13 Dezembro 2023
O presidente Lula anunciou um plano de 200 milhões de dólares para lhes proporcionar assistência social, embora esteja prevista apenas a construção de 150 moradias.
A reportagem é de Joan Royo Gual, publicada por El País, 12-12-2023.
A paisagem dos centros das grandes cidades brasileiras é bastante eloquente: centenas de pessoas abrigadas sob arcadas, viadutos ou pontes, autênticos acampamentos de plástico e papelão nas praças mais centrais e, em alguns casos, bolsões extremos de miséria e dependência de drogas, como como a famosa Cracolândia de São Paulo, um punhado de ruas dominadas por usuários de crack. O problema dos sem-abrigo não é novo e é óbvio, mas os dados mostram que piorou enormemente nos últimos anos. O número de pessoas sem-abrigo multiplicou-se por dez numa década, passando de quase 22 mil em 2013 para mais de 227 mil este ano. Os dados são do Ipea, órgão de pesquisa econômica do Governo. Para resolver este problema, o Governo de Luiz Inácio Lula da Silva apresentou na segunda-feira um plano no valor de 982 milhões de reais (200 milhões de dólares) denominado Ruas Visíveis. Os seus objetivos centrais estão mais dedicados a prestar assistência do que a reintegra-los na sociedade ou a travar o aumento.
Metade do orçamento anunciado pelo presidente Lula será destinada à alimentação, reforçando a destinação aos Estados e municípios, que administram abrigos e refeitórios. Além disso, serão capacitados 5 mil profissionais de saúde para atuar nas ruas e será criada uma política de saúde exclusiva para moradores de rua.
Quase metade (47,3%) dos brasileiros em situação de rua que vivem nas ruas explicam sua situação por problemas familiares ou problemas com seus parceiros amorosos. O desemprego (40,5%), a dependência de álcool e drogas (30,4%) e a perda de moradia (26,1%) continuam na lista dos motivos. A idade média é de 41 anos, a maioria são homens, e o estudo mostra também que, como quase sempre, as diferenças raciais andam de mãos dadas com a desigualdade: 69% dos moradores de rua no Brasil são negros, dez pontos por cento acima do seu peso demográfico. Os autores do estudo concluem que a explosão de pessoas que vivem nas ruas é explicada pela estagnação econômica – o Brasil não cresce fortemente há quase uma década – e pelos efeitos da pandemia de covid-19.
O Ipea alerta que os dados que contabilizam esse grupo em 227 mil pessoas não podem ser lidos como um censo oficial porque muitos dos atingidos escondem das instituições o fato de viverem nas ruas: pela vergonha do estigma social ou no caso das mulheres , porque Por exemplo, por medo de perder a guarda dos filhos.
Parte importante dos recursos será destinada a campanhas contra a aporofobia (discriminação de moradores de rua), à criação de pontos de apoio como banheiros ou lavanderias, abrigos para a população LGTBQIA+, cursos de alfabetização e programas de regularização de documentos. Também é proibida a chamada arquitetura hostil: a utilização de materiais ou estruturas destinadas a impedir que moradores de rua durmam em determinado local.
A política habitacional, que a priori parece ser central para resolver o problema, é, dos sete eixos do plano, o quinto com menor orçamento. São 3,7 milhões de reais (750 mil dólares), com os quais o objetivo é incluir os sem-teto em programas sociais de habitação pública e construir 150 casas em todo o Brasil, “com prioridade para famílias com crianças e mulheres grávidas”. A seção destinada a cursos de formação, promoção de cooperativas e associações e inserção no mercado de trabalho tem uma dotação ainda menor, de 1,2 milhão de reais (US$ 243 mil).
A explosão no número de pessoas em situação de rua coincide com um momento em que grandes cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte ou Recife executam planos urbanos para atrair moradores para os bairros mais centrais, geralmente abandonados e com muito poucos vizinhos. São concedidos incentivos milionários e isenções fiscais às empresas de construção para as encorajar a reabilitar os edifícios históricos quase em ruínas e a convertê-los em áreas residenciais e a construir novas habitações nos numerosos lotes.
Em geral, nestes planos, a criação de habitação pública para os mais baixos rendimentos prima pela sua ausência, ainda mais se for para proporcionar espaço temporário a quem mendica nesses mesmos centros degradados. Unificar as intenções do governo federal com as dos estados e municípios é outro dos principais desafios. A anterior política nacional para os sem-abrigo estava em vigor desde 2009, mas nos últimos anos apenas cinco estados e 15 cidades a implementaram.
O novo programa idealizado na sede de Brasília pelo Ministério dos Direitos Humanos tem um forte caráter assistencial que pode não corresponder plenamente aos anseios das autoridades municipais. No Rio, o prefeito Eduardo Paes, aliado de Lula, gerou polêmica semanas atrás ao propor um mecanismo que permitiria que dependentes químicos que se recusassem a ir para abrigos fossem retirados à força das ruas para receber tratamento. Em julho deste ano, o Supremo Tribunal acolheu recurso de partidos e movimentos sociais de esquerda e proibiu a remoção e transporte forçado de pessoas sem-abrigo, bem como o confisco dos seus bens.
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Moradores de rua no Brasil se multiplicam por dez em uma década e ultrapassam 200 mil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU