04 Mai 2024
"'A partir do zen budismo', declara outro entrevistado, de 72 anos: 'Comecei a compreender a religião católica'. Para outros praticantes, porém, a diferença é clara: 'Se em outras religiões como a católica a salvação é dada a você por alguém outro, desde que você acredite e tenha fé – afirma uma mulher de 62 anos –, na realidade no budismo ninguém lhe dá nada. Fornecem as ferramentas', continua ela, 'mas é você quem que tem que se comprometer primeiro'", escreve Marco Ventura, professor de direito canônico e eclesiástico da Universidade de Siena, em artigo publicado por La Lettura, 28-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Eu, claramente, venho de uma família católica, como muitas. Desde pequena fui acostumada a frequentar a igreja. Infelizmente, houve um momento em que me fiz algumas perguntas que eram um pouco mais profundas e não encontrei uma grande resposta na Igreja. Então, por um tempo, digamos, eu me afastei da religião, justamente como praticante, embora continuasse a crer. Até que acabei aqui." Quem conta isso é uma mulher de 49 anos, uma dos cerca de 350 mil budistas que na Itália, agora multirreligiosa, representam uma alternativa diferente de qualquer outra, ainda em grande parte desconhecida na sua real fisionomia. Quase 40 anos após a sua criação como federação das tantas expressões do budismo e 12 anos após o acordo com o Estado, a União Budista Italiana promoveu uma pesquisa que nos permite conhecer melhor os budistas italianos, mas também o que os italianos não-budistas pensam do budismo. A pesquisa, financiada com o 8 por mil destinados à União, foi encomendada às universidades de Pádua e Turim. Entre 2022 e 2023 um grupo de pesquisadores liderado pelos sociólogos Giuseppe Giordan, Stefania Palmisano e PierLuigi Zoccatelli entrevistaram 57 responsáveis dos 64 centros afiliados à União, 137 participantes das suas atividades, 51 budistas não pertencentes à União e 130 não budistas. Outros 515 participantes da atividade dos centros responderam a um questionário.
O Relatório o budismo na Itália. Uma pesquisa sobre a União Budista Italiana foi apresentada em no mês passado, num encontro na Biblioteca do Senado.
Contatado pela “la Lettura”, o líder da pesquisa Giuseppe Giordan da Universidade de Pádua destaca os traços do budismo que emergiram da pesquisa. Existe, em primeiro lugar, a fluidez da autodefinição e da pertença: menos de um em cada 5 budistas define o budismo como uma religião, enquanto 7 em cada 10 não descrevem a sua adesão em termos de conversão e dão a entender que é possível combinar o budismo com outras afiliações, em particular com o cristianismo. Além disso, 90% da amostra é formada por católicos batizados e para muitos deles o budismo até permitiu uma recuperação do cristianismo. “Os conteúdos do budismo – declara uma mulher de cinquenta e nove anos - aguçaram ainda mais a espiritualidade cristã em mim." A partir do zen budismo, declara outro entrevistado, 72 anos: “Comecei a compreender a religião católica."
Para outros praticantes, porém, a diferença é clara: “Se em outras religiões como a católica a salvação é dada a você por alguém outro, desde que você acredite e tenha fé – afirma uma mulher de sessenta e dois anos – na realidade no budismo ninguém lhe dá nada." “Fornecem as ferramentas – continua ela – mas é você quem que tem que se comprometer primeiro." Como observa Giordan, o budismo intercepta a demanda de uma experiência religiosa aberta, onde “não é necessária uma pertença exclusiva”, porque “não existe mais a instituição que legitima a crença". Como se lê no Relatório, “uma grande maioria dos entrevistados acredita que existam verdades importantes para encontrar em todas as religiões e um percentual praticamente irrelevante é convencido de que só existe uma única religião verdadeira"; disso resulta, sempre de acordo com as palavras do Relatório, um budismo da “religiosidade inclusiva e híbrida” que parece ser capaz de se inserir em segmentos significativos da sociedade italiana.
O cristianismo ortodoxo e o islã, as duas grandes novidades quantitativas no cenário religioso italianos, são marcadamente de origem imigrante: para um total de um milhão de cidadãos ligados a elas, existem aproximadamente 3 milhões de ortodoxos e muçulmanos não-cidadãos no país. Já entre os budistas prevalecem os italianos, que chegam a 90% dos entrevistados. As comunidades não italianas, especialmente os cingaleses da tradição theravada, são muito significativas do ponto de vista cultural para o budismo italiano, mas em grande parte minoritárias.
Dos 350 mil budistas analisados pela pesquisa, aproximadamente metade é filiada à União Budista Italiana, caracterizada desde o início pela pluralidade de escolas, linhagens e sensibilidades. É completamente diferente - por sua identidade exclusiva e isolamento do restante budismo - a Soka Gakkai, a outra confissão budista com a qual o Estado assinou um acordo em 2015. A ela adere quase a metade do budismo italiano não ligado à União. A pesquisa, no entanto, concentrou-se na outra metade. Se para os entrevistados o budismo é mais interessante como filosofia do que como religião, o presidente da União, Filippo Scianna, entrevistado por “la Lettura”, não fica alarmado. Excetuando o “elemento transcendental”, certamente não negado pelo budismo vivido como filosofia, não existe uma posição oficial da União a respeito; no máximo, reflete o presidente, precisa ser adequada a comunicação dos centros às exigências de “uma sociedade cada vez mais secularizada”. “O ponto final é ser feliz”, explica Filippo Scianna. É esse “caráter soteriológico” que não deve ser distorcido, relativo à “cessação do sofrimento”: o importante é “que não se acabe recitando o mantra para encontrar um abrigo temporário."
O presidente da União fica ainda menos alarmado com a coexistência do budismo e cristianismo. A diferença com o cristianismo, explica, não é ética, mas diz respeito “à visão de realidade", porque "no budismo não existe aquela imanência, aquela fé num princípio criativo e juiz". Dito isso, e dado que a sua posição é inteiramente pessoal e não representativa da União, o “praticante budista” Filippo Scianna continua “a manter o Evangelho na mesa” e “frequentar a igreja”. Ele não quer “abdicar” da sua “história”: “Seria uma violência, uma operação impossível e nem mesmo desejável." O presidente preocupa-se menos ainda quando se mostra que, de acordo com a pesquisa, para aqueles que o percebem de fora, através da moda do yoga e da meditação ou pelo cinema de O Pequeno Buda e Sete Anos no Tibete, o budismo pode parecer vago, indefinido, talvez superficial. “Isso – responde – diz respeito a todos, a todas as tradições. Não nos assusta”; e recorda “a tarefa dos centros” de lembrar “que o budismo não é ‘nós nos amamos’, que há regras."
Filippo Scianna ressalta satisfeito como da pesquisa emerge um budismo que “sabe agir, sabe sujar-se as mãos", contra o estereótipo do budista sentado na almofada e separado das coisas. O “desapego”, esclarece o presidente, diz respeito a “uma forma de ver as coisas, não as coisas”, daí a prioridade para a União de um budismo “ativo, empenhado, que se envolve com as coisas”.
A questão da diversidade budista na Itália é dupla, então, colocada em parte pela diversidade dos budistas em relação com outros crentes e não crentes, e em parte pela diversidade interna entre os próprios budistas. “Conheci – conta um entrevistado de quarenta e dois anos – gerentes de empresas, diretores de multinacionais, psicopatas, donas de casa tristes, aposentadas próximas à morte assustadas, esquisitos, entusiastas do fitness que desejam ter uma experiência não muito exigente, fanáticos religiosos, fanáticos ateus." Para além da hipérbole do catálogo, o homem, por fim, percebe a questão: “Não creio que haja um perfil budista; felizmente por enquanto não existe e esperamos que continue assim."
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O budismo líquido. Artigo de Marco Ventura - Instituto Humanitas Unisinos - IHU