21 Mai 2024
Desde o início a Igreja promoveu o necessário discernimento dos carismas e depois de dois mil anos continua a cuidar dos fiéis, ajudando-os a ser dóceis ao Espírito Santo. As novas “Normas do Dicastério para a Doutrina da Fé para proceder ao discernimento dos presumidos fenômenos sobrenaturais” estão em consonância com essa tarefa. Ressaltou isso o cardeal prefeito Víctor Manuel Fernández durante a coletiva de imprensa de apresentação do documento.
A reportagem é publicada por L'Osservatore Romano, 17-05-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
O encontro com os jornalistas aconteceu na manhã de sexta-feira, 17 de maio, na Sala de Imprensa de Santa Sede, atualmente na via dell'Ospedale 1. As novas normas, destacou o cardeal, são um guia para discernir situações fora do comum que podem aparecer na comunidade cristã: manifestações ligadas, por exemplo, a uma imagem ou outra que o Espírito Santo pode provocar para estimular e enriquecer os fiéis. A Igreja, destacou, deixa os fiéis livres para decidir se prestar ou não atenção a esses fenômenos, pois Deus pode usar caminhos diferentes para cada um de nós, em seus planos inescrutáveis.
A atitude dos santos diante desses fenômenos foi diversificada, observou o cardeal. Alguns os apreciavam, outros não eram tão entusiastas deles. Ao longo da vida milenária da Igreja, acrescentou, os carismas manifestaram-se ao longo dos séculos e de diferentes maneiras. Mesmo na Bíblia encontramos algumas referências, São Paulo, por exemplo, também menciona o discernimento dos espíritos, para que tudo aconteça para a edificação, porque Deus não é um deus de desordem. O próprio apóstolo fala de vários carismas que existiam nas primeiras comunidades, como a sabedoria, o conhecimento, o dom de curas, as variedades de línguas, menciona até a profecia ou a possibilidade de alguma revelação.
Há casos em que uma manifestação, como destacou o prefeito do antigo Santo Ofício, provoca mudanças de vida: pessoas egoístas se tornando generosas, pessoas com dependências sendo libertadas, famílias divididas que se reconciliam, pessoas que queriam tirar a própria vida e encontram esperança, bem como surgem vocações para a vida consagrada. Como não admirar, observou ele, a beleza de Lourdes, a piedade sóbria e profunda que se sente em Fátima ou a ternura da devoção de Guadalupe. Acontece, acrescentou, que em determinadas circunstâncias nem tudo é preto ou branco, o evento se mistura a desejos, pensamentos, fantasias humanas. Em todo caso, ressaltou, é preciso fazer distinções, discernir, purificar o que confunde e salvar o que é bom.
Quando os bispos recorrem ao Dicastério, explicou Fernández, muitas vezes esperam que seja feita uma declaração de sobrenaturalidade do fenômeno. Isso é muito forte, porque se afirma que Deus quis aquele evento, que o provocou com uma ação divina, ou seja, se reconhece a origem divina. Alguns bispos, disse, estão muito envolvidos, às vezes até apaixonados por um fenômeno e querem declarar que vem de Deus, outros nem tanto ou são contrários. Por outro lado, a declaração de sobrenaturalidade é complexa e comporta diversos problemas. Às vezes, se chegou à publicação de um decreto onde se afirma sem dúvida que um fenômeno é verdadeiro ou não há nenhuma dúvida sobre ele. O problema é que, ao mesmo tempo e de forma cada vez mais clara, a Igreja afirmou que os crentes nunca são obrigados a crer nesses fenômenos.
A Palavra de Deus, destacou o cardeal, contém tudo aquilo que é necessário para a vida cristã. Bento XVI, na exortação apostólica Verbum Domini, havia explicado que o valor das revelações privadas é essencialmente diferente da revelação pública única: esta exige a nossa fé. A revelação privada é uma ajuda, mas não é obrigatório usá-la. Quando um bispo faz declarações de sobrenaturalidade de um fenômeno, as pessoas se sentem justificadas em acusar os outros de serem incrédulos e alguns se sentem culpados por não crer. É por isso que, acrescentou Fernández, as declarações devem ter caráter prudencial. Para reduzir ainda mais expectativas a essas declarações positivas basta olhar para a história. Aconteceu que para o mesmo evento, um bispo declarou que era sobrenatural, depois outro bispo autorizou o culto, depois outro ainda declarou que não era sobrenatural e assim se passaram 70 anos. Como não é fácil chegar à certeza moral sobre a sobrenaturalidade, pois já havia passado muito tempo, o fenômeno crescia e se expandia para outros países sem uma orientação clara.
Ao demorar demais, os fiéis não prestarão mais atenção ao que as autoridades podem dizer. Por isso, o Dicastério não orientará o discernimento para a sobrenaturalidade, mas será do tipo prudencial. Dessa forma, o discernimento levará menos tempo e os bispos serão ajudados na pastoral. O cardeal explicou ter decidido que haverá seis possíveis conclusões, olhando para a história de diferentes casos, reconhecendo situações diferentes, dentro dessas seis possibilidades. A mais importante é o nihil obstat, ou seja, não há nada contrário à fé e à moral e é possível aderir ao fenômeno de maneira prudente. Isso permite ao bispo analisar tudo o que pode haver de positivo para reconhecer uma ação do Espírito em meio a um fenômeno sem declarar sua sobrenaturalidade. Isso não significa, observou ele, que tudo o que faz parte da experiência tem o mesmo valor: pode acontecer que um fenômeno apresente apenas aspectos positivos e a certa altura, Nossa Senhora envie uma mensagem estranha ao bispo. Isso pode ser explicado como fruto da imaginação do vidente, às vezes se trata de fantasias, de desejos inconscientes, misturados à sua experiência. Isso não prejudica a validade de todo o evento, mas precisa ser esclarecido.
Na sequência, monsenhor Armando Matteo, secretário da seção doutrinal do Dicastério, convidou os jornalistas a divulgar o documento e a Irmã Daniela del Gaudio, da Pontifícia Academia Mariana Internationalis, explicou que o Observatório sobre as aparições e os fenômenos místicos nasceu dentro dele com o objetivo de oferecer uma ajuda para a correta divulgação de tais eventos. Trata-se, acrescentou, de um apoio e um serviço aos bispos no percurso de discernimento.