19 Outubro 2022
A 25 km de Bangkok, em Pak Kret, na Tailândia, está a paróquia católica Nossa Senhora da Misericórdia, onde o Pe. Daniele Mazza, do PIME, exerce seu ministério como vigário paroquial. A paróquia abrange uma área muito vasta, onde os católicos são cerca de mil em uma população de cerca de 600 mil pessoas.
A reportagem é de Cristiano Vanin, publicada em Settimana News, 16-10-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Lá, os missionários do PIME, que acabam de festejar os 50 anos de presença na Tailândia, cuidam da paróquia e realizam diversas ações de promoção social, em particular para crianças com deficiência na Casa dos Anjos, para crianças órfãs e abandonadas que estão hospedadas em algumas casas de família e vão às favelas da cidade para se encontrar com quem vive em situação de pobreza extrema e de isolamento social.
Em particular, o Pe. Daniele Mazza lida com o diálogo inter-religioso com o budismo, em um país onde mais de nove em cada 10 pessoas professam essa crença.
Na Tailândia desde 2008, depois de um mestrado em Estudos Budistas na Universidade Estatal Budista Mahachulalongkorn, o Pe. Daniele está fazendo agora o doutorado e se encontra diariamente com estudantes budistas, monges e monjas, tailandeses, mas não só.
Há poucos meses, o presidente da República italiana, Sergio Mattarella, por proposta do ministro das Relações Exteriores e da Cooperação Internacional, concedeu ao Pe. Daniele o título de Cavaleiro da Ordem da Estrela da Itália, pela sua atividade de proteção das camadas mais vulneráveis da população local na Tailândia e pelo seu compromisso com o diálogo inter-religioso.
Foi uma rica oportunidade para aprofundar com o Pe. Daniele um diálogo entre dois credos, que, como todo diálogo inter-religioso, avança sobre dois trilhos que se integram: o mais intelectual e acadêmico, e o cotidiano da vida das pessoas.
Pe. Daniele, de onde veio a ideia de estudar o budismo?
Há cerca de 10 anos, o superior geral convidou a nós, missionários do PIME na Tailândia, a retomar o diálogo com o budismo. Nos últimos anos, de fato, as necessidades pastorais das dioceses fizeram com que os missionários trabalhassem sobretudo como párocos nas paróquias, e ninguém jamais havia se comprometido com o campo do diálogo em tempo integral.
Eu apresentei a minha disponibilidade e pedi para poder cursar o mestrado em Budismo na Universidade Mahachulalonkorn. Eu também podia conhecer o budismo a partir de textos ocidentais, mas estava interessado em conhecê-lo a partir de dentro, encontrando-me com monges, e a partir de textos tailandeses e de professores budistas.
Como é a sua experiência na universidade budista?
Na universidade estatal budista onde eu estudo, tenho colegas budistas de toda a Ásia e além. Enquanto estudava, pediram-me para lecionar “Cristianismo” na mesma universidade. O desafio foi o de apresentar a mensagem cristã a monges em um contexto acadêmico, com a necessidade de escolher por onde começar e o que apresentar sobre o cristianismo.
No currículo do mestrado, estão previstos 30 dias de meditação, e por isso tentei mergulhar no modo de rezar deles. Paralelamente, propus a alguns deles uma partilha sobre a Palavra de Deus e algumas experiências de caridade por meio da visita a crianças com deficiência na paróquia ou nas favelas: para certos aspectos do cristianismo, preferi não apenas falar da Igreja, mas fazê-los experimentar o que significa ser Igreja.
Há agora mais um projeto de diálogo também entre budismo e islamismo em um bairro misto da cidade e em colaboração com a Secretaria de Serviço Social do distrito, em uma perspectiva de colaboração também com as autoridades locais.
A cultura asiática, especialmente a budista, é um obstáculo ou um recurso para a difusão do Evangelho?
Como qualquer cultura, é possível encontrar os semina Verbi, ou seja, aqueles elementos que acreditamos que são suscitados pelo Espírito e que passaram a fazer parte de um modo de vida por meio dos valores e das tradições de um povo. Trata-se de elementos que ajudam, porque são profundamente evangélicos e sustentam a difusão do evangelho. Um exemplo: a atenção e a gratidão que existem na Ásia, particularmente na Tailândia, em relação aos idosos, aos pais e aos professores.
No dia das mães e dos pais, os filhos vão ao encontro dos pais, ajoelham-se, em alguns casos lavam e beijam os pés, para manifestar um sentimento de gratidão muito profundo expressado também fisicamente.
Além disso, como em todas as culturas, há elementos que não estão em sintonia com o Evangelho, que devem ser purificados e transformados pelo Evangelho. Por exemplo, a globalização levou muitas pessoas a quererem enriquecer, a trabalharem em ritmos muito acelerados, até sete dias por semana, enfatizando o materialismo.
Em que aspectos o budismo custa a se encontrar com o cristianismo?
Um exemplo significativo diz respeito à cruz, um dos temas centrais para o cristianismo. Para o ensinamento budista, que propõe um caminho para eliminar o sofrimento, dizer que a cruz pode ser fecunda é complicado. Dizer que o fracasso, o sofrimento, a doença podem ser o ventre da vida, do amor, da graça é um verdadeiro desafio.
Além disso, no budismo, é possível alcançar a plenitude (o Nirvana) durante a vida, embora isso possa exigir um número muito alto de renascimentos. No cristianismo, porém, a plenitude só pode existir além da morte e está indissoluvelmente ligada à recapitulação do mundo em Cristo. Em suma, não posso ser plenamente livre e feliz se não estiver junto dos meus irmãos e irmãs, somente quando todos formos “cristificados” pelo Espírito e formos um no Pai.
O que pode levar um budista a conhecer Cristo e a abraçar a fé?
A conversão ocorre a partir de coisas muito concretas na vida. Para muitos, existe uma base, como o fato de ter frequentado uma escola católica. Quando jovens, aprenderam as orações, estiveram em ambientes cristãos com padres, freiras ou frades. Para alguns outros, há a insatisfação com o fato de ser budista.
Alguns ficam impressionados com a figura de Jesus. Uma vez, por exemplo, um senhor me disse: “Padre, o budismo me diz para não ficar com raiva, para ficar tranquilo, mas não consigo fazer isso no trabalho. Depois, eu vi que Jesus também tem momentos em que se irrita. Isso me chamou a atenção, porque eu acho que corresponde à verdade da vida, ou seja, que você pode amar mesmo quando está com raiva, quando você se irrita por amor, para corrigir ou para apontar algo. Ficar quieto e tranquilo nem sempre é o caminho a ser seguido. O ensinamento de Jesus me parece muito humano, muito verdadeiro, muito imerso na realidade e isso me fez bem”.
Outros ficam impressionados com os seus ensinamentos e ao tentar pô-los em prática. Por exemplo, o perdão em casa em relação a uma pessoa que fez algo contra você: as pessoas ficam admiradas e muito contentes, porque, depois do perdão, essa relação difícil recomeça.
Elas encontram um ensinamento que “funciona”: os budistas são muito práticos no método a seguir em sua vida espiritual. Isso cria as premissas para ajudar a pessoa a dar um passo a mais: não é só o ensinamento que funciona, mas também aquele que o ensina, isto é, Jesus, que não é apenas um mestre, mas o Senhor da vida a quem é possível entregar toda a própria existência, de quem é possível escutar todos os ensinamentos para ser totalmente transformado por Ele.
Outra mulher em busca, diretora de um banco, diante do versículo de Jesus: “Quem de vocês quiser ser grande deve tornar-se o servidor de vocês” (Mc 10,43) mudou sua forma de se dirigir aos funcionários, com menos autoritarismo e com maior atitude de colaboração, e isso transformou a relação com eles: antes, havia mais desconfiança em relação a ela que era a chefe, e hoje muito mais pessoas se aproximam.
Essas são algumas premissas que podem levar a dar o próximo passo, o batismo.
Como cristãos e budistas vivem o diálogo em seu cotidiano?
Além do diálogo em um âmbito mais acadêmico, certamente há o debate na vida cotidiana. Se você é vizinho de alguém, você primeiro é um ser humano antes de ser budista ou cristão. Ajudamo-nos e apoiamo-nos uns aos outros. Não é um diálogo intelectual ou espiritual, mas da vida de todos os dias, que chamamos de um “diálogo de vida”.
Onde a fé cristã pode ser encontrada na Tailândia hoje?
Penso em dois aspectos. O primeiro é o testemunho dos cristãos: muitos dos catecúmenos que entram em contato com a paróquia vêm porque são acompanhados por amigos ou pelo companheiro, a quem veem indo à missa e ficam impressionados com isso, porque estão particularmente serenos e contentes, e isso levanta perguntas.
Outro aspecto é a liturgia: alguns vêm com um parente cristão, participam do rito de um funeral ou de um casamento, e quase todos ficam impressionados com o modo de rezar, com o silêncio, com a compostura do rito, com as palavras do Evangelho ou com a homilia.
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Tailândia: budismo e fé cristã. Entrevista com Daniele Mazza - Instituto Humanitas Unisinos - IHU