24 Mai 2024
“O rápido aquecimento do permafrost do Ártico representa uma ameaça significativa para todas as formas de vida”. A reflexão é de Robert Hunziker, em artigo publicado por Counterpunch e reproduzido por Voces del Mundo, 17-05-2024. A tradução é do Cepat.
Robert Hunziker é mestre em História Econômica pela Universidade DePaul, em Chicago, escritor freelance e jornalista ambiental cujos artigos são traduzidos para vários idiomas e aparecem em mais de 50 jornais, revistas e sites de todo o mundo, incluindo a Z Magazine, European Project on Ocean Acidification, Ecosocialism Canada, Climate Himalaya, Counterpunch, Dissident Voice, Comite Valmy e UK Progressive.
“Borbulhas sobem das profundezas da superfície reluzente de um lago ártico congelado, o que pode fazer com que o aquecimento global acelere além de todas as projeções anteriores... Agora a porta do congelador está se abrindo, liberando carbono no fundo dos lagos árticos. Os micróbios digerem-no, convertem-no em metano e os lagos o expelem. Os cientistas estimam que o permafrost contém até 950 bilhões de toneladas de carbono. Ao descongelar, só os lagos siberianos poderiam libertar 50 bilhões de toneladas de metano na atmosfera. Isso é dez vezes mais metano do que a atmosfera contém atualmente” (Katey Walter Anthony, biogeoquímica, exploradora do National Geographic desde 2011).
O rápido aquecimento do permafrost do Ártico representa uma ameaça significativa para todas as formas de vida. Por conta disso, a The Royal Society (fundada em 1660) sentiu-se compelida a apoiar a publicação de um novo vídeo que expõe esta ameaça: What Happens When Permafrost Thaws? (O que acontece quando o permafrost descongela?), da BBC em colaboração com The Royal Society, dirigido por Daniel Nils Roberts, diretor britânico-norueguês, 15 de abril de 2024.
“A previsão é de que os lagos termocársticos (que se formam quando o permafrost derrete) liberem aproximadamente 40% das emissões de carbono do antigo solo permafrost neste século” (1).
“O planalto tibetano é a maior região alpina de permafrost do mundo, e representa aproximadamente 75% da área total de permafrost alpino do Hemisfério Norte. Da mesma forma que as regiões de permafrost de latitude alta, esta região sofreu um rápido aquecimento climático e um extenso degelo do permafrost, o que desencadeou uma expansão generalizada de lagos termocársticos e outros tipos de degelo abrupto do permafrost. O número de lagos termocársticos nesta região de permafrost é estimado em 161.300” (2).
Os ecossistemas de todo o planeta estão se transformando rapidamente devido ao aquecimento global provocado pelo homem. Afinal, o que diz a formação de 161.300 lagos termocársticos só na região do permafrost alpino sobre o impacto do aquecimento global?
Os cientistas estão mais uma vez expressando preocupação com os eventos climáticos monstruosos que se escondem sob o solo congelado do permafrost, que representa 15% da superfície terrestre exposta do Hemisfério Norte (MIT Climate Portal). E os monstros espreitam acima do solo sólido nas formações glaciais da Antártica, que começam a se fraturar à medida que as fissuras se alargam como ogros vindos das profundezas.
Do Ártico à Antártica, o planeta afunda, goteja, se curva, mudando a superfície de 10 mil anos de convivência da natureza com a humanidade até recentemente, transformando-se em uma relação de adversários. O permafrost é, juntamente com o Ártico, a Antártida, a Groenlândia, a Grande Barreira de Corais e as três maiores florestas tropicais do mundo, o fator mais determinante deste futuro em mudança. Nos confins do permafrost jazem milhares de anos de ingredientes latentes que têm o potencial de incendiar o mundo. Seu impacto pode ser significativo.
“Uma equipe internacional de cientistas concluiu que a maior parte do permafrost perto da superfície da Terra poderá desaparecer até 2100, após comparar as tendências climáticas atuais com o clima do planeta há 3 milhões de anos... A equipe descobriu que a quantidade de permafrost perto da superfície poderá diminuir 93% em comparação com o período pré-industrial de 1850 a 1900. Este seria o caso no cenário de aquecimento mais extremo do último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (3).
What Happens When the Permafrost Thaws? (O que acontece quando o permafrost descongela?) (vídeo): “O permafrost é de suma importância para todo o planeta... compreendendo metade do Canadá e dois terços da Rússia... e o planalto tibetano... o permafrost é rocha, sedimento ou gelo que permanece a uma temperatura igual ou inferior a zero grau Celsius durante dois ou mais anos consecutivos... dependendo de onde se encontra, o permafrost pode ter milhões de anos”.
As entrevistas com quem vive em regiões de permafrost, como Svalbard (Noruega), que constam no documentário What Happens, revelam as marcantes mudanças climáticas: “Esse tipo de clima não deveria ser assim em outubro; deveríamos ter uma temperatura de -15°C, com tempo claro e seco, e não é assim. É um aguaceiro”.
Em consequência do comportamento anômalo do clima, especialmente nos lugares onde se estende o permafrost, a “camada ativa” do mesmo está se tornando cada vez mais profunda em todo o mundo. Esta é uma má notícia e cria cada vez mais exposição a milhares de anos de acumulação de “quem sabe o quê”. Está acontecendo em um ritmo rápido o suficiente agora para que chegue eventualmente a exibir cerca de 10 milhões de mamutes peludos (uma estimativa muito absurda de alguém?), assim como de vírus antigos, e quem sabe o que mais.
Além disso, além dos 10 milhões de esqueletos de mamutes peludos, alguns deles com pele, pelagens, etc. muito bem preservadas, um estudo único afirma que até 20.000 locais de contaminação tóxica poderiam ser expostos: “Aqui identificamos cerca de 4.500 locais industriais onde substâncias potencialmente perigosas são ativamente manuseadas ou armazenadas em regiões do Ártico dominadas pelo permafrost. Além disso, estimamos que entre 13.000 e 20.000 lugares contaminados estejam relacionados com estas instalações industriais (4).
“Mas há outra coisa que preocupa mais ainda os cientistas. A coisa mais assustadora que está acontecendo com o permafrost é o que está fazendo o próprio clima... o permafrost age como um armazenamento... retém o carbono da vegetação morta de forma bastante eficaz, e tem-se acumulado ao longo de muitos milhares de anos” (What Happens).
Agora, a porta do congelador está aberta. Ninguém sabe ao certo as consequências. Mas o mais preocupante é que o permafrost compete com as emissões de carbono de origem humana, como o CO2. Isto poderá levar o aquecimento global a níveis indescritíveis.
“Estima-se que haja quatro vezes mais carbono no permafrost do que em todas as emissões de CO2 geradas pelos humanos na história moderna. Liberar na atmosfera até mesmo uma fração de dióxido de carbono e metano terá um impacto profundo no clima” (What Happens).
“O que se pode fazer?” é uma pergunta sem resposta e que é parcialmente abordada no filme What Happens: podemos tomar decisões mais informadas e construir comunidades que sejam resilientes às mudanças, destacadas pelas formas como os humanos estão envolvidos com a natureza. Com outras palavras, a adaptação é a solução mais realista, além de acabar com os combustíveis fósseis, o que não está acontecendo.
Entretanto, os cientistas apontam para a frustração diante do aumento contínuo das emissões de CO2, agora em máximos históricos, ao apelarem cada vez mais à “adaptação às mudanças climáticas” em vez de baterem na mesa para impedi-las. Por exemplo, um relatório recente da prestigiada Columbia Climate School argumenta: “Os especialistas alertam que os políticos deveriam considerar a adaptação ao aumento do nível do mar como uma preocupação primordial”. Mas como se adaptar ao degelo do permafrost é uma questão totalmente diferente... a mais desafiadora de todas.
Na realidade, as mudanças climáticas estão muito à frente, uma vez que os modelos científicos do passado parecem uma história distante. É provável que a história designe o século XXI como “A Era da Adaptação” por defeito, à medida que os países reagem, a posteriori, ao colapso dos ecossistemas, o que garante um futuro cheio de surpresas para além do imaginável.
Há cientistas que acreditam que o degelo do permafrost irá acelerar o aquecimento global para além da zona de conforto da vida em diversas regiões do planeta; na verdade, já está muito perto de acontecer em grande escala no Paquistão, no vale do rio Indo, na Índia, no leste da China e na África Subsaariana.
Mesmo assim, independentemente das circunstâncias, encontrar um caminho para o futuro está na força vital da humanidade. A este respeito, há algumas boas notícias (mais ou menos boas): de acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE), as energias renováveis cobrirão 35% da “geração global de eletricidade” em 2025, pelo que é improvável um aumento significativo das emissões de CO2 derivadas da atividade energética global nos próximos anos. No entanto, a produção global de eletricidade não é toda a enchilada da energia global: neste sentido, espera-se que o consumo de carvão diminua 13,5% até 2030, mas tanto o gás natural como o petróleo aumentarão à medida que as energias renováveis, juntamente com os combustíveis fósseis, experimentam um forte crescimento para atender aos níveis crescentes de demanda.
De acordo com a AIE, em 2030, os combustíveis fósseis continuarão a representar 70% da energia global, abaixo dos atuais 82%. Representa um progresso, é verdade. Mas não é muito lento? Além disso, e como afirmaram vários presidentes de empresas petrolíferas, a AIE espera que o fornecimento de petróleo se mantenha robusto até 2050... Humm... O aquecimento global tem tudo a ver com níveis excessivos de emissões de CO2 provenientes dos combustíveis fósseis. Essas emissões não irão desaparecer tão cedo, o que agradará aos deuses do degelo do permafrost.
Em relação à influência dos EUA para mitigar o impacto do degelo do permafrost, embora não se indique expressamente como tal no projeto de lei, a Lei de Redução da Inflação (IRA) prevê 370 bilhões de dólares em investimentos em energias limpas. Mas será que a IRA de Biden sobreviverá às guerras políticas? A IRA é à prova de balas? E o mais importante: será rápida o suficiente?
De acordo com a revista Barron’s, de 1º de abril de 2024, no artigo Trump Is Taking Aim at Biden’s Climate Law (Trump está de olho na lei climática de Biden), o ex-presidente a chama de desperdício de dinheiro e, em vez disso, prometeu aos CEOs do petróleo e gás, se eleito for, um acordo favorável a eles, incluindo a revogação da IRA de Biden, com a condição de que injetem um bilhão de dólares na sua campanha. Isso é um suborno? É o BMGW (Comprem Mais Aquecimento Global) do MAGA (Torne a América Grande Novamente) para subsidiar o degelo do permafrost.
(1) K.M. Walter Anthony et al., Decadal-scale Hotspot Methane Ebullition Withing Lakes Following Abrupt Permafrost Thaw, Environmental Research Letters, v. 16, n. 3, 2021.
(2) Guibiao Yang et al., Characteristics of Methane Emissions from Alpine Thermokarst Lakes on the Tibetan Plateau, Nature Communications, 14, Artigo No. 3121, 2023.
(3) Study: Near Surface Permafrost Will Be Nearly Gone by 2100, Instituto Geofísico, Universidade do Alasca, Fairbanks, 15 de setembro de 2023.
(4) Moritz Langer et al., Thawing Permafrost Poses Environmental Threat to Thousands of Sites with Legacy Industrial Contamination, Nature Communications, 28 de março de 2023.
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A hora da verdade do permafrost - Instituto Humanitas Unisinos - IHU