15 Julho 2024
"As pessoas que aqui estão é que fecundam esse chão cheio de veias e nervuras, não há que esperar outros, vamos trabalhar com os que vieram, disseram sim e aqui estão para esse encontro de diálogos amazônicos fecundos que vão qualificando as periferias geográficas dessa Amazônia ou mesmo suas periferias existenciais no corpo apostólico das mulheres que fazem presença profética nos trabalhos pastorais dinâmicos, nos limos iniciais das águas que insistem em produzir vida onde estão, como os povos originários que são como que rios de água viva que saciam a sede de bem viver para nós que para cá viemos passear, morar e/ou viver", escreve Aloir Pacini, padre jesuíta, antropólogo e professor da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT.
O primeiro chamado de Jesus em João Batista foi uma mudança de pensamento, o arrependimento do mal cometido. O aprofundamento da fé exige hoje uma mudança de mentalidade em relação à Criação que está clamando por libertação dos filhos de Deus (Rm 8,19-24). Os 50 anos do Documento de Santarém e as Semanas Laudato Si' são ocasiões propícias para aprofundar nossas conexões com os caminhos da Igreja do Papa Francisco. No dia 11/05/2024, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) foi palco do Pré-Fospa Manaus, um evento que reuniu mais de 60 entidades em prol da Amazônia. O encontro, que precedia a XI edição do Fórum Social Panamazônico (Fospa), teve como objetivo central mobilizar e articular movimentos sociais, organizações da sociedade civil e líderes regionais para uma discussão profunda sobre os desafios enfrentados pela região. Acompanhamos o XI FOSPA (12-16/06/2024) organizado em torno de 4 eixos temáticos que ordenaram os debates e a construção do Fórum. Novos agentes eclesiais e sociais planejam ações consequentes com a REPAM rumo à COP 30 a ser realizada em Belém, no Pará, entre 10 e 21 de novembro de 2025, a fim de buscar respostas aos eventos climáticos mais extremos.
Quem trabalha com os povos indígenas se sente constantemente provocado pela degradação dos territórios tradicionais e o Papa Francisco foi para Puerto Maldonado, no Peru (18/01/2018), para escutar essa parcela da população antes de chamar o Sínodo para a Amazônia. Por isso faz-se necessário uma vinculação nossa mais intensa com a Pastoral da Ecologia Integral, porque urgente é o envolvimento efetivo dos indigenistas no cuidado da mãe-terra. Todas as pessoas podem participar, independente de religião, profissão, idade, etnia, classe social, desde que estejam dispostas a colaborar nessa Missão de reverter a grave degradação socioambiental que pesa sobre nossa Casa Comum, porque juntos somos mais fortes, vamos mais longe e podemos salvar nossa irmã-terra.[1]
Com a crise climática atual acelerando a instabilidade ecológica, milhões de espécies, incluindo a família humana, estamos em risco e o único caminho a seguir deve ser trabalharmos juntos, conscientes. Se Jesus recusou a tentação de saltar do pináculo do Templo, quando assegurado que Deus o salvaria de forma mágica, não há motivo na fé para complacência com os destruidores e todos precisamos nos engajar para cuidar da mãe-terra, isso com atenção aos "sinais" nos céus e nessa terra que é mãe (Mt 16,3) porque somos chamados a aprender com os pássaros, as árvores e a sabedoria dos povos indígenas (Mt 6,26, Lc 21,29, Jó 12,1-10).
Com a crise climática atual acelerando a instabilidade ecológica, milhões de espécies, incluindo a família humana, estamos em risco e o único caminho a seguir deve ser trabalharmos juntos, conscientes – Aloir Pacini
O início da Semana Laudato Si’ 2024[2] aconteceu no domingo 19 de maio, Festa de Pentecostes, que comemorou o 9º aniversário da publicação da encíclica Laudato Si’ sobre o cuidado da criação. A mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, no próximo dia 1º de setembro, dará início ao Tempo da Criação já está disponível. O Papa Francisco afirma que “não há mudanças duradouras sem mudanças culturais e […] não há mudanças culturais sem mudança nas pessoas” (LD 70). Católicos de todo o mundo e outros irmãos participarão de desafios diários que motivam mudanças nos hábitos pessoais e, pouco ao pouco, transformarão nossas sociedades.
O tema da Semana Laudato Si’ deste ano é inspirado no símbolo do Tempo da Criação 2024, “as primícias da esperança”. A esperança é um instrumento que nos permite superar a lei natural da decadência: só através dela podemos realizar plenamente o dom da liberdade. A Semana Laudato Si’ é patrocinada pelo Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral do Vaticano, entre outras organizações, e é facilitada pelo Movimento Laudato Si’ do qual participamos, porque nunca é tarde demais para começar.
O movimento global para inspirar a rezar, contemplar, refletir e agir com criatividade na criação que continua todos os dias propõe três etapas: Ouvir o Canto da Criação, Ouvir o Grito da Criação e Ouvir o Chamado da Criação. Quando falamos de conversão ecológica, não podemos esquecer a dimensão comunitária que é fundamental, por mais que seja necessário também o compromisso individual. Para sermos humildes e frutíferos ao longo do caminho de conversão ecológica, devemos aprender a viver uma mudança de paradigma, reconhecer a importância do pertencimento à comunidade, ouvir as experiências dos outros e partilhar também as nossas próprias experiências. Já somos defensores dos que são marginalizados e não são ouvidos, e aprofundar esse compromisso ao defender a nossa mãe-terra e fazer valer trabalhos de justiça ambiental são os sinais dos tempos mais urgentes.
Vamos chamando a todos e todas[3] para a reflexão agora sobre a exploração do reino vegetal, a derrubada das matas nativas sem controle que trazem graves prejuízos a todos, animais e seres humanos; mas também a produção da roça, das hortas, a domesticação das plantas como forma de cuidado da natureza, de plantar jardins e alimentos. Por isso ficam latentes algumas perguntas: As polêmicas que o Papa Francisco causou ao publicar sua carta encíclica Laudato Si’ são somente porque achavam que a Igreja não deveria se envolver em questões como as mudanças climáticas? Como podemos nos envolver mais na cura do nosso planeta? Quais foram os momentos ou pessoas que inspiraram sua jornada de cuidado da criação? Quando foi a última vez que o discernimento comunitário levou você a dar mais um passo no cuidado da criação? Você se sente pertencente a uma comunidade? O que você pode fazer para fortalecer seu senso de comunidade também na criação?
Para sermos multiplicadores das águas[4] temos que estar cientes da possibilidade de encontrar alento nas fontes de “água viva” (Jo 4,6-14) e tornarmo-nos presentes com cuidado nas bacias hidrográficas! Nesse contexto faz-se pertinente se perguntar: Qual o oceano que me gerou, onde nasci e qual o nome que recebi no meu batismo, onde me banhei, de qual água bebi, quais açudes, córregos e rios que conheci em profundidade? O Concílio Vaticano II e o Padre Arrupe indicaram o rumo da Missão Indígena no Mato Grosso ao fechar o internato de Utiariti e os jesuítas foram morar com os indígenas. No ano de 1946 o padre João Dornstauder foi trabalhar como missionário na Missão dos jesuítas em Utiariti, Mato Grosso e iniciou a missão volante[5], dedicando-se a visitar as aldeias e assistir os indígenas na área da Missão (Rios Papagaio, do Sangue, Juruena, Arinos, Tatuí, Peixes etc.): “Desde 1947, saía eu para as aldeias dos Nambikuára, Paresí e Irantxe [...] voltando sempre para Utiariti”. Com a guerra dos seringueiros contra os Rikbaktsa, o Padre João procurou estabelecer a paz nesse campo, pois muitos indígenas estavam sendo mortos.
Para compreender a autoridade do Padre João Dornstauder na região e a grande contribuição da Missão Anchieta no Mato Grosso nas relações com os povos indígenas alguns dados são importantes. Em 1954-5 o Padre João estabelece relações pacíficas com os Kawaiweté (Kayabis) no Batelão e no Rio dos Peixes. Sabendo dos conflitos entre os seringueiros e Orelhas-de-Pau (Rikbaktsa) no Rio do Sangue, Arinos e Juruena a partir de 1953-6, o Padre João começa a fazer mediações nas regiões tradicionais indígenas invadidas pelos seringueiros para saber como agir nesses casos, utilizando-se dos meios de transporte dos seringueiros, ou seja, as barcas que buscavam a seringa e atendiam os mesmos no escambo. A assistência aos Rikbaktsa e Kayabis (Kawaiveté) conseguiu maior autonomia com a aquisição de uma barca que o Padre João nomeou Yara (ver Pacini, 2015: p. 146, em 03/07/1958 nas cinco bocas do rio Arinos) que afundou na cachoeira do Rio do Sangue e foi resgatada recentemente pelo bispo Dom Neri Tondello que colocou as partes da mesma no Museu de Juína a fim de contar muitas histórias.
Em 30/07/1957 o Padre João estabelece os primeiros contatos pacíficos com os Rikbaktsa (Canoeiros) e cria o Posto Santa Rosa para atender os mesmos que apareciam com as doenças infecciosas dos seringueiros (ver Pacini, 1999). Em 1963 o Padre João vai morar com os Kawaiweté do Rio dos Peixes e continua atendendo os Rikbaktsa do Japuíra, onde fica em missão volante até 1978, quando passa por problemas mais sérios de saúde e percebe que precisa constituir morada mais fixa nalgum lugar. O Tatuí torna-se sua casa (de 1980 a 1989) e chama voluntários leigos da Áustria para o auxiliar nas tarefas de enfermagem, mecânica, agricultura etc. Sai da aldeia para Cuiabá com problemas de saúde e, em 1992, é levado para Belo Horizonte onde falece em 09/04/1994.
De 1963 a 1971 diversos missionários trabalharam com os Rikbaktsa no Barranco Vermelho que se tornou um pequeno Utiariti, com Escola, Posto de Saúde etc. O Padre Balduino Loebens torna-se o encarregado dos cuidados dos Rikbaktsa, também do Escondido e, como estavam muito longe, optaram por trazer todos os Rikbaktsa para o Barranco Vermelho, o que deixou essa parte do seu território tradicional fragilizado. Compreendo que esse processo de aglutinação dos Rikbaktsa sobreviventes trouxe uma etnogênese sem precedentes para os mesmos e com o reforço da etnia, a posterior expansão progressiva e constante na medida que a recuperação populacional foi acontecendo.
A Bíblia Sagrada chama para o cuidado com a Criação desde sempre. Vamos olhar especialmente temas relacionados com a água, mas tudo está interligado na nossa casa comum onde o Padre João navegou para encontrar os Rikbaktsa e depois o Padre Balduino deu continuidade ao trabalho e coroou sua vida mergulhando profundamente no rio Juruena no dia 06/09/2014.
Diante da necessidade de uma aceleração da transição energética justa sob o prisma da ecologia integral, temos que pensar nossa incidência como Movimento Laudato Si’,[6] como estabelecer diálogos intereclesiais fecundos pela Paz, e aumentar as pesquisas socioculturais e econômicas sobre os extrativismos minerais, vegetais e dos próprios corpos humanos na raiz do antropoceno. Isso porque o cultivo da terra tem a ver com uma cultura do cuidado.
Ouvindo o chamado da Criação para agir – esperançar e agir em comunhão com a criação, as primícias da esperança estão na manifestação dos cristãos ao cuidarem da mãe-terra (Rm 8,19-25). No dia 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, participamos com o Guia de Celebração oficial do Tempo da Criação de 2024. As Sementes de Esperança e os novos hábitos para a Semana Laudato Si’ 2024 inspiraram em nós “uma transformação pessoal e cultural em meio às nossas crises ecológicas e climáticas”.
Como estão as nossas fontes de água, nossos córregos e rios? Temos a experiência do Rio Grande do Sul nesse ano que mostrou a urgência de novas consciências no cuidado dos espaços públicos, porque as experiências de impacto e de cuidado nos contextos urbano e rural fazem toda a diferença. Certa vez, tendo sido interrogado pelos fariseus sobre quando viria o Reino de Deus, Jesus respondeu: “O Reino de Deus não vem de modo visível, nem se dirá: ‘Aqui está ele’, ou ‘Lá está’; porque o Reino de Deus está entre vocês” (Lc 17,20-21). O Primeiro sinal que Jesus realizou nessa terra foi nas bodas em Caná da Galileia: a transformação da água em vinho, a Eucaristia que nos ensina primordialmente a partilha do pão. Não é difícil discernir que nossa Missão é semear e cuidar das plantações para que produzam o suficiente para fazer festa e que ninguém passe fome, como vemos acontecer aqui na nossa região, herdada das Missões jesuítas de Chiquitos em que o Santo Patrono sacia a fome de todos.
Eu quero, isto sim, é ver brotar o direito como a água e correr a justiça como riacho que não seca (Am 5,24)[7]. Compreender, à luz da Fé, os documentos do Papa Francisco auxilia a perceber quais as possíveis mudanças paradigmáticas nas nossas formas de estar nesse mundo com mais simplicidade de vida, sem esbanjamento etc. A memória indígena Rikbaktsa dos cuidados com seu território, indica que somos parte da natureza e estamos unidos em Missão na Rede Latinoamericana Fé e Justiça Climática: o cuidado da biodiversidade e do clima, desde os saberes ancestrais, também bíblicos está ativo, mas escondido muitas vezes, por isso saudável é dormir para poder sonhar novos céus e nova terra!
Possível é encontrar fecundidade e resistência de missionários na tríplice fronteira geográfica e existencial do Mato Grosso, nos rios Arinos (Diamantino, de 1929 até 2004), do Sangue (no Utiariti do Rio Papagaio, de 1945 até 1968) e Juruena (Mangabal, 1932-45[8], Barranco Vermelho e Fontanillas, de 1968 até o presente momento) nos territórios tradicionais de povos indígenas. Temos que pedir perdão aos povos originários por não respeitarmos suas fronteiras tradicionais, ou por construir fronteiras artificiais de municípios e vilas, ou de províncias no corpo apostólico ou planos de ações secos e clericais, porque são pensados sem as águas do Espírito, somente com propostas de construções de pedras, sem valorizar as pessoas que fecundam esse chão com o húmus de seus corpos. Recordar que o Nilo foi transformado em sangue por causa da maldade dos seus governantes e o nosso rio do Sangue por que tem esse nome? Foi ali que os seringueiros conseguiram enganar os Rikbaktsa e lhes deram açúcar misturado com arsênico, o que deixou toda a aldeia morta (informação de Mapadadi em 1990).
Jesus Cristo é o Profeta em todas as suas palavras e ações: que se façam súplicas e orações pedindo pela Paz no tempo presente e se invertam os recursos para multiplicar o pão nosso de cada dia. As guerras estão destruindo tudo nesta mãe-terra. Que todos semeamos o bem-viver neste mundo para podermos chegar aos céus! A consciência sobre o valor da água está associada às técnicas de agrofloresta. Assim, no centro do paraíso estava a árvore que produzia frutos da ciência do bem e do mal, agora revela-se escancarado na Cruz de Cristo a nova Árvore da Vida da qual desse a salvação da humanidade. Onde tem água a mata cresce de forma a proteger com cuidado a face da terra, como a pele do corpo humano que faz a mediação de nosso ser com os outros seres. E assim podemos pensar a castanheira que é cultivada pelos Rikbaktsa desde tempos imemoriais nessa Amazônia.
O suor de Jesus no Monte das Oliveiras vem do sangue, isso diante do cálice que deverá beber. Depois a lança do soldado romano manifesta mais explicitamente a água e o sangue que descem sobre a humanidade. Do coração de Jesus transpassado pela lança jorrou sobre nós sangue e água, os sacramentos (eucaristia e batismo). Os cuidados da OIKOS suas ressonâncias propostas de recuperação de uma nascente de um rio para experimentar que é possível agir coerentemente com nossa fé: parar com a derrubada das matas nativas; produzir alimentos agroecológicos, sem agrotóxicos e outros passos a seguir.[9]
Esse novo Dia convida a AGIR para que um rio de água viva se forme a partir do Templo e traga vida para o Pantanal, um novo amanhecer para a vida com o sol nascente com as águas das chuvas que superem o fogo, que maravilha aos nossos olhos! Assim a água, o ar, a terra e o fogo se transformam em alimentos e não em destruição! Vamos cantar: Há um rio cujos canais alegram a cidade de Deus, o Santo Lugar onde habita o Altíssimo (Salmo 46,4).
Bom é meditar que o rio da vida em Ezequiel 47 representa uma visão profética de um rio que flui do templo de Deus, trazendo vida por onde passa. O rio representa a presença de Deus e o seu poder transformador, pois flui do templo, que é a morada de Deus, indicando que tudo o que é bom e benéfico vem de Deus. A água é um símbolo de vida e renovação, e a água do rio é especialmente poderosa, trazendo vida abundante onde quer que vá. Além disso, é uma imagem da restauração que Deus fará com seu povo. As árvores frutíferas que crescem às margens do rio e que produzem frutos em todas as estações do ano simbolizam a abundância que Deus dá àqueles que o seguem. A água também cura e traz vida aos lugares estéreis que toca. As águas que possuem seu manancial no templo que está nos céus[10], crescem na medida que se afastam do templo e outras tradições religiosas aderem a esse plano de salvação na graça de Deus e jogam também suas águas para serem católicas, formando um rio profundo que não pode ser atravessado a pé.
Com essa experiência e com o batismo nas águas vivas, cotidianamente vamos receber Cristo na sua Palavra e por vezes na Eucaristia: e a pergunta que ficará no nosso coração é se ainda o amamos cuidando da criação, pois o seguimento de Cristo nos Espera todos os dias nas pequenas e grandes coisas, no pão nosso de cada dia que é compartilhado.
No dia 16 de maio de 2024 estivemos em um encontro online para aprofundar nossos “Diálogos Amazônicos” e muitas vozes ressoaram nestes tempos da criação. Recordo as que vão nos acompanhando ao longo destes rios Juruena, do Sangue, Arinos e seus afluentes que descem para formar a Amazônia, do Serviço Jesuíta Pan-amazônico (SJPAM) que nos levam para preparar a COP 30 em Belém, pelo canal da vida frágil e ameaçada neste ano 2024, especialmente entre os povos periféricos, marginalizados que pouco contam nas lógicas capitalistas.
Nas reflexões do Equipo de Reflexión sobre las Culturas y Religiones Indígenas de América Latina da RSAI (ERCRILA) estamos preparando o Encontro presencial Abyayala Extrativismo, mulher e microresistências que acontecerá de 16 a 20 de setembro de 2024, em Manaus (Brasil).[11] A Red Solidaridad y Apostolado Indígena de la CPAL (RSAI) propõe um espaço de discernimento comunitário no qual compartilhemos saberes, espiritualidades e aprendizagens para fortalecer os tecidos comunitários e o cuidado da mãe-terra em contextos de extrativismos com especial atenção à realidade das mulheres nesses contextos em vista de aplicar-nos em boas práticas, e ter estratégias e sabedoria para fortalecer o bem viver nos territórios onde andamos. Estamos preparando uma imagem símbolo das feridas e consequências e outra que represente os brotos de resistências que sustentam a biodiversidade nos territórios. Os dados com fotos, recortes e/ou outras imagens e materiais para o grande Mural-Memória comunitária que vamos construir durante o encontro. Cada dia começa e termina com cantos, danças, ritos, uma mística ritual desde as espiritualidades presentes no encontro (por regiões). Isso para abrir a consciência de que estamos juntos em Missão.
Das secas do Nordeste e da Amazônia até as enchentes no sul e sudeste do Brasil, especialmente no Rio Grande do Sul, vimos acontecer no vale do Rio dos Sinos um processo de solidariedade discernida que envolveu toda a comunidade acadêmica da Unisinos, porque as águas ali batem forte pelo chamado contínuo à responsabilidade de todos, desde os cidadãos até os governos municipais, estadual e federal,[12] para perguntar ao Espírito Santo para onde estão nos conduzindo os sinais dos tempos, o Espírito que paira sobre as águas desde a Criação.
As pessoas que aqui estão é que fecundam esse chão cheio de veias e nervuras, não há que esperar outros, vamos trabalhar com os que vieram, disseram sim e aqui estão para esse encontro de diálogos amazônicos fecundos que vão qualificando as periferias geográficas dessa Amazônia ou mesmo suas periferias existenciais no corpo apostólico das mulheres que fazem presença profética nos trabalhos pastorais dinâmicos, nos limos iniciais das águas que insistem em produzir vida onde estão, como os povos originários que são como que rios de água viva que saciam a sede de bem viver para nós que para cá viemos passear, morar e/ou viver.
As fontes se tornam rios que batem nas pedras e produzem vozes retumbantes nos choques que produzem nas margens e pedras que estão no meio desses rios caudalosos que formam o nosso lugar. Muitas dessas pedras dos leitos dos rios já estão secas quando estão no nosso horizonte, memória dos tempos em que estavam submersas porque conformavam o leito dos rios afundadas nas águas. Hoje são ameaças de misérias de quem polui os rios, porque junto das pedras que foram limpadas pela água num tempo remoto, agora progressivamente encontramos lixo jogado pelo mar da indiferença. Talvez depois de longo tempo, voltarão a encontrar sentido de vida porque cantam como os sinos na sua eternidade dos tempos presentes, passados e futuros. As pedras dessa resistência à ação das águas e do tempo afirmam a passagem de tantos que por aqui passaram a Serviço de tantos propósitos, alguns não tão límpidos como o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), mas outros com altivez da gratuidade dos jesuítas (os Padres João Dornstauder e Balduino Loebens), passo a passo de humildade no aprendizado coletivo e sinodal do serviço gratuito e generoso aos povos indígenas, nossos mestres no cuidado da casa comum.
Onde estivermos somos convidados a agir. Na festa de São Benedito (06-07/2024) em Cuiabá (MT) fizemos um sarau com, poesias e canções, arte sobre temas de criação, ecologia e esperança cristã para oferecer como Dom ao Santo. Escrever sobre o Beneditos da Terra 2024 trouxe à tona canções de adoração com temática ecológica, uma doxologia (louvor) necessária para a igreja, dando uma nova linguagem que penetrou os corações das pessoas e trouxe resultados práticos para o que desejávamos que é o cuidado da mãe-terra porque celebram as maravilhas da criação, reconhecem nossos fracassos e antecipam uma gloriosa restauração e reconciliação em Cristo. A seguir trago a poesia-símbolo ali declamada para expressar o que vai em minha alma:
Do ventre de nossa mãe-terra e do Coração de Jesus dessem rios de água viva! Até o Fim serás Juruena, Arinos, do Sangue, meu irmão rio, porque brotado da água viva das fontes. O coração da mãe-terra tem sede dessa água que brota das montanhas, das pedras, Morada dos povos da Chapada dos Parecis e seus arredores que são berços de águas límpidas, misteriosas. Água viva, afaga nossos corpos, mostre-nos tua face benfazeja para que não sejas mais poluída! O Sul que hoje chora foi terra que acolheu imigrantes que passavam pelos mares, pelo oceano e rios de água viva. Embora cantavam a chegada na terra prometida, não escutaram a sabedoria dos povos ali encontrados, E a chegada das águas celestes se fez ouvir forte, porque buscavam seus lugares originários – tradicionais. Irmãos Taquari, Jacuí, Caí, Gravataí, Pardo e dos Sinos, teus destinos não são só fadiga e destruição. Nas águas da Vida, o Espírito grita: deixa correr no meu leito a água viva, não me retenhas, quero chegar ao Guaíba, ao Atlântico. A Sabedoria é de quem guarda, cuida e cultiva os aprendizados fecundos das águas, das pedras, dos ares e dos fogos que daqui adiante estão diante de nossos olhos. Escutem as mulheres de ventres feridas da mãe-terra, que gritam aquecidas demais no calor do sol, clamando por água viva que sacia a sede. Por que será que os ares deixam passar os raios de sol que aquecem a Terra e afetam o equilíbrio outrora experimentado!? Irmãos das águas, nos nossos encontros façamos festa com a melodia dos instrumentos de sopro que tocam ritmados para dançar o que as mulheres Rikbaktsa cantam no fundo dos rios. Nossos céus, morada eterna das Águas destiladas no Amor do Pai Criador e do Espírito santificador, deixe cair as chuvas abençoadas ou se formarem as gotas de orvalho para que todos os seres vivos saciemos nossa sede: Que haja tempo para que as águas penetrem ininterruptamente a mãe-terra, até no granito que permitiu formar-se o Aquífero Guarani ou mesmo nas pedras que desabrocham nas margens da vida, para que aprendamos o caminho das águas que sobem aos céus e voltam à terra sem se cansar, E permaneçam sempre no meio de nós como sinais visíveis do bem viver que chega a cada dia.
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[1] Aqui usei os termos Casa Comum da Laudato Si', irmã terra de São Francisco de Assis, que são sinônimos em certo sentido, mas prefiro a expressão mãe-terra, porque tem uma conexão direta com a experiência indígena de que nosso umbigo está ligado e somos sustentados por ela.
[2] A Laudate Deum, exortação apostólica que o Papa Francisco publicou em outubro de 2023, recorda que pouco fizemos para mudar o cenário da degradação, por isso lembra da urgência da mensagem da Laudato Si’ e da necessidade de transformação pessoal e cultural em meio à nossa crise ecológica e climática. Acesse aqui.
[3] O Tempo de Criação é uma mudança de época que nos chama para uma temporada da criação que atingiu a maioridade porque nasceu ecumênica e se manteve aberta para todos que queiram somar-se com as preocupações "verdes" para encorajarmos as igrejas locais a trabalhar com outras pessoas durante as Estações do ano eterno no contexto globalmente compartilhado de ameaças e acelerada Crise da Natureza e do Clima (excepcional temporada de tempestades do inverno e as chuvas torrenciais etc.) e levem a uma estação de engajamento orante e ativo que cultive nossa relação respeitosa com a Mãe-Terra e todas as criaturas. Desde o 1º de setembro até o "aniversário da criação de Deus do mundo" na festa de São Francisco, entramos na parceria com, em vez da exploração de nossos parentes na Criação, deu energia renovada e autoridade à preocupação geral de que o cristianismo deve envolver-se integralmente no cuidado e na oração por e com uma Criação viva cheia de companheiros interessados para formar uma aliança cheia de cores do Arco-íris entre Deus e a Terra (Gn 9) e movimentos das várias culturas nas suas músicas e danças. Sabemos que as mudanças vividas por nós mesmos não são "naturais", mas o resultado claro do conhecimento e da injustiça escolhida. Os que menos poluem são geralmente os mais atingidos, e a atenção generalizada e responsável, em muitas igrejas chamam para buscar os sinais do Espírito e encontrar estratégias para uma "conversão ecológica integral".
[4] Tema da assessoria que prestei para as pastorais dinâmicas (Diocese de Juína, 15 e 16 de junho de 2024).
[5] Johannes João Evangelista Dornstauder, nasceu em Wels, Áustria em 22.09.1904, e faleceu, em Belo Horizonte, MG, em 09.04.1994. Ingressou na ordem religiosa dos jesuítas sendo ordenado padre na Argentina, onde fez os estudos teológicos. No Brasil, onde chegou em 1925, foi professor de Ciências no Seminário dos jesuítas de Nova Friburgo.
[6] A energia vital é um Dom quando não degrada o meio ambiente, por isso uma transição energética justa é urgente e nos coloca diante de desafios e oportunidades desde as novas economias e os bens comuns (terra e seus minerais, água, rios, ar etc.). No Solo da Esperança cultivamos a saúde do nosso corpo e da nossa alma! “A crise ecológica é um apelo a uma profunda conversão interior.” (Laudato Si', 217)
[7] 23Afasta de mim o estrépito dos teus cânticos; porque não ouvirei as melodias das tuas violas. 24Corra, porém, o juízo como as águas, e a justiça como o ribeiro impetuoso. 25Oferecestes-me vós sacrifícios e oblações no deserto por quarenta anos, ó casa de Israel? Outras versões bíblicas: Em vez disso, corra a retidão como um rio, a justiça como um ribeiro perene! (Nova Versão Internacional) Corra, porém, a justiça como as águas, e a retidão como o ribeiro perene. (Almeida Revisada Imprensa Bíblica) Corra, porém, o juízo como as águas, e a justiça, como o ribeiro impetuoso. (Almeida Revista e Corrigida) Em vez disso, quero que haja tanta justiça como as águas de uma enchente e que a honestidade seja como um rio que não para de correr. (Nova Tradução na Linguagem de Hoje) Em vez disso, deixai correr livre o direito como um rio caudaloso, e a justiça como um ribeiro eterno! (King James 1999).
[8] Lévi-Strauss visitou o Mato Grosso passando em 1936 na Aldeia Kejari (gruta dos morcegos depois extinta), entre a TI Tereza Cristina e Aldeia Arareiao Paru (barra do rio dos peixes Piraputanga hoje cidade de Rondonópolis; e foi visitar também a Missão do Mangabal com os Nambikwara, onde encontrou os Jesuítas e as Irmãzinhas da Imaculada Conceição, de Santa Paulina.
[9] O oikos funcionava como uma unidade biológica familiar, antropológica, econômica e social: "era o centro em torno do qual se organizava a vida", a partir do qual se satisfaziam não só as necessidades materiais, incluindo a segurança, mas também as normas e os valores éticos, os deveres, as obrigações e as responsabilidades, as relações sociais e as relações com os deuses. O oikos não era apenas a família, era todo o pessoal doméstico e os seus bens. A gestão do oikos significava simultaneamente a gestão de uma exploração agrícola e a governação e manutenção da paz na família. Acesse aqui. Ver também Carta de Fe por el Tratado de No Proliferación de Combustibles Fósiles.
[10] “Mas vocês chegaram ao monte Sião, à Jerusalém celestial, à cidade do Deus vivo. Chegaram aos milhares de milhares de anjos em alegre reunião, à igreja dos primogênitos, cujos nomes estão escritos nos céus. Vocês chegaram a Deus, juiz de todos os seres humanos, aos espíritos dos justos aperfeiçoados, a Jesus, mediador de uma nova aliança, e ao sangue aspergido, que fala melhor do que o sangue de Abel.” (Hebreus 12,22-24) Ver também Ap 3,11-12; 21,2-4; 21,10-14; 21,22-23; 22,1-5.19.
[11] Compartilhamos dados concretos sobre os estragos do extrativismo nos territórios, o primeiro encontro com ênfase na exploração mineral, o segundo com foco no reino vegetal/animal e o terceiro na exploração dos corpos humanos. A busca incontrolada de lugares ainda nativos traz graves danos a todos. Em cada encontro também visibilizamos as resistências através das culturas indígenas, as formas de produção de hortas e roças e domesticação de animais, num manejo sustentável de plantas, de produção de alimentos, entre várias formas de cuidar da mãe-terra.
[12] Em mais uma ação do governo federal para atender às vítimas das enchentes, Lula chegou, nesta quarta-feira (15/05/2024), em São Leopoldo. Acesse aqui.
DORNSTAUDER, Pe. João Evangelista, S.J. Como Pacifiquei os Rikbaktsa. Revista Pesquisas, História nº 17, Instituto Anchietano de Pesquisas, São Leopoldo. 1975.
DORNSTAUDER, Pe. João Evangelista, S.J. Diário de Pacificação e Catequese dos Índios Canoeiros, Santa Rosa s/d, datilografado.
PACINI, Aloir. Pacificar: relações interétnicas e territorialização dos Rikbaktsa. 1999. 261f. Dissertação (Mestrado em Antropologia) – Programa de Pós-graduação em Antropologia Social, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
PACINI, Aloir. Um artífice da paz entre seringueiros e índios. São Leopoldo, EdUNISINOS, 2015.
PACINI, Aloir. Um Artífice da Paz entre os Rikbaktsa. EdUFMT. 2019. (Prefácio de João Pacheco de Oliveira).
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O Papa Francisco indicou o caminho. Artigo de Aloir Pacini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU