04 Janeiro 2024
"Existem escritos apócrifos do Primeiro e do Segundo Testamentos mas eles não foram aceitos no cânon cristão. (...) Os motivos que levaram seus autores a escrevê-los são os mais diversos, desde o interesse de dar maiores informações sobre os personagens bíblicos, além dos que se encontram nos escritos canônicos; manter viva a esperança messiânica; dar maior importância a determinadas leis e costumes; até mesmo de propagar erros doutrinais com o objetivo de enganar os fiéis. Estes escritos não entraram em nenhum cânon que provém da Bíblia Hebraica", escreve Frei Gilvander Moreira.
Gilvander é frei e padre da Ordem dos Carmelitas, doutor em Educação pela FAE/UFMG, licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR, bacharel em Teologia pelo ITESP/SP, mestre em exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália, agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas e professor de Teologia Bíblica no Serviço de Animação Bíblica, em Belo Horizonte.
A luta para definir quais são os livros da Bíblia, os considerados inspirados, levou muito tempo, enfrentou sérias disputas e muita discussão. Definir o que é palavra sagrada passa também por relações sociais de poder. Para o bom entendimento dos textos bíblicos faz bem conhecer um pouco dos livros deuterocanônicos e apócrifos, os considerados não inspirados, mas que têm influenciado muito a religiosidade popular.
Não fazem parte dos 39 livros canônicos da Bíblia Hebraica os livros conhecidos como deuterocanônicos. Contudo, foram reconhecidos como livros inspirados desde o 2º século antes da era cristã (a.E.C.), pela comunidade judaica de Alexandria de origem grega. Na tradução da Bíblia hebraica, do texto hebraico para o texto grego, foram acrescidos sete livros à tradução da LXX, que se tornou o texto oficial para os judeus de língua grega. Por outro lado, os judeus de língua hebraica, a partir do 1º século da E.C. se recusaram a admitir no seu cânon estes livros, tidos como não inspirados.
São diversas as razões da exclusão dos livros deuterocanônicos do cânon da Bíblia Hebraica: a ausência de um “homem de Deus”/profeta após o exílio até Esdras, que assegurasse o caráter divino dos escritos como sagrados. Ao retomar essa decisão, o historiador Flávio Josefo afirma que depois de rei Ataxerxes no século V a.E.C., os textos não tinham mais a mesma autoridade, porque não tinha mais uma sucessão segura de profetas [1]. Os fariseus, igualmente, colocaram algumas condições, afirmando que o caráter sagrado dos textos está ligado também à língua hebraica, aramaica e à terra da Palestina. Contudo, essas razões não se opõem, de fato, à inspiração, mas revelam que prevaleceu a corrente contrária aos deuterocanônicos.
Fazem parte dos livros deuterocanônicos que não entraram na Bíblia hebraica: fragmentos do livro de Ester que foram escritos em língua grega; I-II Macabeus; Sabedoria; Eclesiástico; Baruc (= Baruc 1-5); Judite; Carta de Jeremias (Br c.6); Daniel (Dn 3,24-90 escrito em grego; História de Suzana c. 13; Bel e o Dragão: c.14). Assim o cânon da Bíblia Hebraica ficou estabelecido com os trinta e nove livros do Primeiro Testamento.
Existem escritos apócrifos do Primeiro e do Segundo Testamentos [2] mas eles não foram aceitos no cânon cristão. Os apócrifos do Primeiro Testamento começaram a surgir do segundo século a.E.C. até o terceiro século da E.C. Os motivos que levaram seus autores a escrevê-los são os mais diversos, desde o interesse de dar maiores informações sobre os personagens bíblicos, além dos que se encontram nos escritos canônicos; manter viva a esperança messiânica; dar maior importância a determinadas leis e costumes; até mesmo de propagar erros doutrinais com o objetivo de enganar os fiéis. Estes escritos não entraram em nenhum cânon que provém da Bíblia Hebraica.
Mesmos que eles não tenham sido aceitos, há alguns elementos que são favoráveis para a melhor compreensão dos textos, pela abundância de informações sobre o ambiente religioso, cultural e social da época em que nasceram. Alguns textos litúrgicos são tomados dos escritos apócrifos como o pedido do descanso eterno aos defuntos: “Dai-lhes, Senhor, o descanso eterno” tirado da 4ª carta de Esdras 2,34; o canto de entrada da 1ª terça-feira depois do dia de Pentecostes. A carta de Judas v. 9 cita o livro da “Assunção de Moisés”; no v. 14 cita o livro apócrifo de “Henoc”.
Entre os principais apócrifos do Primeiro Testamento Bíblico encontram-se: O Livro dos Jubileus ou Apocalipse de Moisés, que apresenta a história dos patriarcas até a revelação no Sinai, em 49 períodos de anos, de cada um deles. O objetivo é o de preservar a lei mosaica e exaltá-la. Sua importância está também no fato de apresentar o calendário hebraico do 2º século a.E.C.
O terceiro livro de Esdras trata do Templo de Jerusalém do período do rei Josias, até um pouco antes de sua destruição, e vai até a reconstrução do Templo no pós-exílio, tempo de Esdras, portanto do século VII ao V a.E.C. O quarto livro de Esdras fala das sete revelações do Anjo Uriel a Esdras para reascender as esperanças messiânicas do povo judeu. O Messias virá para exterminar todos os inimigos e reunir as tribos dos povos de Deus. Ele é do primeiro século da Era Cristã e gozou de grande prestígio na época.
O terceiro livro dos Macabeus é conhecido por este nome pelos códigos gregos. Mas não fala deles e sim de um fato milagroso inventado sobre o rei Ptolomeu IV do Egito (221-205 a.E.C.), que teria ordenado que os judeus de Alexandria fossem todos mortos por 500 elefantes, mas pela intervenção divina não teriam conseguido atingir nenhum judeu. Este escrito nasce no 1º séc. da E.C.
O Livro de Henoc ou Henoc etíope trata-se do 7º patriarca antes do dilúvio, fala de suas visões e revelações celestiais. Mas traz também temas diversificados como: juízo divino, o destino dos bons e maus na vinda escatológica do Messias, conhecido como “O eterno”, “O Filho do Homem”. Trata ainda dos anjos, da astronomia, da história da humanidade das origens até o Messias e traz exortações morais. É do 1º século a.E.C., provavelmente escrito em aramaico e traduzido para muitas línguas.
O Livro de Henoc apresenta também conteúdos sobre a teologia, a escatologia, a doutrina messiânica característica do período anterior à chegada de Jesus. A grande contribuição da obra é apresentação do contexto religioso e cultural no qual se desenvolveu o ministério público de Jesus, por isso ele é considerado o apócrifo judaico mais importante. Diversos autores cristãos até descrevem trechos da obra em seus escritos, e o consideram de grande autoridade. Ele é citado na carta de Judas.
Os Oráculos Sibilinos são formados por 14 livros, faltando o nono e o décimo volume. Os Oráculos trazem vaticínios de origem judaica e cristã, sem constarem elementos pagãos e gnósticos. Tentam apresentar uma teologia da história. Afirma que os injustos serão vencidos na chegada do Messias e no juízo final. Na parte cristã fala também da vida e da morte do Messias. Os elementos mais antigos são do século II a.E.C. e os mais recentes do II e III séculos da E.C.
O Testamento dos doze Patriarcas apresenta os ensinamentos que cada um dos 12 Patriarcas teria deixado aos chefes das 12 tribos dos Povos da Bíblia e aos seus filhos antes de morrerem. São orientações morais e particulares de interesse messiânico e escatológico. Muitos aspectos influenciaram no ensinamento cristão. São de origem semita e de escritos judaicos do II século a.E.C., embora tenham chegado na língua grega. Eles sofreram ampliações e adaptações de fundo cristão.
Os Salmos de Salomão são 18 textos que imitam os salmos de Davi, copiam a sua forma, gêneros literários e tipo de frases. O seu autor tem um apego à lei, firme esperança messiânica e defende o nacionalismo. Trata também da prosperidade dos injustos, da humilhação dos bons e da cidade Santa, por causa da invasão do general Pompeu por volta do ano 63 a.E.C. A língua original era o aramaico ou o hebraico, e hoje existem apenas as traduções.
Odes de Salomão são 42 hinos em louvor a Jesus, onde ele é chamado de “Verbo” e “Sabedoria de Deus”. Eles se caracterizam por um vago misticismo com influências do gnosticismo. Foram escritos em grego e são do II século da E.C.
Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.
1 – Bíblia: privatizada ou lida de forma crítica libertadora? Por frei Gilvander, no Palavra Ética
2 - Deram-nos a Bíblia. “Fechem os olhos!” Roubaram nossa terra. Xukuru-Kariri, Brumadinho/MG. Vídeo 5
3 - Agir ético na Carta aos Efésios: Mês da Bíblia de 2023. Por frei Gilvander (Cinco vídeos reunidos)
4 - Andar no amor na Casa Comum: Carta aos Efésios segundo a biblista Elsa Tamez e CEBI-MG - Set/2022
5 - Toda a Criação respira Deus: Carta aos Efésios segundo o biblista NÉSTOR MIGUEZ e CEBI-MG, set 2022
6 - Chaves de leitura da Carta aos Efésios, segundo o biblista PEDRO LIMA VASCONCELOS e CEBI/MG –Set./22
7 - Estudo: Carta aos Efésios. Professor Francisco Orofino
8 - Carta aos Efésios: Agir ético faz a diferença! - Por frei Gilvander - Mês da Bíblia/2023 -02/07/2023
9 - Bíblia, Ética e Cidadania, com Frei Gilvander para CEBI Sudeste
10 - Contexto para o estudo do Livro de Josué - Mês da Bíblia 2022 - Por frei Gilvander - 30/8/2022
11 - CEBI: 43 anos de história! Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos lendo Bíblia com Opção pelos Pobres
[1] Cf. Sl 74,9.
[2] VVAA. I libri Apocrifi. In: Il Messaggio della Salvezza vl.1., Elle Di Ci: Torino, 1990. p. 285-289.
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Livros deuterocanônicos e apócrifos do Primeiro Testamento da Bíblia. Artigo de Gilvander Moreira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU