09 Abril 2020
“Tiraram o Senhor do túmulo e não sabemos onde o colocaram” (Jo 20,2)
A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, padre jesuíta, comentando o evangelho do 1º Domingo de Páscoa - Ciclo A, que corresponde ao texto de João 20,1-9.
Em Jesus ocorre algo totalmente novo. Ele traz uma nova maneira de viver que não cabe em nossos esquemas, que não se encaixa em nossos hábitos, sempre limitados e estreitos.
O “mistério pascal” é o salto para a novidade, para a beleza, para a transcendência. Imersos na história e na natureza, a Ressurreição nos faz descobrir a verdadeira extensão da Vida.
Não encontramos o Ressuscitado no sepulcro, mas na vida. Não encontramos o Ressuscitado enfaixado e paralisado pela morte, mas livre como a brisa da vida.
A pedra que fora removida do túmulo de Jesus indicou a Maria Madalena uma novidade que seu coração buscava, uma novidade que espanta, enche o coração do desejo de procura: “Ele vive”.
O caminho dela em direção ao túmulo é símbolo da coragem de atravessar o escuro da madrugada para ver resplandecer uma nova aurora em sua vida, pela força criadora da única Presença que tudo sustenta, tudo recria e enche de amor. A presença do Cristo Ressuscitado.
Na madrugada da Páscoa, Maria Madalena vai ao sepulcro; ela é símbolo daquela comunidade que se movia entre a luz e a obscuridade. Ainda vive focada no sepulcro (morte); por isso, “ainda estava escuro”. Mas, ao mesmo tempo, começava a clarear (“ao amanhecer”) e a “pedra estava removida” (a pedra da dúvida, da tristeza e da resignação fatalista). Tudo parece anunciar algo definitivamente novo: é “o primeiro dia da semana”; trata-se, nada menos, que de uma nova Criação.
Segundo os evangelistas, as mulheres são as primeiras testemunhas da ressurreição de Jesus Cristo, pois Ele aparece primeiramente a elas. Segundo Tomás de Aquino o motivo desta precedência é porque elas estavam melhor preparadas que os homens para entender e acolher a maravilha da Vida.
E estavam melhor preparadas porque O tinham amado mais.
Na ressurreição, a vida emerge de forma misteriosa; ela se impõe, simplesmente. Tal realidade desperta fascinação, provoca admiração e veneração..., porque a vida é sempre sagrada. Diante dela ficamos extasiados, boquiabertos, escancarados os olhos e afiados os ouvidos. Ela nos atrai por sua força interna.
Portador de uma vida inesgotável, revelada na madrugada pascal, o ser humano vive para mergulhar em algo diferente, novo e melhor. A vida, desde o mais íntimo da pessoa humana, deseja ser despertada e iluminada em plenitude. Amar é romper a casca para que a vida se expanda na doação. A morte do falso “eu” é a condição para que a vida se liberte.
Vida plena prometida por Jesus: “Eu vim para que tenham vida e vida em abundância” (Jo. 10,10).
“Viver como ressuscitado” implica esvaziar-se do “ego”, para deixar transparecer o que há de divino.
Quem se experimenta a si mesmo como “Vida” é já uma pessoa “ressuscitada” e isso faz a grande diferença, pois tem um impacto no seu modo de ser e de viver.
Marcadas pela ressurreição, as pessoas captam muitos detalhes que antes não haviam percebido, vivem intensamente, amam com mais paixão, prestam atenção a muitas coisas que antes lhes passavam despercebidas. Tem um comportamento diferente para com os outros; há, nestas pessoas, mais ternura, são mais sensíveis à dor e à injustiça. Ao saborear o presente da vida, vivem como se fossem ressuscitadas. Creem que, amando mais a vida, se afastarão mais da morte e resistirão às hostilidades do mundo presente.
E, no entanto, continuam vivendo na mesma casa, no mesmo trabalho, fazendo as mesmas coisas..., mas seu olhar audacioso desperta as consciências, sacode as velhas estruturas, derruba os muros da exclusão.
A Ressurreição não só “dá o que pensar”, mas sobretudo, “dá o que fazer”.
O encontro com o Ressuscitado é fonte de vida e vida em crescente amplitude. Quando nos dispomos a caminhar com Ele, sob a ação do Espírito, realiza-se em nós um processo de abertura e de superação, de crescimento e de reconstrução de nós mesmos...; tomamos consciência de uma dimensão profunda de nosso interior, que nos permite experimentar uma outra vida, que supera tudo o que vivemos até então.
A “vida eterna”, então, não é um prolongamento ao infinito de nossa vida biológica. É a dimensão inesgotável e decisiva de nossa existência. Ela torna-se “eterna” desde já.
A experiência da Ressurreição nos revela que a “vida” é uma totalidade, ou seja, a vida presente, a vida atual, é uma vida que tem tal plenitude que, com toda razão, podemos chamá-la de “vida eterna”, uma vida com tal força e tão sem limites, que nem a morte mesma terá poder sobre ela.
Precisamos adquirir uma consciência mais profunda da vida do espírito, perceber as pulsações desta vida eterna que está em nós, do mesmo modo que, prestando atenção, percebemos as batidas de nosso coração.
A experiência do Ressuscitado nos faz ter um “caso de amor com a vida”.
Pois a vida autêntica é a vida movida, iluminada, impulsionada pelo amor.
Nem sempre sabemos viver: conformamo-nos com uma vida estreita, estéril, fechada ao novo, carregada de “murmurações”. Quando acolhemos a presença do Ressuscitado, nossa vida se destrava e torna-se potencial de inovação criadora, expressão permanente de liberdade, consciência, amor, arte, alegria, com-paixão.... É vida em movimento, gesto de ir além de nós mesmos; vida fecunda, potencial humano.
Vida com fome e sede de significado, que busca o sentido... Vida que é encontro, interação, comunhão, solidariedade. Vida que é seduzida pelo amor, pela ternura. Vida que desperta o olhar para o vasto mundo. Vida que é voz, é canto, é dança, é festa, é convocação...
Com sua presença compassiva, o Ressuscitado desperta nossa vida, arrancando-a de seus limites estreitos e constituindo-a como vida expansiva em direção a novos horizontes.
O Ressuscitado nos precede, nos sustenta e, na liberdade de seu amor, nos impele a ampliar nossa vida a serviço. Toda peregrinação, em clima de admiração e assombro, se revela rica em descobertas e surpresas, e desperta o coração para dimensões maiores que a rotina de cada dia.
Nesse sentido, a vida tem a dimensão do milagre e até na morte anuncia o início de algo novo; ela carrega no seu interior o destino da ressurreição.
Essa nova Vida é capacidade de amar como Jesus amou; é “passar pela vida fazendo o bem”. Somos seres ressuscitados se vivemos os mesmos critérios e valores de Jesus, engajados em seu mesmo projeto.
A “vivência pascal” leva a querer algo mais. É “antecipação criadora”; ela tem “rosto novo”.
É o futuro que ainda pode ser convertido em “história nova”; é vida vivida com encantamento.
A “pedra pesada” da nossa impotência diante da dor, do fracasso e da morte, foi tirada pelo Mestre, que, nos chama pelo “nome” e nos desafia a viver como ressuscitados.
Nossa vida é uma experiência a acolher, uma aventura a amar e um mistério a celebrar. Rompido o túmulo, removida a pedra, resta caminhar...
Deixemo-nos iluminar, levemos a Luz da Ressurreição nas nossas pobres e frágeis mãos, iluminando os recantos do nosso cotidiano.
Pois vida é um contínuo despedir-se e partir; é inútil permanecer junto ao túmulo. Porque o ausente “aqui” está presente na “Galileia”. E a Galileia é o lugar do compromisso com a vida, a justiça e a paz.
Para viver a partir do ser mais profundo, é preciso dedicar uma atenção especial ao próprio coração e aprender a regozijar-se da maravilhosa vida de Deus em cada um. Basta um repouso e o estar presente para fazer acalmar a agitação interior e aproximar-se da fonte da vida.
- É tempo de esvaziar sepulcros; é tempo de remover as pedras da entrada do coração que impedem a entrada da luz, da vida, do canto...? O que lhe impede afastá-las?
- Faça memória das experiências de ressurreição: nos encontros, na missão, sentimentos oceânicos de consolação, clareza diante do sentido da vida, amar e sentir-se amado(a), a vivência da bondade e do bem...
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Ressurreição: quando os túmulos se esvaziam... - Instituto Humanitas Unisinos - IHU