03 Outubro 2023
"Se é verdade que não basta ser religioso para acolher Jesus, é igualmente verdade que não basta ser pecador para ser rejeitado por Cristo. Pelo contrário, o primeiro passo para acolher o Senhor e sermos acolhidos por Ele é reconhecermo-nos pelo que somos, pecadores e pecadores, necessitados de graça e de redenção", escreve Sergio Manna, pastor valdense em Rorà (To) e capelão clínico, em artigo publicado por Riforma, semanário das Igrejas Evangélicas Batistas, Metodistas e Valdenses, 01-09-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Caros irmãos e irmãs, hoje teremos a alegria de consagrar um novo pastor na nossa Igreja e de acolher dois pastores de igrejas irmãs que virão desempenhar o seu serviço aqui na Itália. Considero, portanto, lindo que a passagem bíblica que nos é proposta para a pregação de hoje pelo nosso lecionário diga respeito precisamente ao tema do acolhimento. Como acolhemos Jesus? Como somos acolhidos por ele? Em primeiro lugar, o Evangelho de hoje diz-nos que não basta ser religioso para acolher Cristo. Pode-se convidar Jesus para entrar em casa, sem realmente recebê-lo. Isso é o que faz Simão, que o convida sem acolhê-lo. Simão é um homem religioso, mas a sua parece ser uma religiosidade fria, marcada pelo preconceito, a religiosidade de quem tem a pretensão de poder amar a Deus sem, no entanto, amar o próximo, por cujas misérias não se deixa tocar.
Simão parece não acreditar na possibilidade de arrependimento ou conversão. Para ele o mundo está dividido em dois lados: de um lado os justos, do outro os pecadores.
Para os primeiros há bênção e recompensa, para os outros maldição e condenação. Para Simão, ser justos diante de Deus certamente consiste também em manter-se a uma distância segura dos pecadores, para não se deixar tocar e contaminar por eles. Portanto, ele só pode ficar desapontado pela atitude de Jesus, um seu correligionário, um mestre, que parece contradizer abertamente a sua visão de fé. “Este homem, se fosse profeta, saberia que mulher é esta que o toca; porque ela é uma pecadora”, diz consigo mesmo, expressando um julgamento negativo tanto sobre Jesus tanto quanto sobre a mulher que se aproximou dele em lágrimas. Em suma, ou Jesus pensa como ele, ou então ele não pode ser um profeta.
Há quem aplique, consciente ou inconscientemente, o mesmo raciocínio a Deus; as pessoas que se iludem pensando que Deus sempre pensa como elas e que no fundo não percebem que fizeram um deus à sua própria imagem e semelhança e, portanto, um ídolo, um Gott mit uns que não tem nada a ver com o Deus vivo de quem falam as Escrituras. Não, ser religioso não basta para acolher Cristo.
Não basta ser religioso para receber o Senhor na sua casa e na sua vida. Mas o Evangelho de hoje diz-nos também outra coisa importante.
Se é verdade que não basta ser religioso para acolher Jesus, é igualmente verdade que não basta ser pecador para ser rejeitado por Cristo. Pelo contrário, o primeiro passo para acolher o Senhor e sermos acolhidos por Ele é reconhecermo-nos pelo que somos, pecadores e pecadores, necessitados de graça e de redenção.
E é exatamente isso que a mulher da nossa história faz.
A sua linguagem é silenciosa, mas muito mais eloquente do que qualquer mea culpa proferido em voz alta.
Suas lágrimas são lágrimas de arrependimento e seus gestos são gestos de amor. Essa mulher toca Jesus e Jesus deixa-se tocar por ela, tanto física como emocionalmente.
Suas lágrimas não apenas molharam os seus pés, mas também inundam o seu coração.
A atitude de Jesus é um admirável exemplo do que Carl Rogers, pai da psicologia humanística, define como acolhimento positivo incondicional, que em última análise nada mais é do que uma forma secular de expressar o que nós, em termos teológicos, chamamos de graça. Certamente não faltaram aqueles que ao comentar essa passagem do Evangelho tenham se detido no fato de essa mulher ser provavelmente uma prostituta (como afirmam os exegetas) e de que os gestos que ela realizou continham uma certa carga de sensualidade.
Soltar o cabelo, tocar, acariciar e beijar os pés de um homem em público eram considerados gestos inapropriados, dignos de uma prostituta. E no fundo, tocar o corpo, acariciá-lo e beijá-lo não eram justamente os gestos que essa mulher costumava fazer com seus clientes? No entanto Jesus não a manda embora; ele a deixa fazer isso. É provável que nessa mulher, como afirma o teólogo Paul Tillich, estejam se misturando o desejo espiritual e a atração natural por Jesus. Mas, afinal, as motivações que movem os seres humanos nunca são totalmente desprovidas de uma certa dose de ambiguidade.
Ainda mais numa relação terapêutica em que se tem a experiência de ser acolhidos, cuidados, aceitos e apoiados incondicionalmente.
São situações muito delicadas em que podem ser acionados gatilhos bem conhecidos no âmbito psicológico: apaixonar-se pelo terapeuta, a chamada transferência, que deve ser reconhecida de forma clara e tratada com muito tato e competência, a fim de evitar que a relação de cuidado se transforme em uma relação perigosa, em que o cuidador acabe abusando de quem se dirigiu a ele.
Aqui a resposta de Jesus é a resposta do terapeuta ou curador de almas que compreende a situação e não abusa dela, ao contrário de não poucos curadores de almas ou terapeutas do nosso tempo.
Jesus compreende essa mulher e por isso a deixa agir, acolhendo-a incondicionalmente.
Ele nem se importa com sua reputação e, embora seja um judeu praticante, não manifesta nenhum medo de ser contaminado pelo contato físico com uma pecadora pública. E é justamente isso que escandaliza Simão e que provavelmente perturbaria muitos de nós também, se víssemos essa cena diante de nossos olhos hoje. É verdade que a mulher provavelmente se aproxima de Jesus de maneira sensual, ousaria dizer erótica; mas essa talvez seja a única linguagem que ela conhece para expressar gratidão, demonstrar amor ou expressar uma desesperada necessidade de amor. E Jesus compreende isso, porque lê no fundo do seu coração e assim, num instante, vê toda a sua vida, suas escolhas, suas motivações, tudo que a levou a ser quem ela é. “Essa mulher amou muito”, diz ele sobre ela (v. 47).
Sim, essa mulher amou muito. Mesmo quando errou o alvo, mesmo quando em seu temperamento generoso e instintivo, ela se doou aos homens, provavelmente também em busca de satisfazer o seu desejo de ternura, de afeto, de amor.
E talvez um dia, levada pela pobreza, pela indigência, e talvez depois da enésima desilusão, depois do enésimo menosprezo de parte do enésimo homem que se aproveitou dela, de sua necessidade de amar e ser amada, ela se resignou e passou de doar-se a vender-se, caindo cada vez mais abaixo.
Seja qual for a sua história, quaisquer que sejam as motivações que a levaram a se tornar quem ela é, agora essa mulher está ali diante de Jesus, aquele que lê o seu coração e que a ama verdadeiramente, sem querer nada em troca.
Sim, afinal essa mulher amou muito. E Jesus gostaria que Simão compreendesse, entendesse que é melhor amar, talvez até de forma errada, do que ser religiosos e piedosos, mas cheios de preconceitos, frios e indiferentes para com os outros. Para Simão uma prostituta é uma prostituta. Como todo fundamentalista religioso, ele está acostumado a ver o mundo em preto e branco e a expressar juízos imediatos e sumários sem se aprofundar na complexidade.
Para Jesus, que está acostumado a sondar as profundezas do espírito humano, as coisas são diferentes.
Uma prostituta não é simplesmente uma prostituta. É uma mulher que precisa de amor, de compreensão, de misericórdia e de perdão. O olhar amoroso de Jesus sobre essa mulher é praticamente o olhar amoroso de Deus sobre a humanidade pecadora, necessitada de redenção; um olhar que pousa sobre cada um e cada uma de nós. Martinho Lutero disse certa vez: “Os pecadores não são amados porque são belos, são belos porque são amados”.
Jesus convida, portanto, o religioso Simão a olhar para essa mulher com outros olhos, livres do filtro de preconceito; convida-o a observar a beleza que se manifesta precisamente naqueles gestos amorosos que a mulher tinha reservado para Jesus e que pareceram tão escandalosos para Simão. Afinal, Jesus convida Simão a olhar para essa mulher como ele a olha, com aquele olhar amoroso que sabe reconhecer a beleza mesmo em uma vida deturpada pelo pecado e gerar beleza através do perdão, justamente onde seríamos levados a ver apenas feiura e perdição. Em última análise, Jesus exorta o homem que pretende amar a Deus sem amar o próximo a olhar para o próximo com o olhar amoroso de Deus.
Não, não basta ser pecadores para ser rejeitados pelo Senhor, porque Jesus acolhe com o perdão e com o amor qualquer um que se aproxima dele. Há, portanto, esperança de redenção para essa mulher que parece ter cometido erros durante boa parte de sua vida e que provavelmente se sentiu perdida, assumindo para si o juízo que outros (especialmente as pessoas religiosas) faziam dela. Mas existe esperança de arrependimento também para Simão, que é convidado a deixar para trás uma religiosidade rígida e crítica para descobrir o rosto misericordioso do Deus vivo, tão diferente da imagem divina monolítica que ele interiorizou.
Jesus se despede da mulher, dizendo: “A tua fé te salvou; vá em paz!”. Por um lado, podemos nos alegrar com essas palavras que expressam a certeza da redenção. Do outro, porém, poderíamos expressar algumas perplexidades sobre a frase final: “Vá em paz!”. Para onde essa mulher poderia ir numa sociedade que provavelmente continuará a rotulá-la como uma pecadora pública? O único lugar onde ela é bem recebida é na rua, onde há pessoas como ela, pessoas que vivem à margem.
O que ela precisaria é de uma comunidade que saiba acolhê-la, uma comunidade de mulheres e homens cuja religiosidade não se expresse no exercício do juízo sobre os outros, mas sim no acolhimento; uma comunidade que não se perceba como uma congregação de santos que cuida para não se misturar com os pecadores, mas sim como uma comunidade de pecadores perdoados que sabe acolher e perdoar.
Mas, na verdade, esse tipo de comunidade é precisamente aquele que se reuniu em torno de Jesus Cristo desde o início. E esse tipo de comunidade é, em última análise, o que é chamada a ser toda Igreja que queira ser fundar em Cristo e no Evangelho. Um lugar onde essa mulher, e todos aquelas como ela, possam sentir-se bem-vindas, acolhidas, amadas, enfim, em casa. Esta, caro Giovanni, é o que deveria ser a Igreja Valdense que você é chamado a servir e que hoje o consagrará como seu pastor; esta é a igreja que receberá hoje o seu serviço pastoral, caras Sarah e Adriana. Não é uma Igreja perfeita, não é uma comunidade que brilha por sua santidade; é uma comunidade de pecadoras e pecadores perdoados que sempre precisam novamente de arrependimento, de conversão e de confiar-se à graça imerecida do Senhor que os ama não porque são belos, mas que os torna belos porque os ama. Meu voto é que vocês possam amar esta igreja e sentirem-se amados e acolhidos por ela. Que o seu serviço seja abençoado pelo Senhor, possa o seu anúncio do Evangelho, nas palavras e nos gestos, transmitir eficazmente o amor de Deus por este mundo que tem uma necessidade desesperada de redenção.
Amém.
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Uma história de acolhimento - Instituto Humanitas Unisinos - IHU