28 Outubro 2023
"Há quem esteja interessado em fazer bagunça no processo sinodal. Arquitetando narrativas, construindo fakenews, ou mesmo fazendo de seus seguidores digitais um exército, dispostos no bom combate, é a esses que a Comissão para a Controvérsia se dirige", escreve Ruan de Oliveira, estudante de Filosofia da PUC Minas, membro da Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara e membro do CONIC-MG.
Aqueles poucos que buscaram se informar sobre a fase da XVI Assembleia do Sínodo dos Bispos que acontece em Roma não raras vezes encontraram mais medo que esperança nas narrativas construídas em cima das discussões e entrevistas dos sujeitos sinodais.
Na abertura da assembleia, que aconteceu após uma etapa de escuta de todo povo católico, há uma novidade que passou despercebida por muitos teólogos, jornalistas, sociológos e vaticanistas. Além da disposição circular das cadeiras, os sujeitos sinodais encontram um grupo de trabalho responsável por cuidar das controvérsias acerca do sínodo.
Chamada de “Comissão para as controvérsias”, o grupo foi apresentado ainda no primeiro dia da discussão, sua efetivação deu-se a partir de uma decisão do Santo Padre fundamentada no Artigo 18 do documento que rege a instância sinodal.
Mantendo a lógica dialética de quem precisa esclarecer algo, ao deixar as cartas na mesa, desfazer a bagunça e mostrar o óbvio em tempos de tantas narrativas, a Igreja se coloca com a Comissão para as controvérsias diante de um público cada vez mais desconfiado da própria assembleia. Aqui talvez haja o maior paradoxo desse sínodo: é o Sínodo sobre a sinodalidade com a desconfiança distribuída de forma sinodal.
No entanto, a necessidade de uma comissão própria para o esclarecimento e para as controvérsias mostra algo interessante. Há quem esteja interessado em fazer bagunça no processo sinodal. Arquitetando narrativas, construindo fake news, ou mesmo fazendo de seus seguidores digitais um exército, dispostos no bom combate, é a esses que a Comissão para a Controvérsia se dirige.
Uma tipologia desses personagens contrassinodais se faz necessária, além do pânico moral, próprio da propaganda interesseira desses grupos, eles têm como um de seus objetivos preservar uma ordem pronta e estável. Esquecendo-se dos movimentos históricos e dos influxos e inspirações do próprio Espírito, eles consideram que a história esteja terminada e, consequentemente, estável. Se está pronta e acabada, o que é preciso fazer é somente conservá-la, por isso é algo impensável na cabeça desses a ideia de uma Igreja Santa inerrante escutando os outros.
A tese de uma Igreja-pronta não comporta uma Igreja-escutante, em outras palavras, não há processo sinodal para caminhar juntos se já chegamos no fim da nossa viagem.
Conservar esse modelo de Igreja torna-se então imperativo e isso implica que as instâncias hierárquicas sejam respeitadas, a lógica piramidal não comporta a circularidade. Algo difícil de se conceber na mente desses é o Sumo Pontífice, supremo guardião da fé e doutrina ouvindo e não ditando doutrinas.
Se a presença de grupos reacionários se faz notar em todo orbe católico, quanto mais em Roma, a capital da cristandade. Roma que viu a tempos atrás o aggionarmento do Vaticano II hoje assiste a grupos manifestando-se contra a assembleia sinodal e fazendo cruzadas de oração aos pés da São Pedro.
A esses, a Verdade (com V maiúsculo) interessa-lhes somente na medida que seus projetos prosperam e para fazer seus interesses acontecerem eles minam a Verdade com falsas narrativas construídas sob o medo e o terror de que a Igreja venha a ruir.
Temas polêmicos sobre a assembleia sinodal voltam a circular não a assembleia, mas os telhados de Roma e os gabinetes da mentira espalhados sobre o mundo, além de pseudojornalistas e vaticanistas que nem sequer são credenciados juntos à Santa Sé e que arrogaram para si a cobertura do processo sinodal.
Enquanto isso, aqueles que defendem o óbvio, fazem a verdade correr e sendo justos com o processo embora poucos ainda existem. Se a verdade sem caridade, é crueldade e a caridade sem verdade é mentira, esses fazem aquilo que não passará: cuidam em ser cooperadores da verdade e não influenciadores da mentira.
Por fim, há por trás de todos os discursos permeados por mentira uma base comum: o medo de que a (I)greja venha ruir com o sínodo.
Que venha!
“Acabou-se o que era velho, e já chegou o que é novo” (1 Cor 5,17)
Ao se colocar no processo sinodal a Igreja aprende kenoticamente a ser a servidora, a ouvir e não aquela que traz fórmulas prontas para perguntas que ainda nem foram feitas. Essa XVI assembleia pode vir a ser a última pá de cal sobre o projeto de uma cristandade falida que desconfia do homem contemporâneo. Um dos principais frutos do sínodo talvez seja a mudança de mentalidade de uma Igreja autorreferencial para uma que escuta e se abre à dinâmica da vida e da história.
Para isso, a Verdade sobre o que acontece no sínodo volta a correr aliada à caridade da bacia do lava-pés e não aliada à lógica do poder. Uma Igreja sinodal e não piramidal, anuncia finalmente aquela novidade do domingo de páscoa: há uma outra realidade no ar.
Enfim, que o túmulo dessa Igreja que já ruiu venha anunciar a Vida que vence a morte.
[1] Essa é a primeira vez que as pessoas participantes da assembleia do sínodo não são apenas chamadas de “padres sinodais”, em outras assembleias a participação restrita aos bispos e clérigos os conferia tal título. A escolha por “sujeitos sinodais” no presente artigo tem uma dimensão estética e destaca uma abertura nunca vista em tais instâncias.
[2] Sobre o critério para a escolha dos 363 participantes sinodais, explicou o Cardeal Grech que o sínodo traz como seus rostos ‘uma mistura’ em termos locais, de carismas, estados de vida e gênero.
[3] A ideia do "fim da história", de Francis Fukuyama, apresentada em seu ensaio de 1989, sugere que a democracia liberal ocidental, com seu sistema político baseado em eleições e economia de mercado, representa o estágio final da evolução política e social da humanidade. Fukuyama argumenta que, após o colapso do comunismo e a Guerra Fria, não há mais ideologias ou sistemas políticos substancialmente diferentes que possam rivalizar com o sucesso desse modelo, de modo semelhante os tradicionalistas apontam para a mesma ideia de que a religião católica romana já chegou no seu estágio final e que a ela nada pode ser tirado ou acrescentado. A ideia do fim da história no catolicismo é uma tendência desses grupos.
[4] O uso do termo tradicionalista tem um caráter extremamente importante. Entendemos que a busca pela Tradição que é sequestrada por esses grupos, na verdade é algo próprio não deles, mas próprio de uma Igreja sinodal que volta inclusive a textos de antes de Trento. O tradicionalista não está interessado na Tradição Cristã, mas em apenas um modelo eclesial tridentino. Usando a distinção feita pelo teólogo russo Berdiael, entendemos que Tradicionalismo é a fé morta dos que ainda vivem. Tradição é a fé viva dos que já morreram.
[5] Em uma lógica binarista política, esses grupos defendem que a Assembleia Sinodal é manifestação somente de uma esquerda identitária com membros aliados à correntes da Teologia da Libertação, Teologia do Povo, Teologia Ecofeminista etc. e esquecem que, embora possa haver a presença desses a assembleia, é um espaço amplo que acolhe inclusive membros de correntes que são seguidos por esses, vinculados a uma visão mais ortodoxa ou mesmo vinculados a correntes de uma teologia ratzingeriana e tantas outras, por exemplo.
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E se essa (I)greja ruir? Artigo de Ruan de Oliveira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU