27 Outubro 2023
A centralidade romana é uma realidade histórica. A sinodalidade, por outro lado, tem suas raízes nos primeiros Padres da Igreja, assim como no funcionamento histórico das Igrejas locais.
O comentário é de Dom Pascal Wintzer, arcebispo de Poitiers, na França. O artigo foi publicado por La Croix International, 26-10-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Uma das coisas mais divertidas que os estudantes fazem é captar os tiques linguísticos de seus professores, o que muitas vezes fazem rapidamente. Manter o espírito estudantil dá a sensação de permanecer jovem... Sou um daqueles estudantes antigos que rapidamente se cansa de “bordões” repetidos incessantemente, que rapidamente se tornam vazios por serem usados como slogans. Outros sorrirão, com razão, dos meus próprios tiques de linguagem, dado o que escrevo aqui.
Nos últimos anos, por exemplo, quem na Igreja Católica não tinha a palavra “processo” nos lábios? Esse é um sinal claro do sucesso de muitos dos escritos e observações do Papa Francisco! Sabemos que ele gosta de usar essa palavra, que traduz outro mundo bem enraizado na cultura latina: el camino. Há uma teologia sobre a vida da Igreja que se expressa por meio desse vocabulário, e Francisco a expressa substituindo a imagem da pirâmide pela do poliedro. Dito de outra forma, isso é sinodalidade.
Em essência, o processo expressa o caminho no qual a Igreja escolhe falar e viver. Envolve tempo – isto é, duração, paciência, escuta e a capacidade de cada pessoa batizada de ser uma parte interessada e um ator naquilo que lhe diz respeito: toda a vida da Igreja. Uma verdadeira mudança de paradigma é expressa por essas escolhas, e alguns não se enganam ao expressar “dubia” ou dúvidas sobre a validade daquilo que consideram uma alteração do catolicismo.
Contudo, seria errado ver o sistema piramidal como a expressão correta daquilo que deveria estruturar o cristianismo. A centralização romana é um fato, motivado sobretudo pelas vicissitudes da história – a queda do Império Romano, a resistência às Igrejas nacionais e a vontade dos príncipes (e depois das nações) de assumirem o controle, o fim dos Estados Papais, e assim por diante – que, em suma, são relativamente recentes em suas expressões doutrinais (a partir do pontificado de Pio IX, no século XIX, por exemplo).
Outras formas de organização da Igreja e das Igrejas se expressaram no tempo e no espaço. O cristianismo oriental, tão sofrido hoje, é uma manifestação disso.
Longe de ser uma moda passageira ou uma forma de jurar fidelidade à democracia – que palavra horrível para alguns... – a sinodalidade pode ser encontrada nos escritos apostólicos, nos primeiros Padres da Igreja e na forma como as Igrejas funcionam.
A participação de todos, porém, exige uma série de condições para que seja efetiva. Acima de tudo, é preciso que haja um conhecimento real dos assuntos a serem tratados e da profundidade com que devem ser tratados. A formação não é o único meio, mas é imperativa. Não apelar a isso, não permitir e não apoiá-lo – incluindo financeiramente – é privar as pessoas de sua capacidade de se comprometerem e até de falarem, a ponto de algumas pessoas facilmente zombarem: “Eles não sabem do que estão falando!”.
Acima de tudo, porém, gostaria de enfatizar que simplesmente esperar tudo do processo é ao mesmo tempo ilusório e uma distração do pensamento sobre a tomada de decisões. Se o discurso do processo é uma forma de expressar a sinodalidade, não devemos achar que as decisões a serem tomadas, qualquer que seja seu campo ou âmbito, surgirão por si mesmas, como frutos maduros que caem da árvore sinodal que os produziu.
O caminho sinodal anda de mãos dadas com a capacidade de decidir e, portanto, de resolver e, portanto, de desagradar. No entanto, a sinodalidade é esse meio absolutamente necessário que, ao mesmo tempo, autoriza a dar a palavra, a escutar e, esperemos, a permitir que cada pessoa – e eu me refiro a cada pessoa, tanto homens quanto mulheres – faça uma jornada que a moverá desde seu ponto de partida. É isso que possibilita avançar para o compromisso, outra palavra que parece tão horrível para alguns, especialmente em áreas nas quais as escolhas são possíveis.
Mas, repito, não sonhemos que as decisões serão tomadas por si mesmas; elas emanarão de uma autoridade que não será enfraquecida pelo seu isolamento, mas fortalecida pelo processo em que participar honesta e humildemente. Parece-me que duas palavras, ou duas realidades, devem sempre estar unidas: processo e decisão. Não são a mesma coisa, nem deveriam ser, mas cada uma delas é totalmente necessária.
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A sinodalidade não eliminará a necessidade de uma autoridade decisiva - Instituto Humanitas Unisinos - IHU