Boluarte seja impopular. Nos primeiros sete dias no poder, ela atingiu sua popularidade máxima: 27% de aprovação, muito baixa para alguém que recém assume a presidência. E depois foi baixando rapidamente. Sua média de aprovação em 2023 foi de 12%, e até agora em 2024 é de 6,5%.
Juan De la Puente: Concordo com os colegas que se trata de um registro inédito. Agora, também é certo que a presidenta Boluarte é uma peça de um regime cuja composição é mais densa e tem uma atividade muito mais complexa. Junto ao Congresso, é central o papel dos grandes poderes econômicos que, após a queda de Pedro Castillo, se recusaram a aceitar ou impulsionar o adiantamento eleitoral que os manifestantes nas ruas reivindicavam. Ao mesmo tempo, é totalmente verdade que a diminuição das mobilizações contribui para a continuidade dela no poder. No entanto, há uma particularidade. Ao contrário de outros casos, a baixa aprovação do governo não aumenta a aprovação da oposição. Isso dificulta a construção de alternativas ao governo.
De fato, Boluarte nunca ultrapassou os 30%, mas isso não era um impedimento para sua continuidade. A razão é que, em determinado momento, a aprovação do governo deixou de ser o dado mais importante, uma vez que o regime se sustenta em uma força que não é jurídica nem constitucional. É uma força apoiada pelo respaldo das Forças Armadas. Trata-se de um regime corroído, de uma estrutura que ameaça ruir, mas que por enquanto resiste.
É interessante estarmos diante da presença de um regime autoritário cujo centro é o Congresso. Isso não ocorre com muita frequência, ou pelo menos não estamos acostumados a pensar assim na América Latina. Se há um regime autoritário, costuma haver uma figura autocrática como em El Salvador ou Venezuela, uma figura forte. Há alguns meses, Rodrigo Barrenechea e Alberto Vergara escreveram um artigo provocativo no qual afirmaram que, no Peru, o problema da democracia não era tanto a concentração de poder, mas sim sua diluição. Essas teses podem ser discutidas, mas a pergunta é: como se compõe esse Congresso e qual é sua dinâmica? É um Congresso onde está o fujimorismo, vários partidos muito pragmáticos, o Peru Livre, e o que restou do setor de Pedro Castillo. O que explica a dinâmica desse Congresso? É política, ideológica ou são puros cálculos de poder? Quais grupos são os mais importantes hoje nessa luta?
MV: Eu considero que o Congresso é um fator que, neste momento, contribui para uma das situações mais perigosas que o Peru enfrenta como Estado. Hoje, há um setor do Congresso que está promovendo uma série de mudanças constitucionais e normativas, capturando os principais órgãos autônomos do Estado. Trata-se de um Congresso que, no geral, está governando e o faz no contexto de um redesenho do Estado. O regime constitucional, por exemplo, foi modificado: já não temos um sistema misto, mas também não entramos em um regime presidencialista ou parlamentarista. Esta indefinição é perigosa porque não há controle suficiente entre os poderes.
É o Congresso que agora acumula o poder e determina como o governo e as decisões mais importantes são exercidas. Houve um desequilíbrio de poderes, o Estado de direito foi rompido e acredito que há um grupo que tem um interesse nesse redesenho desequilibrado do Estado, porque é um cenário para perpetuar seu poder, podendo controlar o Estado mesmo sem ganhar eleições. Acredito que esse setor é liderado por grupos como o fujimorismo, que têm objetivos de curto, médio e longo prazo. Ao lado do fujimorismo, podem-se ver partidos como APP (Aliança para o Progresso), que seguem essa linha de conquista de poder, mas há atores nesta coalizão que são muito mais fracos e pragmáticos, onde prevalece uma lógica de negociação clientelista. O Peru Livre, por exemplo, representa um conjunto de congressistas com interesses clientelistas, negociando questões menores que lhes interessam pessoalmente. Mas acredito que há um grupo que parece ter um projeto muito maior, que dirigiu, por exemplo, a mudança constitucional para instituir a bicameralidade. Este grupo também está mudando as regras eleitorais, planejando permanecer no poder. Isso, no entanto, não é simples para eles e, em alguns momentos, surgem crises. Mas, por enquanto, entre todos esses setores, há apostas comuns que ainda os unem e os fazem agir nessa lógica de coalizão.
OC: O cientista político Will Freeman apontou que, numa perspectiva comparativa, o caso peruano não seria tão incomum na região, onde é cada vez mais comum que os parlamentos concentrem poder e desafiem os presidentes. No entanto, o caso peruano tem algo de excepcional porque os partidos funcionam de maneira diferente devido ao colapso do sistema partidário há 30 anos. Não houve uma recomposição. Embora tenhamos algumas forças no Congresso que conseguiram pactuar uma espécie de coalizão ou aliança que lhes permite se sustentar, eu concordo bastante com a tese de Vergara e Barrenechea, que aponta justamente para essa falta de partidos estáveis no Peru, o que torna difícil pensar em uma ditadura como a venezuelana ou a nicaraguense. No entanto, não é difícil pensar na outra via de erosão democrática, que existia até alguns meses atrás na Guatemala, que implica uma espécie de pacto de máfias e é o que há hoje no Congresso, um "pacto de corruptos", como dizem os guatemaltecos.
No entanto, é necessário olhar de perto dentro do Congresso, pois é um ecossistema com suas próprias heterogeneidades, e alguns de seus atores e líderes partidários têm maior capacidade de pensar no futuro. Às vezes, quando se diz que no Peru não há um sistema de partidos, pensa-se que não há políticos, que não há absolutamente nada. Na verdade, há sim líderes partidários que podem olhar para o futuro.
Claramente, neste país de cegos, o fujimorismo é o rei dos mancos. Na verdade, mesmo dentro da bancada fujimorista, há atores que agem por conta própria, e dentro da bancada da Aliança para o Progresso também há atores que agem de forma independente. Muitos agem de acordo com seus próprios interesses e sem pensar muito em termos partidários, mas há algumas lideranças que vão além disso. Eu acredito, como Mirtha, que essas lideranças estão pensando em consolidar certas reformas que aumentam sua probabilidade de se manterem no poder a longo prazo, excluindo atores que percebem como uma ameaça. De fato, o controle dos órgãos eleitorais está ligado a isso, à possibilidade de excluir atores que são vistos como uma ameaça à democracia.
O que está sendo feito é gerar um redesenho, um novo contrato social onde o Congresso tem muito poder, mas o problema é que as eleições no Peru são em grande parte uma loteria. Mesmo que o órgão eleitoral esteja de alguma forma controlado, é muito difícil, a menos que haja um controle como o da Venezuela, prever os resultados. E o que pode acabar acontecendo é que atores políticos de signo oposto aos que dominam hoje o Parlamento acabem sendo empoderados amanhã, com sede de vingança. Os congressistas de hoje não percebem que estão criando uma bomba-relógio institucional, permitindo que qualquer um que consiga formar uma maioria no Congresso domine o sistema político, o que é tremendamente perigoso.
Qual é o papel de Dina Boluarte neste contexto?
JDP: Esta etapa é de um presidencialismo muito precário. Não sei se estamos diante da diluição do poder, talvez ou diante da diluição do poder da Presidência, mas há uma reconfiguração do poder através da captura do Estado. O que é claro é que pode haver uma diferença entre este regime e o regime fujimorista: o fujimorismo envolveu a captura do Estado com um Poder Executivo forte. A diferença entre a reeleição de 2000 e a situação atual é que o que estava em jogo em 2000 era a reeleição de uma pessoa, Alberto Fujimori. O que hoje está em jogo no Peru é a reeleição de um regime político à margem de quem o dirige, e nesse sentido é um regime corporativo, ou que visa ser corporativo.
Uma das características surpreendentes em um cenário tão mutável é que o Peru tenha o mesmo presidente do Banco Central, Julio Velarde, desde 2006. Há extrema instabilidade política, presidentes presos, destituídos... Alan García, ex-presidente e um dos líderes políticos mais importantes do país, suicidou-se. E, por outro lado, junto com essa instabilidade política, há uma grande estabilidade econômica e das elites. Quais são as linhas de fratura? Como as Forças Armadas e os grandes empresários jogam? Quem compõe essa coalizão e qual é sua dinâmica interna?
JDP: Parto da consideração de que este fenômeno de captura do Estado tem um interesse particular porque é executado a longo prazo. Tenho a sensação de que não é apenas uma captura política, mas também econômica e até criminal. Estamos caminhando para uma reconfiguração do poder. Chama a atenção que setores aparentemente principistas e conservadores politicamente não tenham problemas em convergir nesta captura do Estado com grupos criminosos, como por exemplo o grupo chamado "Os Meninos" no Congresso, ou consentir avanços na mineração e desmatamento ilegais. Assim, a ideia de um regime que visa a médio-longo prazo, através da captura do Estado, indicaria que talvez a parte mais fraca seja a Presidência. Em qualquer país da América Latina, tirar um presidente do poder leva de 6 a 8 meses. Dilma Rousseff foi retirada do poder num processo de impeachment que durou 9 meses. No Peru, pode-se remover um presidente em 15 dias; inclusive, é mais difícil remover um ministro do que um presidente.
Também é importante mencionar o papel do Judiciário, que está atualmente acossando Dina Boluarte no caso dos relógios. A justiça está incluída na coalizão autoritária?
OC: Antes de falar sobre os atores judiciais, queria mencionar que algumas semanas atrás, o cientista político Martín Tanaka chamou a atenção para algumas rupturas na coalizão autoritária devido ao papel dos poderes econômicos. No início dessa coalizão, os atores econômicos apoiaram entusiasticamente o governo de Boluarte, apesar das violações dos direitos humanos e das massacres. Os sindicatos empresariais acabaram sendo bastante tolerantes e acompanharam o regime na esperança de recuperar o crescimento econômico após o governo caótico de Castillo. Isso perdurou até ficar evidente que o governo de Boluarte é tão ineficaz economicamente quanto o governo de Castillo. Ao mesmo tempo, também é bastante corrupto, o que foi especialmente evidente no caso dos Rolex, onde até mesmo os meios de comunicação que eram muito complacentes com Boluarte começaram a se tornar um pouco mais críticos. Acredito que há uma divisão aqui; alguns setores das elites econômicas começaram a questionar o governo. Há tensões entre perspectivas mais neoliberais, de ordem macroeconômica, e atores que favorecem uma redistribuição populista e uma gestão mais irresponsável da economia. É difícil articular entre esses atores. Acredito que o fato de o Ministério da Economia e Finanças, que foi uma espécie de ilha de eficiência nos últimos 20 anos, ter se tornado agora um instrumento altamente politizado, reduz a confiança no Peru e leva ao estagnação econômica.
Além disso, há uma tensão com o Banco Central e o Ministério da Economia...
OC: É algo que não se tinha visto desde a instalação do modelo neoliberal. Eram pactos muito claros dentro do que Alberto Vergara e Daniel Encinas chamavam de "arquipélago conservador". Havia pontos mínimos que eram o respeito a essas instituições, e agora isso está em tensão. Acredito que isso dificulta a estabilidade da coalizão autoritária, com setores empresariais pressionando o governo. E em termos judiciais também se abre outro fronte, pois são basicamente os juízes e os promotores que estão travando uma batalha em defesa das instituições, diante do Congresso e do Poder Executivo. O triste é que estão travando essa batalha sozinhos. A história dessas últimas semanas é uma história de juízes e promotores lutando solitariamente pela defesa das instituições, onde infelizmente não há um apoio da sociedade civil em termos de mobilização, nem de atores políticos de peso.
MV: Concordo que o tema econômico faz diferença. Por muitos anos, dizia-se que no Peru o político não interferia no econômico, pois ambos seguiam caminhos separados, o que permitia que enfrentássemos qualquer crise e a economia mantivesse um ritmo sustentado. Mas exatamente pelo que Omar comenta, parece que não podemos mais pensar nessa separação: agora há uma influência do político sobre o econômico. A impenetrabilidade daquele oásis que era o Ministério da Economia e Finanças foi quebrada, e quando começamos a aceitar que o Congresso imponha condições ao próprio Ministério da Economia, começa a ficar evidente o profundo impacto que a política agora tem sobre a economia. Há muita interferência política de diferentes setores, especialmente do Congresso. Nunca se tinha visto, por exemplo, um ministro da Economia pedindo desculpas ao presidente do Congresso por ter feito uma exigência de natureza econômico-financeira no exercício de suas funções. Isso é muito simbólico e nos mostra que o político e o econômico não estão mais separados.
Omar Coronel dizia que não apenas Dina Boluarte é impopular, mas todos são impopulares hoje no Peru. As pesquisas também mostram que ela tem 5%, mas depois se vê que nenhum candidato possível para as eleições hoje superaria isso nas pesquisas. Se olharmos para Keiko Fujimori, o prefeito de Lima, Rafael López Aliaga, Antauro Humala como um possível candidato "antissistema", todos parecem gerar muita desconfiança no eleitorado. Como podemos pensar no futuro? Porque este Congresso eventualmente terminará, mas não parecem surgir figuras, nem sistêmicas, nem antissistêmicas.
JDP: As pesquisas dos últimos dias são muito interessantes porque refletem que não há mais apenas insatisfação política, mas também insatisfação econômica, ou seja, a união das cordas separadas que Omar e Mirtha mencionaram. Além disso, esse rejeição contrasta com um cenário onde não há grandes aprovações dos candidatos presidenciais ao ponto que entre os sete candidatos presidenciais que as pessoas lembram o nome, juntos, não alcançam nem 12%. As pessoas parecem estar majoritariamente de acordo, de maneira abstrata, com um líder que promova mudanças e seja novo. Neste contexto, o caminho está preparado para a aparição do que eu chamo de "super outsider", porque o Peru tem muita experiência com outsiders. Este país é um terreno de outsiders, mas também é um cemitério de outsiders, mas acho muito interessante essa relação entre novos vínculos entre economia e política, por um lado, e a busca por uma alternativa disruptiva. Nessa perspectiva, talvez devêssemos considerar que 2026 será um ponto intermediário da crise que surgiu em 2015. Tenho a impressão de que temos de dez a doze anos pela frente. A crise será muito longa, então não acho que 2026 seja um ponto de chegada, mas um ponto de passagem. E nesse ponto de passagem é muito provável que surjam candidaturas orgânicas do regime atual. Também podem surgir duas ou três candidaturas que tentem superá-lo pela esquerda, ou em uma espécie de populismo, de nacional-populismo como o que inicialmente corporizou Castillo e que Antauro Humala tenta representar. É mais difícil produzir um [Javier] Milei porque no Peru já foi feita a tarefa do choque neoliberal. Provavelmente surgirá um líder conservador ou populista, que poderia ganhar adesões, mas isso dependerá muito de como os grandes blocos territoriais votarem. Nas últimas três eleições, o candidato apoiado maciçamente pelo sul e pelo centro do país chegou ao segundo turno. Aconteceu com Ollanta Humala em 2006 e 2011, quase aconteceu com Verónika Mendoza em 2016 e aconteceu com Castillo. Teremos que ver qual candidato consegue apoio no sul e no centro do país, na Sierra Norte e na Sierra Centro. Um ponto importante é que os segundos turnos na América Latina estão se tornando problemáticos porque candidatos com muito poucos votos no primeiro turno chegam ao segundo turno. Pedro Castillo e Keiko Fujimori juntos somaram apenas um pouco mais de 30% dos votos no primeiro turno.
Como você vê concretamente figuras como López Aliaga ou Antauro Humala?
OC: Eu os vejo desgastados. O Peru é um terreno fértil para populismos e outsiders, mas, como Juan disse, também é um cemitério para essas figuras; é um ciclo vicioso do qual é muito difícil escapar. Em um país sem um sistema de partidos institucionalizado, tudo pode acontecer, como vimos com Pedro Castillo, que pegou todos de surpresa. Lembro que até duas semanas antes das eleições, muitos não acreditavam que ele venceria. A CNN, ao anunciar sua vitória, não tinha sua foto, então tiveram que usar uma sombra. Na América Latina, também temos uma situação particular com dois presidentes jovens: por um lado, Nayib Bukele, o presidente mais popular do continente, e por outro, Gabriel Boric, com cerca de 35% de popularidade. Bukele tem 88%. Isso mostra uma disparidade muito significativa, e eu acredito que provavelmente o outsider vai vender uma postura de mão dura e vingança.
Infelizmente, as condições atuais deixam claro que as próximas eleições (seja daqui a três meses ou em 2026) estarão carregadas de muita raiva. Serão eleições muito complicadas, onde receio que muitos setores possam não reconhecer os resultados. Independentemente do vencedor, uma boa parte do país não reconhecerá as autoridades eleitorais e denunciará fraude. Por isso faz muito sentido o que Juan disse sobre esta ser uma crise que perdurará no tempo. Mesmo com eleições, a crise não será resolvida: ela se prolongará. A única alternativa viável é construir uma nova coalizão governante ampla o suficiente e determinada a restaurar pelo menos um mínimo de Estado de Direito. Infelizmente, muitos dos novos partidos e alguns antigos ainda acreditam que podem passar para o segundo turno com menos de 15% dos votos. Isso dificulta a possibilidade de forjar coalizões amplas o suficiente para derrotar tanto as ameaças populistas quanto a coalizão autoritária atual.
Mirtha, estou interessado em sua opinião sobre a situação da esquerda peruana. Você a conhece bem, faz parte dessa esquerda, participou do governo Castillo e saiu de forma muito crítica desse governo. Como você vê a esquerda hoje no Peru?
MV: Eu acredito que tudo o que aconteceu no país com os governos de Castillo e Boluarte teve um impacto significativo na esquerda peruana. A direita tem propagado a ideia de que ela representa a continuidade do governo de esquerda de Castillo e que o fracasso deste governo se deve à aplicação de uma "esquerda comunista", o que levou a essa situação de debacle. Essas narrativas têm peso na população, e é por isso que a esquerda enfrenta um desafio transcendental. O próprio governo de Castillo contribuiu para o desmembramento da esquerda. Agora há um setor que se considera castilhista, enquanto outro defende posições mais progressistas e críticas em relação ao governo de Castillo. A forma como Pedro Castillo saiu do governo foi interpretada por muitas pessoas, especialmente no sul do país, como um golpe contra ele pela direita. Essas pessoas sentem, legitimamente, que o governo de Boluarte e o atual poder da direita constituem uma espécie de expropriação de seu voto, e por isso reivindicam Castillo e o que seu governo representava para eles como parte de uma esquerda popular.
As pessoas estão cada vez mais optando por opções radicais e populistas. Existe uma tendência a acreditar menos na democracia e a optar cada vez mais por opções radicais e autoritárias. No entanto, não acredito que figuras como López Aliaga ou Antauro Humala tenham chances reais. Acredito que, para muitas pessoas, a aposta estará em um outsider radical, alguém que prometa resolver todos os problemas do país: pobreza, criminalidade, dificuldades do dia a dia. Ao mesmo tempo, acredito que as pessoas continuam votando com base em seu desencanto, evitando aqueles que as traíram. Existe um voto ainda emocional, com muito sentimento de desânimo e raiva, que acredito que continuará se manifestando nas próximas eleições.
JDP: Acredito que ainda há uma tarefa pendente para a esquerda. Se avaliássemos as principais políticas do governo de Castillo, provavelmente não seriam suficientes para serem consideradas políticas de esquerda. De fato, o governo de Castillo até desistiu rapidamente da ideia de uma reforma tributária. Ao mesmo tempo, é evidente que os setores do centro político naufragaram nos últimos processos eleitorais. Isso ocorre principalmente porque eles não se atrevem a propor programas e propostas de mudança. Concordo que o Peru precisa de uma unidade nacional, mas não uma unidade nacional para nos abraçarmos e não fazermos nada, e sim uma unidade nacional para discutir os termos da mudança. Da ultradireita também vem uma agenda de mudança, mas é uma agenda regressiva. Tenho a impressão de que a necessidade de construir uma saída passa primeiro por evitar que o regime se perpetue, mas ao mesmo tempo construindo uma alternativa política real que elabore ideias, proponha políticas e construa um espaço que não acabe rapidamente em desencanto. E não tenho certeza se os setores contrários ao regime atual têm a capacidade de construir isso nos próximos meses, olhando para 2026.
As possibilidades de uma coalizão de esquerda neste contexto são mínimas. Portanto, como Mirtha disse, a possibilidade de um líder emergir "de baixo", o super-outsider mencionado antes, é cada vez mais concreta. A questão é que tipo de mudança um líder desse tipo proporia ou quão de esquerda poderia ser. E é aí que as linguagens podem nos confundir. Antauro Humala, um nacionalista com discurso conservador, era visto por muitos analistas como um homem de esquerda. O fato de ser um candidato anti-sistema está se tornando cada vez mais questionável. Ele é alguém que passeia com seu cachorro nas praias do sul e leva uma vida de elite. Não vejo possibilidades de uma candidatura de esquerda emergente com força, mas vejo possibilidades de uma coalizão democrática que propõe mudanças e uma ruptura com o regime atual, o que dependerá das qualidades e capacidades pessoais de quem liderá-la. Viveremos estes meses com essa lógica explosiva, porque passamos da fase de uma democracia sem partidos para uma presidência sem apoio social ou poder real. No Peru, não apenas a democracia está em crise, mas também o Estado. E, ao mesmo tempo, há uma crise nos territórios. O que foi evidenciado no ano passado é uma região sul bastante insubmissa, cujos protestos foram reprimidos com violência e que continuam numa insubmissão de longo prazo.
"Retomando o último ponto, eu queria perguntar ao Omar, que está acompanhando de perto as mobilizações sociais: nos últimos tempos, também houve muitos protestos, mas não conseguiram se articular completamente. Como você vê hoje os movimentos sociais como atores nessa crise?
OC: Eu acredito que o governo de Castillo marcou um antes e um depois; foi uma estrutura de oportunidades que acabou dividindo muito a esquerda e fragmentando ou fazendo implodir o que era conhecido como o bloco antifujimorista. Muitos diziam que o antifujimorismo era o único ou o maior partido no Peru. Isso foi se erodindo ao mesmo tempo em que a democracia no país também se erodia desde 2016. A centro-direita se separou da centro-esquerda, a centro-esquerda das múltiplas esquerdas. O que vejo é um mosaico que se partiu em muitos pedaços, com muitos ressentimentos. Não são apenas tensões programáticas, mas também uma certa emotividade, animosidade: uns acusam os outros de trair Castillo (assediado pelo Congresso), e os outros acusam os primeiros de trair a democracia, devido à tentativa de Castillo de fechar o Congresso. Essas críticas tornam não apenas a unidade da esquerda mais difícil, que já não é tão forte no Peru, mas também a unidade de todo esse bloco antifujimorista que era um escudo contra forças anti-institucionais.
O processo de autocratização sui generis torna possível que se assassine impunemente manifestantes, que se os criminalize, que se abram processos contra eles, o que obviamente aumenta os custos da ação coletiva. Mas há outros fatores também. Em termos de divisões, a situação é clara quando as pessoas saem às ruas. As pessoas se perguntam com quem devem marchar. São mobilizações em que há uma animosidade que impede a formação de uma identidade coletiva comum, como a que era expressa nas mobilizações contra o fujimorismo.
Nas mobilizações atuais, há uma tensão muito forte entre setores que acusam outros de serem tímidos ou 'caviares', o termo usado no Peru para descrever uma ala mais institucionalista e democrática da esquerda. E do outro lado, critica-se essa esquerda castilhista como autoritária, ditatorial e em geral 'gente que não merece estar nesta marcha porque a estraga'. Isso dificulta muito a possibilidade de convergir para uma mobilização mais ampla e eficaz. Além disso, há a questão da incerteza e da desconfiança em relação aos lideranças. Hoje não existe uma figura que encarne uma posição comum contra o status quo; não há, como há 24 anos, um Alejandro Toledo que personificava a luta contra Fujimori. Também não há uma expectativa muito otimista do que poderia acontecer se Boluarte caísse ou do que poderá acontecer nas próximas eleições.
Quando converso com os jovens, percebo desesperança, porque muitos dos que participaram das protestas sentem que não conseguiram nada. Essa percepção de ineficácia limita muito os incentivos para a mobilização, as pessoas acabam calculando, dizendo 'por que eu iria se, no Peru de hoje, as ruas já não decidem mais nada'. O regime está muito distante da cidadania, muito distante do soberano, o que obviamente dificulta a possibilidade de pressionar a partir desses espaços.
Dado o que tem sido comentado, fica claro que o futuro não parece muito otimista e que as possibilidades de recomposição política parecem fracas, especialmente num contexto regional que também é bastante 'destituinte', no sentido de que há muita volatilidade: outsiders em países que não os tinham, diversas crises políticas, pactos de corruptos, diversas erosões da democracia na região. A pergunta então é: por que o Peru deixou de ser ou está próximo de deixar de ser um Estado democrático?
MV: Existem vários indicadores que nos mostram que o Peru já não é mais um Estado democrático, e sei que há pessoas que opinam que ainda estamos num processo de desdemocratização. Eu acredito que não, que já chegamos a um ponto em que não podemos mais chamar isso de democracia.
Democracia não é apenas o regime ou as regras eleitorais. É a possibilidade de ter um Estado que garanta os direitos fundamentais, um país onde exista um Estado de direito real, com tudo o que isso implica. Além disso, a democracia implica a participação ativa da sociedade civil, o que agora se tornou inviável após o assassinato de dezenas de pessoas em protestos. Não há cidadania ativa porque a população perdeu a possibilidade de agir e intervir no Estado, não há mecanismos eficazes de ação, de participação política. Além disso, devemos acrescentar que o Congresso modificou as regras do jogo para a participação política: mudou a regulamentação dos partidos e até a composição do Parlamento, onde simplesmente introduziu a bicameralidade, que não necessariamente é uma má proposta, mas, neste caso, é funcional à perpetuação do poder dos atuais detentores do poder parlamentar. A isso se soma o risco nas eleições, porque se o Congresso conseguir capturar os órgãos eleitorais, a possibilidade mesma de ter eleições livres e independentes se diluirá ainda mais. E isso é gravíssimo para uma democracia. Finalmente, não se pode dizer que hoje o Peru seja um estado democrático porque falta equilíbrio de poderes. Há um poder que concentra tudo.
O único poder que está tentando resistir e manter o equilíbrio é o Poder Judiciário. Mas isso também diz muito sobre a perda do sentido do Estado de Direito, porque (como Juan disse outro dia numa entrevista e achei muito acertado) não pode ser que no Estado seja o sistema de justiça que exerça o controle político. Todos esses elementos nos mostram que a democracia no país como sistema já se esgotou. Quais opções restam ao cidadão? Omar explicou claramente por que a cidadania neste momento não se sente motivada para participar. Acho que isso agrava o contexto porque finalmente nos leva a pensar que, pelo menos nos próximos anos, não poderemos reverter esta situação.
OC: Concordo que é um exagero dizer que o Peru é hoje uma democracia. É um país que vive uma erosão democrática permanente e onde o regime tem mais características de um sistema autoritário do que de uma democracia propriamente dita. Como Mirtha disse, o princípio básico da democracia madisoniana foi quebrado. E isso sem falar da democracia participativa ou deliberativa, que nunca realmente enraizou no Peru, mas pelo menos havia algum grau de poliarquia e equilíbrio de poderes. É importante notar que esse equilíbrio de poderes não existia porque todos os atores eram muito democráticos, mas sim porque eram bastante frágeis. Tanto o Executivo, o Congresso quanto o Poder Judiciário podiam se equilibrar, impedindo que um predominasse sobre o outro. É por isso que, no Peru, os estudos sobre democracia colocavam o país num nível intermediário, não baixo. Agora que o poder se concentrou no Congresso, o desequilíbrio se tornou evidente. Na prática, o que temos é a incapacidade de exigir qualquer responsabilização. Apenas alguns atores do Poder Judiciário e do Ministério Público estão começando a enfrentar algumas arbitrariedades.
O Congresso conseguiu capturar instituições-chave como o Tribunal Constitucional, a Defensoria do Povo e, até dezembro do ano passado, o Ministério Público. Com a condescendência de diversos meios de comunicação, esse processo quebrou a capacidade que a cidadania tinha de exigir responsabilidades. Esse é um elemento crucial de por que isso já não pode ser chamado de democracia.
Democracia não é apenas o regime ou as regras eleitorais. É a possibilidade de ter um Estado que garanta os direitos fundamentais, um país onde exista um Estado de direito real, com tudo o que isso implica. Além disso, a democracia implica a participação ativa da sociedade civil, o que agora se tornou inviável após o assassinato de dezenas de pessoas em protestos. Não há cidadania ativa porque a população perdeu a possibilidade de agir e intervir no Estado, não há mecanismos eficazes de ação, de participação política. Além disso, devemos acrescentar que o Congresso modificou as regras do jogo para a participação política: mudou a regulamentação dos partidos e até a composição do Parlamento, onde simplesmente introduziu a bicameralidade, que não necessariamente é uma má proposta, mas, neste caso, é funcional à perpetuação do poder dos atuais detentores do poder parlamentar. A isso se soma o risco nas eleições, porque se o Congresso conseguir capturar os órgãos eleitorais, a possibilidade mesma de ter eleições livres e independentes se diluirá ainda mais. E isso é gravíssimo para uma democracia. Finalmente, não se pode dizer que hoje o Peru seja um estado democrático porque falta equilíbrio de poderes. Há um poder que concentra tudo.
O único poder que está tentando resistir e manter o equilíbrio é o Poder Judiciário. Mas isso também diz muito sobre a perda do sentido do Estado de Direito, porque (como Juan disse outro dia numa entrevista e achei muito acertado) não pode ser que no Estado seja o sistema de justiça que exerça o controle político. Todos esses elementos nos mostram que a democracia no país como sistema já se esgotou. Quais opções restam ao cidadão? Omar explicou claramente por que a cidadania neste momento não se sente motivada para participar. Acho que isso agrava o contexto porque finalmente nos leva a pensar que, pelo menos nos próximos anos, não poderemos reverter esta situação.
OC: Concordo que é um exagero dizer que o Peru é hoje uma democracia. É um país que vive uma erosão democrática permanente e onde o regime tem mais características de um sistema autoritário do que de uma democracia propriamente dita. Como Mirtha disse, o princípio básico da democracia madisoniana foi quebrado. E isso sem falar da democracia participativa ou deliberativa, que nunca realmente enraizou no Peru, mas pelo menos havia algum grau de poliarquia e equilíbrio de poderes. É importante notar que esse equilíbrio de poderes não existia porque todos os atores eram muito democráticos, mas sim porque eram bastante frágeis. Tanto o Executivo, o Congresso quanto o Poder Judiciário podiam se equilibrar, impedindo que um predominasse sobre o outro. É por isso que, no Peru, os estudos sobre democracia colocavam o país num nível intermediário, não baixo. Agora que o poder se concentrou no Congresso, o desequilíbrio se tornou evidente. Na prática, o que temos é a incapacidade de exigir qualquer responsabilização. Apenas alguns atores do Poder Judiciário e do Ministério Público estão começando a enfrentar algumas arbitrariedades.
O Congresso conseguiu capturar instituições-chave como o Tribunal Constitucional, a Defensoria do Povo e, até dezembro do ano passado, o Ministério Público. Com a condescendência de diversos meios de comunicação, esse processo quebrou a capacidade que a cidadania tinha de exigir responsabilidades. Esse é um elemento crucial de por que isso já não pode ser chamado de democracia.
A visão para o futuro, portanto, é pessimista. Se olharmos para os indicadores, não há motivos para otimismo. Não temos os ingredientes para transformar essa realidade no curto prazo. Não há partidos, não há lideranças, não há elites regionais que possam equilibrar a situação. Se observarmos o processo de forma objetiva, concluímos que não há como fazer uma previsão positiva. No entanto, como minha colega politóloga Carmen Ilizarbe me lembra, em agosto de 2000 - após a Marcha dos Quatro Suyos - o ânimo era semelhante. Aquela foi uma mobilização massiva, mas Fujimori não caiu, e em agosto houve a sensação de que ele não cairia de jeito nenhum, que o regime estava firmemente enraizado. Claro, havia um amadurecimento da oposição a Fujimori, que levou uma década para se articular. Mas no final ocorreu o episódio dos 'vladivideos', que acabou transbordando o copo e sendo um catalisador da ação coletiva. Aqueles de nós que estudam movimentos sociais e ação coletiva sempre levam em conta que, por um lado, há uma visão dessas previsões com base nos dados disponíveis e é possível prever o que é mais ou menos provável. No entanto, sempre há também um resíduo de algo que não pode ser previsto. Existem alguns elementos que podem quebrar a economia moral, gerar choques morais que acabam produzindo uma mobilização inesperada.
Embora tenha havido um surto de protestos que não alcançou seus objetivos, há também uma estrutura organizacional que está, principalmente no sul do país, esperando uma janela de oportunidade, maior fraqueza do governo ou algum episódio desencadeante. Hoje o poder não está nas mãos de um Alberto Fujimori ou de um Vladimiro Montesinos: quem governa são uma gangue de pequenos ladrões, em todos os sentidos, que nos roubaram o poder. Isso é o único que, neste cenário, abre uma janela de esperança para pensar em alguma possibilidade de sair dessa situação.
DP: Concordo com Mirtha e Omar no sentido de que não há elementos que nos permitam dizer que o Peru vive em uma democracia. A Economist sinalizou meses atrás que existe, na verdade, um regime híbrido. Nem mesmo os elementos mínimos de uma democracia procedimental são cumpridos. O que me parece interessante é sustentar que o resultado disso pode não ser apenas polarização. Essa polarização existe, sem dúvida, mas há algo mais. Não se trata apenas da fraqueza ou diluição da democracia. Acredito que, junto com essa polarização, há uma enorme fragmentação. E essa dinâmica entre fragmentação e polarização gera de fato um clima bastante complexo e, em alguns casos, bastante pessimista. É verdade que o regime tem diferentes facetas e interesses e que também é frágil. Frente a uma sociedade fragmentada e um sistema político onde a democracia se diluiu, a democracia deve vir de baixo para cima.
Insisto na insumissão permanente dos povos. Há um grande divórcio entre a sociedade e o que se chama de elite. É como se estivéssemos jogando uma partida de futebol no estádio, mas com as arquibancadas vazias porque as pessoas estão do lado de fora. A recomposição levará alguns anos. Tenho certeza de que não se trata apenas de uma democracia que se diluiu, mas de um fenômeno mais complexo que precisamos estudar."