Cada vez mais distante do discurso de esquerda radical com que iniciou sua carreira política,
Hollanta Humala Tasso, presidente eleito do Peru, enviou ontem uma mensagem de moderação ao anunciar a muito esperada formação de seu primeiro governo, com o qual assumirá o poder dentro de uma semana, em 28 de julho.
A reportagem é de
Jaime Cordero e publicada pelo jornal
El Pais e reproduzida pelo
Portal Uol, 23-07-2011.
Salomón Lerner Ghitis, seu assessor mais próximo há vários anos, empresário e financista de boa parte de suas campanhas, será o presidente do Conselho de Ministros. O Ministério da Economia e Finanças ficará nas mãos de
Luis Miguel Castilla, um técnico com fama de ortodoxo que até alguns dias atrás era o vice-ministro da Fazenda do atual governo de
Alan García e que teve experiência em organismos multilaterais como o Banco Mundial e a Corporação Andina de Fomento. Esta designação, junto com a já anunciada ratificação de
Julio Velarde - um militante do direitista Partido Popular Cristão - à frente do Banco Central de Reserva, foram muito bem recebidas pelos mercados. A Bolsa de Lima, que nos últimos meses serviu de fiel termômetro do nervosismo dos agentes econômicos, registrou fortes altas ao longo desta semana.
Humala confirmou as indicações entre a noite de quarta-feira e a manhã de ontem. Muito influiu nessa confirmação o entendimento com o Peru Possível, partido do ex-presidente
Alejandro Toledo, que na noite de quarta-feira anunciou que apoiará o próximo presidente. Como parte desse acordo, Humala anunciou que o Peru Possível terá alguns cargos no gabinete, entre eles o Ministério da Defesa. Toledo também prometeu apoio no Parlamento, o que garante que o governo terá a presidência do Congresso, pelo menos durante o primeiro ano.
"Estamos fazendo um governo de união nacional", indicou Humala na quinta-feira de manhã em uma entrevista televisiva na qual anunciou várias nomeações. Embora ainda falte conhecer quase a metade dos ministros, os nomes que foram revelados agora configuram um gabinete moderado e de concertação. À imagem e semelhança do que fez
Lula no Brasil quando assumiu o poder, a tendência geral do governo parece de centro-esquerda, mas a condução econômica fica nas mãos de técnicos que se situam mais à direita.
Kurt Burneo, ex-chefe do plano econômico do Peru Possível na última campanha eleitoral, ocupará a pasta de Produção e será o responsável por grande parte dos programas de inclusão social que pensa implementar a partir de 28 de julho.
Salomón Lerner, um homem que tem boas relações tanto com os setores mais esquerdistas do futuro partido do governo como com o empresariado, terá a missão de articular e coordenar os setores extremistas com os moderados, tanto dentro do gabinete como na esfera pública. "Não é um radical de esquerda. Trata-se de um empresário progressista que conduziu a campanha e que quando foi preciso dar um salto para conseguir o voto do setor democrático-liberal, o fez com muita inteligência", salienta Sinesio López, acadêmico e analista político que conhece de perto o entorno do presidente.
Na opinião de
López, o grande desafio do governo Humala consiste em manter o bom ritmo de crescimento econômico, o que lhe permitiria pôr em prática seus ambiciosos programas de assistência social e redistribuição de renda. Nesse sentido, considera que a nomeação de Luis Miguel Castilla é "um bom gesto para o empresariado". "Creio que o governo vai agir como centro-direita no plano econômico e como centro-esquerda no social", acrescenta.
A direita também aprovou as nomeações. "Me dá a impressão de que no gabinete se busca dar certo peso à ponderação e moderação basicamente expressada por uma linha econômica que quer ser centrada", indica
Lourdes Flores Nano, presidente do Partido Popular Cristão, que afirmou que também apoiará a candidatura oficialista à presidência do Congresso.
"Parece-me que as indicações são positivas. Depois dos discursos humalistas do passado, bastante radicais, estes são sintomas de uma esquerda moderada, como a que governa o Uruguai ou o Brasil", salienta
Daniel Córdova, economista e ex-candidato ao Congresso pela direita. "É preciso esperar o discurso de 28 de julho, mas as coisas estão se esclarecendo e nós que éramos céticos teremos de aceitar que Mario Vargas Llosa tinha razão, que a moderação em Humala é possível, e em boa hora", acrescenta.
Espera-se que no mesmo dia em que assumir o poder
Humala anuncie um programa de reformas para executar nos primeiros cem dias de seu governo. Uma das promessas de campanha é elevar o salário mínimo, medida que alguns setores criticaram pois consideram que pode gerar inflação.
Humala receberá um país muito complexo, com impressionantes números de crescimento econômico em dez anos - 9% em 2010 -, mas igualmente com crescentes demandas sociais, sobretudo fora de Lima, onde se concentram os eleitores mais radicais de Humala. "Se não conseguir evitar a pressão excessiva, a resposta será o retiro dos investimentos", adverte
Sinesio López. Companhias estrangeiras prometeram US$ 50 bilhões para os setores mineiro e petrolífero na próxima década.
O novo governo do Peru
Primeiro-ministro:
Salomón Lerner Ghitis, homem de negócios muito próximo do presidente Hollanta Humala, será o próximo primeiro-ministro. Lerner, 65 anos, foi o arquiteto da última campanha presidencial de Humala e o responsável por reunir intelectuais moderados como conselheiros do partido. O novo primeiro-ministro, um milionário de origem humilde, foi um dos poucos vínculos do presidente peruano com o mundo empresarial durante sua campanha em 2006, quando se candidatou com um perfil mais radical. Lerner conta com uma longa trajetória política: participou do governo do general Juan Velasco no final dos anos 60, da administração do primeiro mandato de Alan García nos 80 e colaborou por um breve período com o ex-presidente Alejandro Toledo.
Ministro da Economia:
Luis Miguel Castilla, economista ortodoxo de 42 anos, foi escolhido ministro da Economia e Finanças contra os colaboradores mais intervencionistas que participaram da campanha política do presidente. Castilla era, até a semana passada, vice-ministro da Fazenda. Esse ex-membro do Banco Mundial é relacionado com o boom do livre comércio no Peru, muito dependente do investimento estrangeiro e duramente criticado por Humala por ignorar a luta contra a pobreza. Com Castilla, Humala tenta acalmar os empresários e afastar-se de seu passado anticapitalista.
Banco Central:
Julio Velarde, a grande surpresa do novo gabinete. Esse conservador respeitado por investidores e mercados financeiros locais continuará à frente do Banco Central de Reserva, que preside desde 2006. Professor universitário de 59 anos, Velarde é reconhecido pela luta contra a crise econômica atual por manter as taxas de juros baixas e assim evitar a deflação no Peru. Entre 2004 e 2006 presidiu o Fundo Latino-Americano de Reservas. Conta com a confiança dos mercados e sua continuação no cargo foi recebida pela Bolsa de Valores de Lima com alta de 4,62% .
Ministro das Minas:
Carlos Herrera Descalzi, engenheiro de 66 anos partidário da política moderada. Também não é novo no cargo: foi ministro de Minas e Energia, pasta chave no Peru, durante o governo de transição de Valentín Paniagua (2000-2001). Herrera aposta em uma revisão dos preços do gás natural.
Ministro das Relações Exteriores:
Rafael Roncagliolo, sociólogo e jornalista de 67 anos. Até agora diretor da organização civil de observação eleitoral Transparência, Roncagliolo trabalhará pela integração regional do Peru. Um importante desafio para o novo ministro será a disputa territorial marítima com o Chile, nas mãos da Corte Internacional de Haia.
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Humala, presidente do Peru, opta pela via política de Lula - Instituto Humanitas Unisinos - IHU