26 Janeiro 2024
"Buscar a sabedoria do coração não é apenas buscar um conhecimento intelectual, mas uma sabedoria que nasce da consciência daquilo que somos: para responder sobre as máquinas devemos partir daquilo que nos torna humanos. A sabedoria do coração é, portanto, o que é necessário para enfrentar as grandes questões da vida", o comentário é do frei e professor Paolo Benanti.
Paolo Benanti, tornou-se presidente da Comissão de Algoritmos do Departamento de Informação e Publicação do Palazzo Chigi, que trata de Inteligência Artificial (IA), há 20 dias, após a divulgação de Giuliano Amato . Além disso, é o único membro italiano do comité de especialistas da ONU sobre o tema.
O artigo foi publicado por Avvenire, 25-01-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Para aqueles que consideram o ser humano, mesmo que apenas do ponto de vista de uma fenomenologia física – com a postura totalmente ereta que o caracteriza e com a plasticidade do seu olhar -, fica claro que cada pessoa vive em relação a um horizonte: um horizonte que acolhe e supera as realidades que, uma após a outra, nele se apresentam, como argumenta Paolo Pagani em “Appunti sulla specificità dell’essereumano ". Essa capacidade de ter um horizonte (e, portanto, de ter um mundo) é o que classicamente é chamado de “intelecto”, e que também pode ser chamado de “abertura transcendental”.
A nossa espécie se caracteriza porque é capaz de construir e ter um horizonte, de ter um mundo mapeado com o intelecto.
Esse mundo não é algo dado estaticamente, mas dinamicamente confiado à nossa própria constituição humana: a capacidade de narrar o horizonte. Esse elemento faz com que, diferentemente de outros animais, a explicação dos nossos comportamentos não possa ser resolvida com disciplinas como a biologia ou a etologia, isto é, por meio de leis “estáticas” e “fixas”. O que fizemos como espécie, a transformação do mundo que produzimos, o desaparecimento de outras espécies de seres vivos que causamos, tudo isso precisa de uma busca adicional de sentido. A história como narrativa das escolhas feitas, a filosofia como busca de um porquê racional, a ética como reflexão sobre o certo e o bem e a teologia como reflexão sobre causas e fins últimos são uma série de tentativas que, como homens, temos implementado para conviver com a nossa inquietação.
Somos seres que veem e descrevem com desejo infinito e capacidades limitadas, chegamos, citando Leopardi, a ponto que “do último horizonte o olhar me veda”. É dentro desse horizonte que deve ser olhada e compreendida a Mensagem do Santo Padre para o 58º Dia Mundial das Comunicações Sociais que tem como título “Inteligência artificial e sabedoria do coração: para uma comunicação plenamente humana”.
A complexidade do presente, o fato de estar num contexto hipertecnologizado, o fato do mundo digital e das inteligências artificiais estarem mudando a nossa relação com a palavra, narrada ou escrita, o fenômeno das fake news e toda a complexidade da galáxia digital, exigem que percorramos uma via que assuma a linguagem e a tecnologia como peculiares fenômenos humanos.
Não porque animados por um desejo de entender como eles funcionam. Mas por que, parafraseando Wittgenstein nos seus Cadernos, sabemos que, mesmo que todas as possíveis perguntas científicas tivessem tido uma resposta, o verdadeiro problema do nosso ser humanos nem sequer estaria sendo tocado. É nesse nível que o Papa Francisco nos lembra como, para enfrentar esses questionamentos que hoje se colocam entre uma máquina que a cada dia se parece mais com o homem e uma pessoa que algumas perspectivas gostariam de reduzir a processos maquínicos, se deva recorrer à sabedoria do coração. Para enfrentar as perguntas que a máquina nos faz devemos olhar para profunda compreensão da natureza humana e das relações interpessoais.
Buscar a sabedoria do coração não é apenas buscar um conhecimento intelectual, mas uma sabedoria que nasce da consciência daquilo que somos: para responder sobre as máquinas devemos partir daquilo que nos torna humanos. A sabedoria do coração é, portanto, o que é necessário para enfrentar as grandes questões da vida. Só assim poderemos abrir espaço às perguntas que Francisco nos confia neste momento tão desafiador para as comunicações sociais: “Como proteger o profissionalismo e a dignidade dos trabalhadores no campo da comunicação e da informação, junto com aquela dos usuários em todo o mundo? […] Como fazer com que as empresas que desenvolvem plataformas digitais assumam as suas responsabilidades em relação ao que distribuem e do qual haurem lucro, da mesma forma ao que acontece com os editores das mídias tradicionais? Como tornar mais transparentes os critérios subjacentes aos algoritmos de indexação e desindexação e os motores de busca, capazes de exaltar ou cancelar pessoas e opiniões, histórias e culturas? Como garantir a transparência dos processos de informação? Como deixar evidente a autoria dos escritos e rastreáveis as fontes, impedindo o anteparo do anonimato?”. Em resumo, devemos nos perguntar como poder sermos plenamente humanos, na temporada das inteligências artificiais.
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Começar pelo que nos torna humanos. A temporada das inteligências artificiais. Artigo de Paolo Benanti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU