02 Mai 2024
O fotojornalista palestino Abed Zagout hoje vive no Egito, para onde teve que fugir devido às ameaças que sofreu durante os meses da ofensiva israelense. Vencedor do Impact Awards 2023 e do Red Cross Photography Award em 2008, viveu seu último período na Faixa numa uma tenda em Rafah com a esposa e os cinco filhos.
Depois de perder o seu equipamento fotográfico e todos os meios de sustento, Abed Zagout lançou do Egito uma angariação de fundos (que pode ser acessada aqui). Alguns fotógrafos italianos já aderiram, entre os quais Luciano Ferrara, histórico fotojornalista napolitano que colocou as suas obras em leilão.
A iniciativa nasceu no âmbito do festival internacional de jornalismo civil Imbavagliati, que acaba de se concluir em Nápoles.
O testemunho é recolhido por Désirée Klain, publicado por Il Manifesto, 01-05-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Trabalho no setor de fotojornalismo há quinze anos. Durante esse período cobri muitos ataques israelenses. Sempre me considerei um fotógrafo de guerra. Mas esta guerra me fez repensar. É o fim.
Os meios de comunicação estão ligados a quem os financia, as políticas das mídias estão ligadas ao favor dos poderosos. E os poderosos sempre enfatizam as fraquezas dos fracos. O desenvolvimento tecnológico tem sido enorme nos últimos dias de Gaza, antes da guerra. Isso pode ser observado olhando as redes sociais. Mas a ocupação nos privou disso.
Trabalhar como jornalista palestino nesse conflito equivale ao suicídio. Nós todos esperávamos ser tomados na mira e mortos a qualquer momento, especialmente porque perdemos dezenas de colegas em vários ataques israelenses deliberados e repetidos. Eu sobrevivi à morte certa mais de uma vez. Esse risco não tem preço. Perdemos as nossas casas. Eu também perdi a minha casa, na qual havia gasto todo o dinheiro que tinha, poucos meses antes da guerra. Ainda estou pagando as parcelas. Meu equipamento também é muito caro. Não há preço igual a nenhuma foto que tirei desse genocídio.
Meus filhos e eu passamos fome. Fui deslocado em diversas cidades. Passei muitos dias numa tenda em condições de vida difíceis. Lutei cada dia para alimentar meus filhos e, ao mesmo tempo, cobrir e acompanhar os acontecimentos atuais. Foi exaustivo. Ainda sofro de distúrbios psicológicos, mesmo no Egito. Tenho medo do barulho dos aviões civis que transportam passageiros civis. O barulho ainda aterroriza a mim e aos meus filhos. Ainda tenho pesadelos com sangue e, a cada vez que peço comida aqui e vou comer, lembro como foram difíceis as horas passadas como faminto. Filmei crianças famintas enquanto eu mesmo estava com fome.
Sou especializado em produzir histórias de interesse humano. A essência do meu trabalho era focada na situação humanitária do genocídio. E eu pessoalmente compartilhava aquela terrível situação com todos aqueles que fotografava. Fotografei a fome quando estava com fome, a sede quando estava com sede. A imagem vinha do coração de uma pessoa oprimida que estava vivendo o mesmo sofrimento. Foi um período muito difícil.
A minha vida cotidiana era uma luta: por um lado, garantir alimento e bebida para a minha família e as necessidades do dia a dia, de outro o dever de contar os acontecimentos. Cada foto que tirei de uma criança era como se eu estivesse fotografando meu filho.
O palestino ama a vida. Ama o mar. Paga um preço alto para viver em paz.
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“Em Gaza fotografei a fome como faminto, a sede como sedento”. Testemunho de Abed Zagout - Instituto Humanitas Unisinos - IHU