13 Março 2024
Poderiam ser mais de 75 mil as freiras no mundo vítimas de abuso sexual. Isso foi afirmado por Doris Reisinger, teóloga, filósofa e escritora alemã, ex-freira da família espiritual Das Werk, explicando que o abuso sexual não é o pior dos abusos.
A entrevista é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por La Repubblica, 10-03-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Quantos são os abusos sexuais sofridos por freiras em todo o mundo? Existem dados certos?
Que eu saiba, apenas uma investigação sistemática foi realizada, nos Estados Unidos, publicada em 1998 na Review of Religious Research. Com base nesse estudo, 30% das freiras sofreram algum tipo de abuso, 12,5% sofreram abusos sexuais, e deste último grupo 29% sofreram ‘contato sexual genital’, incluindo a penetração. Os Estados Unidos na década de 1990 não são o contexto em que se esperariam números particularmente elevados de violências contra as mulheres em geral, e contra as freiras católicas em particular, pelo que podemos assumir que esses números são mais elevados noutros lugares e noutros períodos. Se aplicarmos esses números às cerca de 600 mil freiras no mundo, podemos deduzir que 180 mil delas sofreram alguma forma de abuso, 75 mil sofreram abuso sexual, 30 mil foram vítimas de estupro sexual genital.
Não se trata de um problema marginal, mas de um problema sistêmico. Mas gostaria de especificar que formas de abuso como a exploração financeira e o abuso psicológico são tão prejudiciais como o estupro, ou ainda pior, porque têm o efeito de manter as mulheres num estado de dependência e vulnerabilidade durante toda a vida e impedi-las de libertar-se. Para mim durante a minha vida religiosa, o abuso sexual não foi o pior: o pior foi o abuso espiritual e o estado de total dependência do meu superior.
Existe consciência desse problema na Igreja e no Vaticano, ou ainda está oculto?
Há uma crescente consciência dos abusos das religiosas entre as mulheres católicas e entre os sobreviventes dos abusos sexuais do clero, mas entre os padres e os bispos quase não há nenhuma consciência ou nenhum interesse pelo assunto. Quanto à Cúria Romana e ao Papa Francisco, certamente estão cientes, mas não agem de forma a mostrar que querem acabar com esse tipo de abuso ou preveni-lo.
O que deveria ser feito na sua opinião que ainda não foi feito?
A questão fundamental é mudar as normas que regulam a vida consagrada para mitigar com eficácia a dependência das freiras das suas congregações. A segurança financeira é fundamental. Hoje as freiras são completamente dependentes das suas congregações. O dinheiro e a segurança financeira são fundamentais para prevenir e enfrentar os abusos: uma freira que tem meios para ir embora não aceitará os abusos com a mesma facilidade que uma freira que não tem para onde ir e nada para se sustentar. Além disso, é uma questão de direitos humanos fundamentais e de justiça que as mulheres que trabalharam para a Igreja, algumas por décadas, não fiquem sem um tostão quando decidem deixar a vida consagrada.
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“Uma em cada três sofreu abusos. Os bispos sabem, mas calam”. Entrevista com Doris Reisinger - Instituto Humanitas Unisinos - IHU