28 Março 2024
Com o início da Quaresma, apareceram nos sites de numerosas dioceses francesas as fotos da chamada nominal pelo bispo dos catecúmenos adultos que serão batizados na noite de Páscoa.
O artigo é de René Poujol, jornalista francês, publicado em seu blog, 27-03-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Um lindo símbolo de uma passagem para a vida. Os números nos dizem que são muito mais do que nos anos anteriores, que já registravam uma boa evolução. Como não se alegrar sinceramente? Muitos querem ver nisso um “sinal de esperança” que já há algum tempo nos faltava: o de uma “nova primavera” para a Igreja. Com o risco, na véspera da Semana Santa, de nos projetarmos diretamente para o Exultet consolador da Páscoa, evitando a Cruz e o vazio do Sábado Santo. Como se ambas as experiências não fossem, para a Igreja como para cada um, etapas imprescindíveis para viver na confiança. Evitando mitificar uma espécie de eterno retorno consolador mais próximo do paganismo do que ao caminho no deserto e do encontro com "Aquele que vem".
Então, como podemos evitar o risco de se projetar demasiado rapidamente num tranquilizador "pós-Páscoa", imaginando poder evitar mergulhar no mistério da condição humana?
Eu gostaria que, no Domingo de Ramos, considerássemos o nosso entusiasmo em aclamar Jesus antes da renegação: dois momentos que, alternativamente, pontuam toda a nossa vida crente. Gostaria que as entradas triunfais "nas costas do jumento" pudessem tocar algumas das nossas vidas de fiéis, padres ou príncipes da Igreja... sempre tivessem como horizonte a inevitabilidade da cruz. Até César, em seu triunfo na via sacra, ouviu um escravo lembrá-lo em seu ouvido: Memento mori, lembre-se que você é apenas um homem e que vai morrer. Mesmo que para o cristão o anúncio da morte é também a promessa da ressurreição.
Eu gostaria que na Quinta-feira Santa tivéssemos presente o lava-pés que, no Evangelho de João, é o único relato da Ceia. Um gesto em que os primeiros cristãos viram o "sacramento do irmão". Gostaria que lembrássemos que, na pousada de Emaús, é na partição do pão contada por Mateus, Marcos e Lucas, que os discípulos O reconheceram. Ele estava ali, realmente presente no meio eles, cujos corações ardiam em seus peitos enquanto deploravam desesperados a sua morte. Isso foi suficiente para torná-los, ao longo da vida, arautos de uma Boa Nova a ser partilhada “em memória Dele”.
Eu gostaria que na Sexta-feira Santa a Igreja se lembrasse de todas as pessoas inocentes crucificadas por ela ao longo da história e aceitasse a prova e a humilhação da morte social que isso implica. Gostaria que não se esquecesse que existem igrejas e pessoas, no mundo, que neste momento vivem a agonia da Cruz. Gostaria que nos lembrássemos que é para o ladrão que lhe pede para se lembrar dele quando estiver em seu Reino – e somente para ele – que Jesus promete a sua entrada no Paraíso naquela mesma noite. Enquanto aos pés da cruz sofrem em silêncio aqueles que mais o amavam: Maria, sua mãe, outras mulheres de Jerusalém e “o discípulo amado”, único sobrevivente da grande fuga, perene, dos apóstolos assustados.
Eu gostaria que não evitássemos demasiado rapidamente o vazio do Sábado Santo, pelo fato de sabemos o fim da História e que, graças a Deus, é um final feliz. Que nos deixemos invadir, por uma vez, pelo vazio total daquelas 24 horas semelhantes a muitas das nossas vidas individuais ou coletivas. Que imaginemos aquela descida de Jesus ao Inferno, o Reino dos mortos privados de toda visão de Deus. E que percebêssemos que existem países em guerra nos quais centenas de milhares de mortos-vivos conhecem a realidade desesperada do mundo inferior. Eu gostaria que nos deixássemos questionar por essa nova visão do Inferno cristão – no singular – não como lugar de castigos eternos, mas ausência de Deus para aqueles que teriam feito essa escolha livremente. Uma maneira de opor-se à afirmação de Sartre de que “o inferno são os outros”, a alternativa de um inferno percebido como a ausência do Outro: o próprio Deus, que pode ser sofrimento apenas por aqueles que têm sede dele.
Eu gostaria que soubéssemos no dia da Páscoa nos maravilhar, mais do que em qualquer outro dia do ano, da luz que segue as trevas. Que possamos ver nela a prefiguração de uma luz eterna. Gostaria que os batismos na noite de Páscoa nos dessem fé na ressurreição das nossas comunidades. Gostaria que pelo menos um dos nossos bispos tivesse a audácia, na sua catedral, de confiar a uma mulher, nova Maria Madalena, a tarefa de anunciar a Ressurreição de Jesus: que, como se vive na abadia de Sylvanès, no Aveyron, fôssemos aos nossos cemitérios para anunciar aos mortos que estão “inscritos no grande livro da Vida”.
Eu gostaria que, além do mal que nos oprime e que devemos assumir na verdade, saibamos encontrar “bocas de ressuscitados”, cuja ausência, dizia-nos Nietzsche, o impedia de acreditam em Deus e certamente o impede também aos nossos contemporâneos. E gostaria que tudo isso pudesse ser vivido, para cada um, por meio das suas próprias palavras e da sua sensibilidade, na grande liberdade dos filhos de Deus.
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Logo será Páscoa e eu gostaria... Artigo de René Poujol - Instituto Humanitas Unisinos - IHU