01 Junho 2024
"O governo Biden fez isso tanto agitando uma enorme cenoura e colocando-a no prato da fatídica normalização das relações com a Arábia Saudita, quanto acenando ao uso do bastão, suspendendo por alguns dias um carregamento de bombas para Israel. Mas Netanyahu preferiu Rafah a Riad, mais uma vez zombando de Biden", escreve Nathalie Tocci, diretora do Instituto de Assuntos Internacionais, na Itália, professora honorária da Universidade de Tübingen, em artigo publicado por La Stampa, 28-05-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Há uma clara escalada militar, política e jurídica no Oriente Médio, mas diferentes e conflitantes são as leituras que podemos fazer.
A invasão israelense de Rafah continua. Começou gradualmente, quase furtivamente, num contexto de apelos internacionais para não prosseguir. Após um ataque do Hamas, interceptado por Israel (evidenciando que após oito meses a organização está ainda de pé), o exército israelense alvejou a cidade de lona de Tal as-Sultan em Rafah, que o próprio Israel designara como uma "zona segura". Dezenas de vítimas civis palestinas foram queimadas em suas tendas e há centenas de feridos.
A escalada militar ocorre apesar de uma escalada política e jurídica. Hoje, três países europeus – Espanha, Irlanda e Noruega – reconheceram o Estado palestino, elevando para 143 num total de 193, os membros da ONU que reconhecem a Palestina. Com Espanha e Irlanda, são nove no total os Estados da União Europeia que a reconhecem, mas outros poderão se somar em breve, como a Eslovênia, Malta e Bélgica. Isso é acompanhado por uma escalada jurídica. Já estava no ar há tempo o pedido da promotoria junto ao Tribunal Penal Internacional (TPI) para prosseguir com mandados de prisão pelos crimes cometidos no Oriente Médio. Na semana passada, o procurador Karim Khan deu entrada, recomendando que o Tribunal proceda não apenas contra três líderes do Hamas, mas também contra o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e o ministro da Defesa Yoav Gallant. E foi uma escolha necessária: a alternativa era proceder apenas contra o Hamas, afirmando efetivamente que o Tribunal não é super partes, mas apenas processa criminosos desde que sejam também antiocidentais (como no caso de Vladimir Putin), ou simplesmente não prosseguindo, esvaziando assim o próprio sentido do tribunal. O TPI foi acusado pelos EUA e por vários países europeus de falsa equivalência entre Israel e o Hamas. Mas o Tribunal não processa os Estados, apenas os indivíduos e a única equivalência que é obrigado a reconhecer e respeitar não está entre os algozes, mas entre as vítimas, sejam elas israelenses, palestinas ou de qualquer outra nacionalidade. Poucos dias depois, chegou a terceira decisão do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), que se insere no contexto do processo da África do Sul contra Israel pelo crime de genocídio, apelando pelo fim da invasão de Rafah.
A leitura dominante dessa cadeia de eventos sublinha a impotência da comunidade internacional. Durante semanas, os EUA, a Europa e o mundo árabe imploraram a Israel que parasse.
O governo Biden fez isso tanto agitando uma enorme cenoura e colocando-a no prato da fatídica normalização das relações com a Arábia Saudita, quanto acenando ao uso do bastão, suspendendo por alguns dias um carregamento de bombas para Israel. Mas Netanyahu preferiu Rafah a Riad, mais uma vez zombando de Biden. A mesma leitura diz-nos que, longe de colocar de volta Israel no caminho dos dois Estados, na sequência do reconhecimento da Palestina por outros países europeus, o ministro das Finanças israelense, o extremista Belazel Smotrich, ameaçou cortar as ligações com o sistema bancário palestino, provocando de fato o colapso da moribunda Autoridade Nacional Palestina. Uma leitura que evidencia uma impotência generalizada, enfim, nos levaria a afirmar a natureza trágica dos tribunais internacionais. Israel não é signatário do Estatuto de Roma, que criou o TPI, e, embora seja membro da TIJ, o tribunal não tem o poder de garantir o cumprimento de suas sentenças, prerrogativa que caberia ao Conselho de Segurança da ONU muitas vezes bloqueado por vetos cruzados. Em suma, a leitura dominante é aquela de uma ordem internacional em que o poder bruto domina o direito.
Mas parar aqui seria superficial. Uma leitura alternativa, ao contrário, ressalta a dinâmica pela qual o direito tenta levantar a voz sobre a violência. Os protestos nos campi universitários, os estados que agora reconhecem a Palestina, os tribunais internacionais que seguem em frente apesar das intimidações, nos falam de sociedades civis, de governos e de organizações internacionais que têm a coragem de se manifestar. Fazem isso da única forma potencialmente eficaz: não apelando vagamente à paz como muitos gostam de fazer; já passou há muito o tempo das palavras. Somente quando as palavras são seguidas por ações que demonstram que não há impunidade para os crimes de guerra se pode esperar inverter a espiral da violência.
São ações que exigem coragem porque comportam um custo para quem as realiza. Infelizmente, é a coragem que ainda falta a muitos outros protagonistas. A suspensão das ajudas militares dos EUA a Israel durou poucos dias: Biden foi o primeiro a baixar o olhar; enquanto os outros estados que exportam armas para Israel, como a Alemanha e a Itália, nem sequer tentaram. Preferiram mostrar os músculos apenas diante dos mais fracos, por exemplo, suspendendo as ajudas humanitárias à agência das Nações Unidas para os refugiados palestinos, a UNRWA. Entre as várias razões que impedem a ação está a acusação de antissemitismo, agora mesclada com qualquer crítica a Israel. Mas quando tudo se torna antissemitismo, a ameaça é que nada mais o seja. Ter a coragem de falar e de agir é do interesse dos direitos de todos, a começar pelos israelenses, porque Israel só estará seguro se e quando os outros também estiverem seguros, como recordou numa entrevista recente Aryeh Neier, sobrevivente do Holocausto e gigante dos direitos humanos, que hoje teme que esteja em curso um genocídio em Gaza.
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O pesadelo da escalada da força sobre o direito. Artigo de Nathalie Tocci - Instituto Humanitas Unisinos - IHU