12 Junho 2024
Francis Maier, assessor de longa data e escrevente do ex-arcebispo da Filadélfia Dom Charles Chaput, revela ao leitor de seu novo livro, True Confessions: Voices of Faith from a Life in the Church [Confissões verdadeiras: vozes de fé a partir de uma vida na Igreja] “um retrato da Igreja Católica nos EUA na terceira década do século XXI: quem é; onde está culturalmente; como chegou aonde está e suas perspectivas para o futuro, com ênfase especial na vocação leiga”.
O comentário é de Michael Sean Winters, jornalista estadunidense, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 10-06-2024.
O que Francis Maier não conta, mas que se torna evidente rapidamente, é que a lente de sua câmera capta apenas uma pequena – eu tinha escrito quase limitada – imagem dessa Igreja neste momento.
O livro consiste em uma série de entrevistas com bispos, clérigos, leigos que trabalham na Igreja, pais, doadores e novos estadunidenses. Maier começa pelos bispos. Estranhamente, ele não incluiu as perguntas que fez aos bispos, apenas as respostas deles, e não os identifica pelo nome. Esse anonimato logo se torna profundamente problemático.
“Mas um papa deveria ser o princípio da unidade na Igreja e, em vez disso, Francisco promove a ambiguidade, que alimenta a divisão”, disse um bispo a Maier. “Sua aversão pelos Estados Unidos e pelos seus bispos é óbvia e injustificada. Seus modos são autoritários. E é revelador que nem um único seminarista inspirado por Francisco tenha vindo a esta diocese durante seu mandato. Uma Igreja sob pressão precisa de algo melhor do que isso.” Autoritário?
“Durante a última década, a Cúria Romana concentrou-se de forma muito mais eficaz em servir às necessidades do bispo local”, disse um terceiro bispo. “Dou crédito ao Papa Francisco por isso e também pelos seus esforços para reformar as finanças da Santa Sé. Esses esforços são necessários. Mas penso que sua forma de governar, na verdade, é bastante implacável. Enfraquece a autoridade do ofício papal.” Implacável?
“Francisco parece ter uma confraria ao seu redor com uma ideologia e uma agenda inúteis, e uma visão muito negativa dos Estados Unidos”, diz outro bispo. Confraria? O cardeal de Boston, Sean O’Malley é o membro norte-americano do Conselho dos Cardeais que assessora o papa. Seria ele a pessoa acusada de ter “uma ideologia e uma agenda inúteis”? Ou seria outra pessoa?
Há um tipo especial de covardia nesses ataques anônimos à pessoa a quem esses mesmos bispos juraram fidelidade e obediência. No fim desta semana, quando os bispos se reunirem em Louisville para sua reunião de primavera, irão olhar uns para os outros e se perguntar: “Quem disse essas coisas?” Em um momento em que os bispos precisam desesperadamente encontrar formas de se unirem, esses ataques anônimos ao papa são inerentemente divisivos.
Os comentários infelizes dos bispos não se limitam à sua oposição ao Papa Francisco. Suas opiniões políticas também são alarmantes. “Temos um bando de jacobinos animados governando a sociedade que realmente acham que o governo deveria controlar tudo”, disse um bispo. Jacobinos?
“Tenho boas relações com as nossas autoridades locais… Mas, quando se trata do governo federal, acredito que estamos lidando agora com uma ambição totalitária”, afirmou outro. “E isso vai nos forçar a nos separarmos do Estado cada vez mais claramente.” Totalitário?
Um terceiro ecoa esse medo exagerado do governo federal: “Estou muito ansioso em relação ao governo federal e ao impacto que ele terá na Igreja no futuro… Os padres da minha diocese têm uma compreensão muito boa do que está acontecendo. Eu tenho um presbiterado jovem, e os homens tendem a ser guerreiros.”
Essas opiniões estão em algum lugar além da Fox News, mas antes do QAnon. Muitas ou a maioria das opiniões dos bispos sobre o que aflige a Igreja ou a revolução sexual são igualmente grosseiras. Esse é o tipo de bispo que Maier conheceu em seus anos ao lado de Chaput.
Talvez o problema seja outro. Talvez haja alguma autosseleção por parte dos bispos também. Apenas um certo tipo de bispo consentiria em dar uma entrevista ao homem que falou no The Wall Street Journal que tinha escrito, em nome de 13 cardeais conservadores, uma carta a Francisco, tentando minar o Sínodo sobre a Família. Talvez também tenha sido por isso que os bispos insistiram no anonimato.
As entrevistas com outros católicos são igualmente reveladoras. A seção sobre famílias que adotaram crianças mostra que os interlocutores de Maier são capazes de traçar um quadro multidimensional quando discutem sua vida familiar, mas, quando a conversa se volta para a Igreja, tudo fica meio monótono e rotineiro.
“Eu amava muito os papas João Paulo II e Bento XVI”, diz Julie McGurn. “Mas estou desconfortável com a hierarquia agora. Confio em Nosso Senhor e confio em Nossa Senhora... Talvez tenhamos dependido demais do papa no passado para resolver as coisas para nós.” Admito que não consigo imaginar o papa ou qualquer pessoa “resolvendo as coisas” para mim como um adulto. Quão truncada é a compreensão de consciência de McGurn?
Ou, de uma mulher identificada como “esposa, mãe e professora universitária”, obtemos esta “pepita” de agitação: “Também precisamos de repensar os nossos esforços de serviço social. Alguns de nossos grandes hospitais e universidades, e até mesmo algumas das nossas instituições de caridade, são basicamente ‘zumbis’ católicos. Eles têm a aparência de uma entidade católica, mas suas estruturas de recompensa estão ligadas a objetivos mundanos, não a objetivos religiosos”.
Não tenho certeza do que os outros esperam quando se internam em um hospital católico, mas eu gostaria de ficar saudável, e, se isso conta como um “objetivo mundano”, inclua-me na lista. As nossas instituições de caridade devem estar enraizadas no nosso compromisso de servir aos pobres, mas o abrigo para os sem-teto precisa de proteger do frio e ainda proporcionar um espaço seguro, quer seja gerido por uma organização católica, judaica ou secular.
O problema não está apenas nas pessoas que Maier entrevista. Está também nas perguntas que ele faz. Na seção com os bispos, ele não diz quais perguntas fez, mas você fica imaginando se eram perguntas indutoras. No capítulo seguinte, quando ele apresenta as perguntas que fez aos padres, o espanto é confirmado. “Está embutido na mentalidade católica estadunidense que precisamos assimilar, para provar que pertencemos a este país (anteriormente) protestante”, Maier começa assim uma pergunta. “Portanto, a Igreja tende a cooperar plenamente com o governo e a apoiar as instituições públicas porque, você sabe, somos bons cidadãos... Mas isso é viável no futuro, no ambiente atual?” Isso vai além de liderar: é ‘lotear’”.
Não é muito surpreendente que o megadoador Tim Busch, cofundador do Napa Institute, tenha dito a Maier: “E nós nos envolvemos. Como regra, não damos dinheiro a organizações onde não fazemos parte do conselho”. Por outro lado, quando questionado sobre qual é o maior erro que os doadores católicos cometem, Michael Crofton, CEO da Philadelphia Trust Company, responde: “Narcisismo. Presentes anônimos são realmente o melhor tipo, porque são presentes verdadeiros. Então, na verdade, doamos muito do nosso dinheiro anonimamente”. Parafraseando o falecido grande arcebispo John Quinn, alguns doam porque se preocupam com a missão da Igreja, e outros não procuram doar, mas sim comprar.
Nem tudo o que é dito a Maier é rabugento ou excêntrico. Não há como contestar a observação feita por um diácono permanente, diretor de uma escola secundária clássica, de que “as reuniões de trabalho podem ser sua própria forma de penitência insidiosa e destruidora da alma”.
Ou quando o educador francês Jean Duchesne observa: “Hoje as comunicações audiovisuais são onipresentes. Mas a vida cristã, a vida espiritual, precisa de um ritmo mais lento; algo que seja mais meditativo e que só a palavra impressa pode alimentar”.
Ou quando um bispo diz a Maier que “há uma qualidade burguesa em grande parte da vida da Igreja neste país, e isso nos paralisa com pontos cegos. Amortece a dimensão escatológica da nossa fé”.
Ou, no capítulo “Novos Estadunidemses”, Cristofer Pereyra, um imigrante do Peru e fundador da Tepeyac Leadership Initiative, explica: “Por que os mais novos imigrantes católicos hispânicos perdem a fé com a mesma rapidez? Eu fiz essa pergunta ao arcebispo de Los Angeles, Jose Gomez – ele próprio um imigrante do México. Ele disse que é a prosperidade. Este país permite às pessoas acreditarem que não precisam mais de fé.” Bingo!
O livro de Maier é útil na medida em que proporciona uma visão interna da ala conservadora da Igreja Católica. Há mais energia, mais dinheiro e mais organização do que em qualquer coisa na esquerda católica, e nem toda essa energia, dinheiro e organização são mal gastos. O Senhor Jesus pode encontrar lugar tanto em corações conservadores quanto em corações liberais, e algumas das iniciativas e ideias que você encontra neste livro são ótimas.
Mas também são ofuscados pela animosidade em relação a Francisco, pelos medos bizarros e paranoicos de seu governo, pela arrogância de Tim Busch e pela idolatria de papas anteriores, como defende Julie McGurn.
O mais preocupante é a forma acrítica como muitas das pessoas entrevistadas abraçam seus próprios preconceitos e os identificam com a fé católica. Se a fé católica não desafia você a questionar seus próprios pressupostos, a culpa não é das riquezas da tradição intelectual da Igreja, mas sim da tendência humana de cooptar o que precisamos para consagrar as nossas ideias. Essa dinâmica está exposta por toda parte. Os problemas que a Igreja enfrenta estão sempre lá fora, com outra pessoa. Fran Maier, Tim Busch, os McGurns e todos aqueles bispos anônimos não suportam a agonia no horto. Eles bebem chardonnay e se dão tapinhas nas costas.
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Novo livro examina os católicos conservadores dos EUA. E o resultado não é bonito - Instituto Humanitas Unisinos - IHU