27 Junho 2024
Por nove votos a três, os integrantes da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa aprovaram, nesta terça-feira (25), o parecer favorável do deputado Luciano Silveira (MDB) ao Projeto de Lei 97/2018, de autoria do deputado Elton Weber (PSB), que prevê a dispensa de outorga e isenta de futura cobrança pelo uso da água as propriedades da agricultura familiar, independentemente da vazão ou volume utilizado.
Em manifestação conjunta, os comitês Sinos, Caí, Gravatahy, Mampituba e Tramandaí desaprovam e a decisão, uma vez que o PL 97/2018 representa um retrocesso e vai contra os princípios da Política Nacional de Recursos Hídricos e fazem um alerta: a dispensa de outorga para captação de águas pode agravar a crise hídrica, além de comprometer a sustentabilidade dos recursos hídricos do Rio Grande do Sul.
O texto é do Comitê da Bacia Hidrográfica Sinos, enviado ao Instituto Humanistas Unisinos – IHU.
Os Comitês de Bacia Hidrográfica Sinos, Caí, Gravatahy, Mampituba e Tramandaí - órgãos colegiados, instituídos por força de lei em atenção a dispositivos constitucionais de gestão democrática e participativa das águas - vêm por meio deste manifestarem sua contrariedade à proposta de alteração da Lei Estadual n. 10.350/1994 sugerida pelo PL n. 97/2018, de autoria do deputado Elton Weber, pelos motivos que expomos abaixo.
Em relação à dispensa de outorga para acumulação de águas pluviais e captação de águas subterrâneas destinadas às atividades produtivas agrossilvipastoris, bem como aos poços comunitários (via modificação no Art. 31 da Lei n. 10.350/94 proposta pelo PL n. 97/2018), destacamos que em razão da vazão hídrica significativa de tais atividades o proposto gera potencial prejuízo às bacias.
Quanto às alterações na cobrança pelo uso dos recursos hídricos (via modificação no parágrafo segundo do Art. 40 da Lei n. 10.350/94, proposta pelo PL n. 97/2018), destacamos que essa contraria a Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei Federal n. 9.433, de 08 de janeiro de 1997). Essencial destacar posicionamento do STF nas Ações Diretas de Inconstitucionalidades – ADIs n. 3.336 (relativa à Lei do Estado RJ que dispõe sobre a cobrança pela utilização dos recursos hídricos de domínio do Estado) e n. 5.025 (relativa à lei do Estado de MS propondo isenção de cobrança e definição de critérios de outorga dos direitos de uso em usurpação da competência privativa da União).
A Lei Federal n. 9.433/1997 determina que os CBHs definam o mecanismo e os valores para cobrança, cabendo assim a cada comitê de bacia definir uma proposta compatível com a situação econômica, social e ambiental da sua região. O Comitesinos, por exemplo, aprovou os Mecanismos e Valores para Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos com fórmula para definição de valores para captação com a subtração de R$500,00, retirando os pequenos produtores do pagamento, em definição realizada em um grupo de trabalho com a participação dos usuários. Os comitês Gravatahy e Caí também possuem grupos de trabalho, definidos em plenária, igualmente com participação de usuários, dedicados à cobrança, sendo que no primeiro, da mesma forma, já foram definidos os mecanismos dessa e no segundo seguem-se as tramitações nesse sentido.
Destacamos que a utilização dos recursos hídricos subterrâneos, quando sem controle técnico através da outorga pelo governo do Estado à luz de diretrizes dos comitês de bacia, pode trazer sérios riscos aos aquíferos existentes, ocasionando um descontrole no acesso às águas subterrâneas.
Também ressaltamos que acordos internacionais sobre a preservação do Aquífero Guarani, junto aos países do Uruguai, Argentina e Paraguai, podem vir a ser cancelados caso o PL n. 97/2018 avance no Legislativo Estadual em decorrência de desrespeito a preceitos garantidores de sua adequada gestão.
A Lei Estadual n. 15.017, de 13 de julho de 2017[1], já estipula (além daqueles usos dispensados de outorgas, isentos de taxas), baixos valores de taxas de serviços para avaliação de processos envolvendo recursos hídricos (incluindo outorgas), conforme exemplificado na tabela de arrecadação 2024, da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (SEMA/RS).
Destacamos que estes valores são insuficientes para manutenção financeira de uma estrutura técnica mínima no Departamento de Recursos Hídricos e Saneamento - DRHS e, certamente, não oneram em demasia os usuários, visto ser a outorga a garantia técnica dada pelo Estado de que eles têm autorização para utilizar, por exemplo, determinado volume de água subterrânea por meio de um poço e possam fazer seu planejamento de investimento.
Atualmente, por exemplo, a AEGEA/CORSAN possui mais de 900 poços tubulares nos 317 municípios em que atua, utilizados para abastecimento humano. A desregulamentação proposta no PL n. 97/2018 pode levar à execução de novos poços por outros setores econômicos, inviabilizando o abastecimento humano, pois sem o instrumento da outorga não será possível a gestão do aquífero utilizado.
Destacamos que desde 2018 o Governo do Estado do Rio Grande do Sul possui o Programa Poço Legal, executado pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura – SEMA, que busca regulamentar todos os poços tubulares executados pelos municípios e pelo próprio Estado ao longo últimos 50 anos. Esse programa financia, via Fundo Estadual de Recursos Hídricos – FRHS, as prefeituras, comunidades tradicionais e integrantes do Cad Único.
A execução de um poço tubular é uma obra de engenharia geológica e, como tal, deve ser precedida de responsabilidade técnica conforme determina a legislação. A outorga é também a garantia ao acesso pelo consumidor final (urbano ou rural) à água subterrânea, independente da sua finalidade econômica, de que em sua captação foram utilizadas todas as técnicas necessárias para garantir segurança ao investimento - que pode variar entre 40 mil a 3 milhões de reais.
Destacamos que a responsabilidade pelo abastecimento de água potável, no território do município, garantido pela Lei Federal n. 11.445, de 5 de janeiro de 2007[2], tanto das águas superficiais ou subterrâneas, é do Poder Executivo Municipal. Assim esta proposta de desregulamentação, constante no PL n. 97/2018, pode colocar em risco hídrico todos os poços existentes para abastecimento humano caso novo usuário venha a fazer junto a tais comunidades poços mais profundos para sua atividade rural, a exemplo dos pivôs, que muitos já utilizam para agricultura, que podem secar aquíferos, deixando as comunidades sem água para as necessidades básicas vitais.
Ressaltamos ainda, que muitos aquíferos onde são realizados poços tubulares, independente da sua finalidade, são abastecidos por recarga dos rios, também sendo verdadeiro que muitos aquíferos abastecem rios. Assim, a desregulamentação proposta no PL n. 97/2018, eliminando a outorga, pode ser um grande risco aos sistemas hídricos e as bacias hidrográficas, principalmente ao setor econômico, a exemplo da indústria.
Por fim, destacamos que a Política (Estadual e Federal) de Recursos Hídricos (superficiais ou subterrâneos), possui instrumentos, a saber: Plano de Bacia, Enquadramento, Sistema de Informação, Cobrança pelos seus Usos e, por fim, a Outorga. A retirada da Outorga como instrumento de gestão pode ser comparada, no Sistema de Meio Ambiente, a se fossem extinguidos os licenciamentos ambientais, permitindo que se instaurasse o “caos” na proteção ambiental no Rio Grande do Sul.
Conforme a climatologia, em breve entraremos em um novo período de estiagem e até eventual seca no Rio Grande do Sul – onde a água subterrânea tem sido a salvação de muitas atividades urbanas e rurais, visto a baixa disponibilidade hídrica e consequente agravamento na situação da qualidade superficial de tais recursos disponíveis em nossas bacias, principalmente durante tais eventos climáticos extremos. Eliminar a outorga seria estimular a disputa pela água subterrânea, antecipando assim a guerra pela água no Rio Grande do Sul.
Cabe a cada Bacia Hidrográfica, através de seus colegiados - os Comitês de Bacias - gerenciar o uso das suas águas superficiais e subterrâneas, respeitando as características geológicas e ambientais locais e o conhecimento hidrogeológico, permitindo assim que todos os usos múltiplos sejam assegurados. Não é possível gestão com vistas à garantia de se assegurar tais usos múltiplos e se sanar conflitos pelos usos da água sem um adequado balanço hídrico em cada bacia. Este balaço hídrico, entretanto, somente pode ser realizado se todos os usuários que fazem usos significativos de água (seja superficial, seja subterrânea) nas bacias continuem sujeitos à outorga.
Em face de tais fatos técnicos, consolidados na gestão hídrica gaúcha e nacional, solicitamos à Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul para que não oportunize, com iniciativas como as do referido PL n. 97/2018 (Anexo III), fragilizar a estrutura legal elaborada ao longo de duas décadas, sob a égide de estudos científicos e aprovada democraticamente. Desta forma se estaria evitando fragilizar ainda mais a situação do RS com propostas que criem maiores vulnerabilidades aos eventos climáticos extremos que passam agora a ser parte do cotidiano e das preocupações dos gaúchos, já que elas podem contribuir com novas catástrofes ambientais como a que já enfrentamos.
Por fim e em conclusão, considerando que a população das bacias aqui representadas pelos cinco comitês que subscrevem - que ultrapassa 3,8 milhões de pessoas e, certamente a gaúcha como um todo, espera da AL/RS a responsabilidade e o comprometimento em contribuir com soluções com vistas à redução de vulnerabilidades aos eventos climáticos extremos no RS, solicitamos (pois não cabe e não se espera, assim, nada diferente disso) a retirada de pauta do PL n. 97/2018 desta Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.
[1] Disponível aqui.
[2] Disponível aqui.
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Manifestação dos comitês Sinos, Caí, Gravatahy, Mampituba e Tramandaí contrária ao PL n. 97/2018 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU