16 Dezembro 2023
"Em Lujan, onde foi ordenado sacerdote no distante dezembro de 1943, Pironio retornou oitenta anos depois para receber as honras de beato da Igreja, após a cura milagrosa de uma criança argentina de um ano e meio da cidade litorânea de Mar del Plata", escreve Alver Metalli, jornalista, em artigo publicado em seu blog, 13-12-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Coincidências da história! Em Lujan, onde foi ordenado sacerdote no distante dezembro de 1943, Pironio retornou oitenta anos depois para receber as honras de beato da Igreja, após a cura milagrosa de uma criança argentina de um ano e meio da cidade litorânea de Mar del Plata. Uma cerimônia simples e concorrida, presidida pelo cardeal espanhol Fernando Vérgez, que foi seu antigo secretário.
O nome de Pironio está indissociavelmente ligado às Jornadas Mundiais da Juventude que ele próprio promoveu durante a sua vida. Para a segunda edição, a de 1987, propôs a Argentina e João Paulo II celebrou missa no coração de Buenos Aires, diante de uma concentração multitudinária na famosa Avenida 9 de Julho. Pironio acabava de ser nomeado Presidente do Pontifício Conselho para os Leigos pelo Papa polonês que naquela ocasião exclamou com seu característico vozeirão: “No más desaparecidos”, em alusão aos crimes da ditadura militar.
Pirônio na Ação Católica Argentina (Foto: Ação Católica Argentina)
Nesse ponto, falando de Pironio, permito-me uma referência pessoal. No início da minha carreira como jornalista tive que lidar com ele, já que colegas mais familiarizados com os assuntos do Vaticano o consideravam um papável, juntamente com Baggio, Siri e Pignedoli. Havia morrido Paulo VI, que tinha Pironio como confessor, e seu nome aparecia no quarteto de candidatos para sucedê-lo. Depois sabemos o desfecho, o escolhido foi o patriarca de Veneza Albino Luciani que assumiu o nome de João Paulo I. Pouco mais de um mês depois houve um novo conclave, e também nesse caso o nome de Pironio voltou às matérias dos vaticanistas, e às minhas entre as deles. Sabemos que o Espírito Santo dispôs de forma diferente e dessa vez recaíram sobre um cardeal polonês as honras e os encargos do pontificado. João Paulo II o começou com uma viagem à América Latina, a Puebla (1979), no México, onde todos os bispos do continente estavam reunidos para a terceira conferência geral. Pironio havia se dedicado bastante, como anteriormente na cúpula de Medellín (1968), quando era secretário-geral do Celam (1967), organização que presidiu a partir de novembro de 1972. Puebla foi um dos momentos mais altos da contribuição da Igreja latino-americana à Igreja universal, um momento de assimilação do Concílio Vaticano II, até então bastante distante da reflexão da Igreja. Pironio, como padre conciliar que foi, dará o seu aporte promovendo no Celam uma equipe de reflexão teológico-pastoral, uma espécie de think tank da Igreja latino-americana que operará uma retomada original dos temas da libertação, da Igreja do povo, da religiosidade popular, da missão ad gentes. Pironio também chegará à assembleia de Santo Domingo, a quarta, com outro Papa, o alemão Josef Ratzinger, mas a essa altura a sua saúde já começava a declinar.
Outro momento crucial na vida de Pironio foi a presidência do Pontifício Conselho para os Leigos por decisão de João Paulo II em 1984. A princípio pareceu-lhe "que tinha regredido a uma posição de segunda classe" – disse isso numa entrevista – mas depois perceberia que se tratava de uma promoção, “porque os leigos são a maioria do povo de Deus”. Afinal, eram os anos dos movimentos eclesiais e João Paulo II via neles um fator importante de renovação da Igreja.
Pironio era um homem da Ação Católica, mas também se relacionou com a Comunhão e Libertação (CL) e com os fundadores de outros movimentos. Conheceu, por exemplo, Dom Giussani, fundador da CL. É interessante a lembrança de quem foi primeiro secretário e depois vice-presidente do órgão responsável pelo laicato nos anos de Pironio e além. “Pironio foi convidado várias vezes – creio que quatro – para presidir à celebração da Eucaristia final dos Exercícios anuais da Fraternidade”, o gesto característico da CL, recorda Guzman Carriquiry. “No início Pironio tinha um pouco de desconfiança em relação à CL, porque sempre tinha sido muito próximo da Ação Católica, mas depois soube apreciar o movimento”.
Na década de 1980, Pironio presidiu a temporada missionária da CL. Em setembro de 1984, ao receber o movimento na sala Nervi, o Papa proferiu palavras de confirmação da bondade do caminho do movimento eclesial de Dom Giussani. Convidou os membros a continuar com empenho no caminho percorrido, destacou no método de educação à fé proposto por Dom Giussani uma riqueza para toda a Igreja; portanto, ampliou a perspectiva para a presença do movimento em outros países que sabia ser “cada vez mais consistente e significativa”. No final, observa o biógrafo de Giussani, Alberto Savorana, “o Pontífice pronunciou palavras que tinham todo o peso de um mandato: ‘Ide por todo o mundo levar a verdade, a beleza e a paz que se encontram em Cristo Redentor’”. Um mandato que Giussani transformou numa entrega precisa aos seus: “É preciso esvaziar a bota, é preciso virar a Itália de cabeça para baixo e fazer com que todos saiam para ir no mundo inteiro”. Muitos países latino-americanos, entre eles a Argentina, conheceram a experiência da CL nesses anos. Também o decreto de reconhecimento dos Memores Domini da CL de dezembro de 1988 trazia a assinatura de Pironio. Será sempre Pironio, com uma carta a Dom Giussani, quem o convidaria – e com ele o seu movimento – para a preparação para a jornada mundial dos movimentos programada em Roma para 1998.
Cardeal Pirônio (Foto: Ação Católica Argentina)
Pironio deu uma última contribuição à Igreja argentina com a nomeação de Bergoglio em Buenos Aires após a morte de Antonio Quarracino em fevereiro de 1988. Foi ele quem teve a responsabilidade de propô-lo no plenário da Congregação para os Bispos para a sucessão em Buenos Aires. Também preciosa nesse caso a confidência de Carriquiry. “Pironio estava indeciso, por um lado emocionado pela sua estreita amizade com Quarracino, por outro oprimido pelas críticas que lhe eram dirigidas por alguns dos seus líderes espirituais. Expressei-me decididamente a favor de Bergoglio. Acredito que o Cardeal Pironio, inspirado por Deus e confortado pelo fato de a grande maioria dos sacerdotes da arquidiocese ter apoiado o nome do bispo auxiliar de Buenos Aires, tenha tido a liberdade de propor Bergoglio como primeiro candidato para aquela importante responsabilidade pastoral".
A saúde de Pironio começou a declinar visivelmente após a Jornada Mundial da Juventude de Denver em 1993. Ele morreu no Vaticano, em Roma, em 5 de fevereiro de 1998, de um excruciante tumor ósseo, que o obrigou a ficar de cama durante os últimos cinco meses de sua vida. Com surpreendente coragem diante do sofrimento, permaneceu lúcido até o fim. Guzman Carriquiry complementou: “Suportava tudo com discrição, com aquele profundo senso espiritual que o caracterizava e irradiava dele, especialmente na pregação e na direção espiritual. Lembro-me que um dia ele me pediu que me interessasse para que o padre Fernando Vérgez permanecesse no nosso dicastério, para ele mais um filho do que seu secretário pessoal. Fiquei muito comovido porque, enquanto acompanhava o saudoso Cardeal ao Palácio do Santo Ofício, o Padre Vérgez me pediu que lesse o testamento de Pironio”.
O Pe. Fernando Vérgez é quem presidirá a cerimônia de beatificação de Pironio na basílica de Luján no próximo sábado.
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Sobre o beato Pironio e os movimentos na Igreja. Artigo de Alver Metalli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU