02 Outubro 2014
“Sou um antropólogo e filósofo vinculado à universidade Sciences Po, de Paris, e estar no Rio para discutir Gaia é sempre uma oportunidade valiosa. Creio que há um grande equívoco em pensar que a Terra é uma babá que, além de prover nossas necessidades, nos dará a solução para superar os piores riscos”.
A entrevista é de Luis Felipe Reis, publicada pelo jornal O Globo, 29-09-2014.
Eis a entrevista.
Conte algo que eu não sei.
Se cavarmos 10km para o fundo da Terra, onde supomos que exista apenas rochas estéreis, encontraremos mais formas de vida (microoganismos) do que na nossa biosfera. Gaia (que é a terra viva) ganha profundidade com isso, e ampliamos nosso entendimento do que denominamos vida. Meu nome predileto para Gaia é “Mil dobras”, ou “Mil camadas”, uma expressão antiga, mitológica.
O colóquio se chamou “Os mil nomes de Gaia”. Por que é importante discutir o nome ou um novo nome para Gaia?
Gaia é um termo repensado por James Lovelock, que tem sido usado por militantes, ativistas, mas, quando há muitos nomes para algo, é importante discutir. Acho bom usá-lo, porque falar em Gaia nos obriga a pensar sobre o que é Gaia e sobre o que é a Terra. Quando se fala em gaia política, assim como se fala em geopolítica, as pessoas param e se perguntam: “O que é isso?” Hoje, fazer as pessoas pensarem e se perguntarem algo é um grande feito.
Você diz que a “teoria de Gaia” é mal interpretada. O que essa visão distorcida diz?
Ela ainda vê o ser humano como uma espécie de deus e a Terra como um benfeitor providente. Quando ouvem falar da noção de Lovelock, da ideia de Terra viva, de que ela é um organismo que tem vida, distorcem o conceito e veem a Terra como uma babá que se preocupa e provê seus bebês humanos com o que eles precisam. Isso é perigoso. E não só pessoas comuns, mas cientistas caem nessa armadilha e a disseminam.
E qual é a sua visão sobre a “teoria de Gaia”?
É importante dizer que Gaia não é uma coisa holística, um organismo benevolente, que age a favor dos seres humanos, mas também não é algo que compactua com o argumento darwinista. Gaia tem mais a ver com o que chamo de composicionismo. O mundo precisa ser composto. O feito de Lovelock é ver que nós, humanos, somos feitos e compostos por todos os outros organismos. Ele compreende a inter-relação entre todos os organismos vivos. Não enxerga Gaia de modo darwinista e nem holístico.
Você vê uma desconexão entre a crise climática e nossa reação na ausência de um “sentimento de urgência”. Somos capazes de perceber o problema, mas não de senti-lo?
Sim. E me aproximei da arte para lidar com isso, pois é preciso criar instrumentos que nos sensibilizem e que nos levem a pensar, algo que ligue as “estatísticas da ciência” e formas de sensibilização ao que elas indicam. Não há muita gente trabalhando para que nos tornemos mais sensitivos ao que ocorre com Gaia. Temos de reconstruir a nossa sensibilidade. É preciso dramatizar, considerar o fim do mundo, e então desdramatizar, para analisar criticamente a questão. Na arte, você pode fazer os dois, dramatizar e desdramatizar.
Como se faz isso?
Se você apenas analisa, não sensibiliza, se você apenas grita “fogo”, todos saem correndo. É preciso gritar fogo, mas fazer com que as pessoas se mantenham na sala e pensem.
O que é melhor para Gaia, a nossa continuidade ou descontinuidade?
Essa questão é muito importante. Continuar, hoje, tem uma relação profunda com descontinuar, interromper a continuidade das coisas, interromper o que temos feito, o que é hábito. Continuidade, hoje, significa descontinuar e reconstruir-nos inteiramente.
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Bruno Latour, antropólogo e escritor: "Temos que reconstruir nossa sensibilidade" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU