“A religião à prova da ecologia” de Bruno Latour: a pluralidade das modalidades de existência

Bruno Latour (Foto: Knowtex | Wikimedia Commons)

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26 Março 2024

Ninguém nunca leu o primeiro livro de Bruno Latour (1947-2022). Nem mesmo Bruno Latour. Até agora, a sua bibliografia oficial começava em 1979 com La vie de laboratoire (Laboratory Life: The Social Construction of Scientific Facts), escrito em parceria com Steve Woolgar, resultado de dois anos de imersão em uma unidade de neuroendocrinologia.

A reportagem é de Youness Bousenna, publicada por Le Monde, 20-03-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.

Agora, também deve ser levada em conta Exégèse et ontologie, sua tese de filosofia defendida em 1975.

O último livro La religion à l'épreuve de l'écologie" (editora La Découverte) é um conjunto de entrevistas sobre o cristianismo realizadas de novembro de 2020 a janeiro de 2021 pelos sociólogos Anne-Sophie Breitwiller e Pierre-Louis Choquet, com a participação do padre Frédéric Louzeau.

Bruno Latour tinha seus bons motivos para não reler a sua tese. Na época, em cooperação com Abidjian já estava inclinado para a antropologia. E se distanciava de um trabalho sancionado com um “voto ruim” e com desconforto em relação à sua fé. Durante o período em que trabalha em Exégèse et ontologie, Latour opta por não batizar seus filhos. “É o drama da minha geração, esse hiato, essa suspensão no caminho da transmissão”, confessa o filósofo. Essas entrevistas no crepúsculo da sua vida oferecem um vislumbre biográfico muito aguardado sobre a atípica trajetória desse gigante do pensamento ecológico, mas não só.

Iluminam também o papel, na sua obra, da palavra religiosa a partir da “estranheza total” de uma tese que explorava as condições de enunciação de diferentes discursos, de Sain-John Perse e Charles Péguy ao Evangelho de Marcos. Um trabalho duplamente interessante: pela originalidade que anuncia a grande liberdade de tom e de pensamento de Bruno Latour – com o risco da confusão, diriam os seus detratores – e pela surpreendente constância das suas preocupações.

Antes de aplicá-la à ciência, já almejava, desde o curso de filosofia, descobrir a “mola” discursiva da produção da verdade por meio de um trabalho de exegese continuado ao longo de toda a vida. Mesmo antes da “virada ontológica da antropologia”, o cerne do seu projeto já estava na ontologia, animado por uma intuição fundamental: a pluralidade das “modalidades de existência”, aquelas formas de conceber o ser e o mundo.

A partir desse ponto de partida, centrado na ontologia cristã, as entrevistas mostram quatro décadas de percurso intelectual pontuadas por um novo choque cosmológico: a crise ecológica, que se tornou central em seu pensamento a partir de Face à Gaïa. Fervoroso defensor da encíclica “profética” Laudato si’ (2015), Bruno Latour vê no antropoceno um momento decisivo para o cristianismo: para libertar a Igreja de um impulso hegemônico em favor da aceitação da pluralidade e encaminhar-se em direção a um cristianismo “ecologizado” adequado para desempenhar o seu papel histórico.

Porque a revelação de Cristo se baseia, segundo ele, numa “invenção surpreendente”, a de ter tornado possível a coexistência do tempo e da eternidade, distinguindo radicalmente a sua verdade de outros discursos.

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