27 Outubro 2023
Um bispo nos Camarões suspendeu dois de seus padres por se recusarem a deixar a diocese dos Estados Unidos à qual estavam emprestados. Esses casos são comuns?
A reportagem é de Lucie Sarr, publicada por La Croix International, 26-10-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Embora não sejam universais, os casos de padres que se recusam a voltar à África depois de suas missões temporárias na Europa e nos Estados Unidos não são isolados.
Dom Michael Miabesue Bibi, bispo de Buea (Camarões), suspendeu no início de outubro dois padres de sua diocese exatamente por esse motivo. Apesar das repetidas advertências de sua parte, os dois clérigos “não retornaram da Diocese de Charlotte (Carolina do Norte, Estados Unidos), para onde foram enviados como padres fidei donum, para assumirem suas novas funções na diocese de incardinação”.
Essa situação não é inédita. Kennedy Akwo, padre da diocese camaronesa de Mamfé, anunciou sua “renúncia” nas redes sociais digitais há algumas semanas, dizendo que decidiu permanecer nos Estados Unidos, para onde foi enviado em missão.
O arcebispo Ignace Bessi, de Korhogo, então presidente da Conferência Episcopal Católica da Costa do Marfim (CECCI), já tinha lançado o alerta em 2018, quando denunciou o fenômeno dos “padres sem nenhum apego, vagando em dioceses do antigo cristianismo no Ocidente”.
O envio de padres diocesanos como missionários para outras partes do mundo remonta à encíclica Fidei donum do Papa Pio XII. Esse documento, emitido em 1957, incentiva a solidariedade missionária, tanto enviando padres para áreas carentes de pastores, quanto financiando a evangelização em áreas desfavorecidas.
Seis décadas depois, muitos padres africanos estão sendo enviados para a Europa e as Américas como parte da cooperação missionária entre duas dioceses. Cerca de 2.500 padres de dioceses africanas estão em missão só na França.
Os termos dos acordos missionários entre as dioceses africanas e ocidentais, no que diz respeito ao acolhimento dos padres africanos, são multifacetados.
“A prática atual é oferecer acordos de cooperação de três anos, renováveis apenas uma vez”, explicou o arcebispo Bessi. O padre enviado em missão recebe uma remuneração equivalente à de todos os padres da diocese que têm a mesma responsabilidade. “Às vezes, a diocese anfitriã fornece doações à diocese que envia o padre, na forma de estipêndios de missa ou assistência pastoral diocesana”, observou o arcebispo.
Além disso, às vezes é pedido que o padre missionário contribua com parte de seu salário para sua diocese de origem.
O aspecto financeiro desses intercâmbios é criticável, segundo Ludovic Lado, padre jesuíta e teólogo dos Camarões. Em um recente artigo no La Croix International, ele expressou profunda preocupação com os excessos de tal modelo.
“Quando o dinheiro entra em jogo na cooperação missionária, o que está em jogo?”, perguntou ele, antes de dar sua própria resposta: “Ser enviado em missão ao Ocidente é amplamente percebido nos círculos clericais como um privilégio desfrutado apenas por alguns prediletos do ordinário local”.
É claro que nem todos os padres enviados ao exterior se recusam a voltar. “Não conheço nenhum padre africano em missão no Ocidente que se recuse a voltar para a casa apesar da ordem de seu bispo”, disse Adéchina Samson Takpé, padre da Diocese de Dassa-Zoumé, no Benin. Em missão na Alemanha desde 2017, ele alerta contra “generalizações abusivas”.
Émile Dione, um padre senegalês em missão na França, só conheceu um clérigo que se recusou a voltar para a África. “Aqui em Morlaix, fui informado do caso de um ex-padre camaronês que cortou relações com sua diocese”, disse ele. “No fim de sua missão, ele se recusou a voltar para casa. Como resultado, foi punido pelo seu bispo e pela diocese anfitriã”.
Dione, que está na casa dos 60 anos, disse não ter nenhuma intenção de permanecer na França depois que sua missão se concluir. “Não entendo como alguém pode desobedecer ao seu bispo e trair sua vocação para viver no Ocidente”, lamentou, notando que esse tipo de comportamento poderá reforçar o estigma às vezes associado aos missionários da África.
“Pessoalmente, daqui a dois anos vou deixar a França com as mesmas roupas e a mesma mochila, e dirigirei o mesmo carro velho quando voltar para a minha diocese”, insistiu.
Ludovic Lado, no entanto, está convencido de que a questão econômica é a principal razão pela qual alguns clérigos se recusam a voltar para casa. “As condições materiais dos padres africanos em missão no Ocidente são muito superiores a de seus coirmãos no país de origem, e isso desperta muita inveja”, sublinhou.
O arcebispo Bessi concorda. “Na realidade, o contato com o Ocidente, com seus milhares de facilidades financeiras, pode transformar os corações daqueles que, carentes de solidez baseada na oração, acabam caindo no encanto do ‘Mamon’ da iniquidade”, suspirou.
Mas essa não é a única razão, segundo Vast-Amour Adjobi, padre da Costa do Marfim que esteve em missão na França nos últimos dez anos. Ele disse que surgem situações em que há uma traição de confiança por parte do padre ou uma falta de benevolência ou de transparência por parte de um dos dois bispos.
É o caso de outro clérigo marfinense que também trabalha atualmente na França. “No meu caso, eu fiquei muito decepcionado com o meu bispo”, disse o padre, que pediu que seu nome não fosse divulgado. “Não tenho nenhuma intenção de voltar, aconteça o que acontecer. Se for preciso, viverei sem documentos e trabalharei ilegalmente, porque voltar seria a pior coisa do mundo.”
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Padres africanos se recusam a voltar de suas missões no exterior - Instituto Humanitas Unisinos - IHU