22 Novembro 2023
“Deus criou dois gêneros, masculino e feminino e não 60 gêneros”. O teólogo alemão Cardeal Gerhard Müller, ex-prefeito do Dicastério da Fé e curador da imensa obra teológica de Joseph Ratzinger, levanta dúvidas e contesta o arranjo doutrinário que foi aplicado ao último documento do Vaticano sobre as pessoas trans, liberado pelo cardeal argentino Manuel Fernández com aprovação papal. “Toda mutilação ao corpo humano é e continua sendo um pecado aos olhos de Deus. Naturalmente, existem casos muito raros na natureza de indivíduos que nascem com aspectos masculinos e femininos: os hermafroditas. Obviamente estamos falando de pequenas porcentagens. Na natureza, as crianças também nascem sem braços ou com outras deficiências. Isso não significa que a Igreja deva legitimar a realidade de base com a qual todos fomos criados, ou seja, o masculino e o feminino”.
A entrevista é de Franca Giansoldati, publicada por Il Messaggero, 21-11-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eminência, no último documento do Vaticano solicitado por um bispo brasileiro, autoriza-se um transexual a receber o batismo desde que não gere escândalo público...
Os hermafroditas nascidos com essa peculiaridade podem receber o batismo, mas não aqueles que mutilaram o corpo. Pergunto-me se aquela resposta foi dada porque há transsexuais que pedem aos padres ou aos bispos um segundo batismo, mas com o novo nome social ou querem alterar o documento de batismo no arquivo paroquial.
A doutrina mudou?
Mutilar-se é um pecado grave aos olhos de Deus. Posso certamente cortar a minha orelha, mas é um pecado. O corpo humano é um templo do Espírito Santo. Há pessoas que mudam de rosto e passam por operações para se transformarem até em um réptil, como aquele cidadão francês que passou por tantas cirurgias porque queria se parecer com um alienígena.
Parece-me, além disso, que por detrás desse fenômeno existe uma indústria próspera que fatura milhões e milhões...
O texto do Vaticano autoriza o batismo para essas pessoas?
Na minha opinião é essencialmente um texto ambíguo: não o afirma explicitamente, mas as consequências são essas. Além disso, é confuso e prejudicial que o Magistério se baseie na terminologia de uma antropologia niilista e ateísta, parecendo conceder ao seu falso conteúdo o status de opinião teológica legítima na Igreja.
Em outra passagem fala sobre útero de aluguel...
Obviamente que não o autoriza, mas pela forma pouco clara como foi formulada a resposta, mencionando o útero de aluguel, é como se indiretamente o aceitasse ou pudesse ser interpretado assim.
Mas que culpa podem ter as crianças nascidas por essa prática?
É evidente que os bebês assim gerados e de fato comprados por casais de homossexuais não têm nenhuma culpa, mas dois homens que vivem como um casal formado por um homem e uma mulher não podem pedir o sacramento do batismo porque não podem dar nenhuma garantia de dar uma educação católica para aquele pequenino. Os pais educam os filhos também com o seu exemplo, não apenas mandando-os à paróquia ou ao catecismo. Deve-se viver como cristãos. A Igreja não pode deixar nenhuma dúvida sobre o direito natural de uma criança de crescer com os seus pais biológicos ou, em caso de emergência, com os seus pais adotivos, que em sentido moral e legal ocupam legitimamente o seu lugar. Qualquer forma de maternidade de substituição ou a produção de uma criança em laboratório (como uma coisa) para satisfazer desejos egoístas é, do ponto de vista católico, uma grave violação da dignidade pessoal de um ser humano que Deus quis que existisse física e espiritualmente através de sua mãe e pai para chamá-lo para ser filho de Deus na vida eterna.
O senhor evidencia uma ruptura doutrinária com o passado?
Eu me pergunto por que motivo o novo prefeito do Dicastério da Fé não publicou por inteiro, na íntegra, as perguntas que o bispo brasileiro a quem forneceu as respostas lhe havia submetido.
Na sua opinião, as respostas dadas ao bispo e, consequentemente, a todos os bispos devem ser consideradas históricas?
Para mim sim. O novo Prefeito do Dicastério da Fé justificou essas escolhas fazendo contínuas citações a Ratzinger, além de Santo Agostinho, mostrando assim uma continuidade doutrinária, mas isso não parece verdade em todos os aspectos. É uma manipulação substancial. Ele se referiu ao então prefeito Ratzinger e aos seus documentos sobre o tema, como se se colocasse numa única direção, mas em seus documentos Ratzinger dizia exatamente o oposto em relação a essas delicadas questões.
Por que os teólogos não o contestam?
Temo que aquele texto tenha sido elaborado sem amplas consultas, como sempre foi a praxe naquele Dicastério. Talvez ele tenha ouvido outros consultores. Eu não saberia. Tudo é estranho.
Poderia ser invalidado?
No final do documento há a assinatura do Papa, portanto nada pode ser feito. Mas pode ser solicitado um esclarecimento, uma vez que os crentes têm direito a uma justificação argumentativa da continuidade da doutrina revelada.
Essas respostas doutrinárias sobre pessoas trans e útero de aluguel podem cancelar os documentos anteriores?
Evidentemente. A Congregação da Fé tratou repetidamente desses temas no passado, incluindo aquele dos transsexuais. Havia documentos claríssimos. É sempre inteligente e sábio referir-se aos documentos do teólogo, Prefeito e Papa Ratzinger usando-o como testemunho, mas é preciso também interpretá-lo na sua compreensão profunda. A verdade é essa.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Cardeal Müller: “Os trans? Deus criou apenas homens e mulheres e não 60 gêneros” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU