30 Agosto 2022
"Diante de um crescente desinteresse pelo sexo - isso é confirmado pelos especialistas - quase uma recusa atordoada que nasce de uma embriaguez enfrentada sem os anticorpos necessários, percebem-se em crescimento os problemas relacionados à identidade de gênero. Como se nossos garotos estivessem mostrando uma nova e desarmante incapacidade de alinhar corpo e mente na percepção de sua sexualidade", escreve Luciano Moia, em artigo publicado por Avvenire, 26-08-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Grupos de adolescentes em férias, alegria de viver e descontração. Jovens corpos atléticos e bronzeados nas praias, nas trilhas das montanhas, nos locais de férias.
Nada como um grupo de jovens despreocupados que vivem intensamente na natureza esses dias de verão para transmitir um sentimento de vitalidade e exuberância, como se nenhum pensamento, nenhuma sombra pudesse nublar sua ânsia de felicidade e sua sede de plenitude. Sabemos que é assim, eu que sou pai e que fui um jovem filho sei que é assim.
Mesmo que talvez nunca tenha sido assim, e também eu sei – hoje mais do que nunca - que o olhar do pai, do educador, não pode parar nas aparências; deve ser capaz de captar mesmo nas situações de aparente serenidade, como justamente um período de férias, detalhes e sinais que remetem ao desconforto de nossos garotos.
Por trás daqueles corpos juvenis, alvo de tantos cuidados, horas de academia e esportes, de tratamentos cosméticos exasperados, de tatuagens, às vezes escondem-se pulsões negativas, automutilação, tendências ao isolamento e retraimento social. O corpo como megafone de um sofrimento silencioso que não encontra outras formas de expressão.
Reemergem, como alerta de uma emergência educacional que nunca devemos esquecer, os dados das pesquisas dos últimos meses em que, entre outras coisas, lemos que 20% dos jovens entre 10 e 19 anos convivem com um transtorno mental não diagnosticado. E que, nesse sofrimento, o desconforto que deriva de uma crescente incapacidade de compreender as transformações do próprio corpo, de enquadrar de forma equilibrada o papel da afetividade e da sexualidade, representa um percentual significativo.
Diante de um crescente desinteresse pelo sexo - isso é confirmado pelos especialistas - quase uma recusa atordoada que nasce de uma embriaguez enfrentada sem os anticorpos necessários, percebem-se em crescimento os problemas relacionados à identidade de gênero. Como se nossos garotos estivessem mostrando uma nova e desarmante incapacidade de alinhar corpo e mente na percepção de sua sexualidade. É um fenômeno emergente e escorregadio, para o qual não existem dados certos, mas que os especialistas que lidam com essas questões não têm dificuldade em avaliar como exorbitante em relação ao passado.
Na Itália, segundo o portal infotrans do Ministério da Saúde, existem 84 associações que lidam com pessoas que apresentam dificuldades relacionadas à identidade de gênero. Muitos balcões a os quais esses jovens desorientados - aliás, especialmente os muito jovens - vão pedir ajuda. É errado falar apenas em transexualidade. A maioria nunca iniciará um percurso de ‘transição sexual' e nunca se submeterá a terapias hormonais. Mas percebe que a falta de sintonia entre o sexo biológico e aquele percebido internamente determina uma sensação de mal-estar que os especialistas definem como 'incongruência de gênero' (em 2021 a OMS cancelou o termo disforia).
Não se trata de meninas ou meninos marginais ou desviantes. Eles têm um problema complexo que muitas vezes têm dificuldades em abordar na família, e muitas vezes acabam sendo enredados numa maré de informações superficiais enfeitada por permissividade banal e avaliações simplistas. Mesmo nas comunidades eclesiais o tema raramente é abordado, mas há educadores e sacerdotes que, diante de alguns casos, poucos, mas cada vez mais frequentes, começam a se informar e a tentar inventar novas abordagens pastorais, mais acolhedoras e inclusivas, na tentativa de harmonizar a antropologia cristã sobre o amor com as profundas transformações de natureza cultural, social, mas também civil que tocaram profundamente a nossa sociedade.
Uma complexidade relacional em que a pastoral é chamada a dizer palavras novas, rejeitando aquela atitude que o Papa Francisco em sua recente viagem ao Canadá definiu como "indietrismo" (‘retrogredismo’), mas também abordagens simplistas e cientificamente unilaterais como aquelas adotadas pela GIDS (Tavistock & Portman NHS Foundation Trust), a clínica londrina que será fechada nos próximos meses e sobre a qual já escreveu há alguns dias nestas páginas Assuntina Morresi.
Um sinal e uma sinalização importante é esse fechamento, que merece ser enquadrado no esforço de focar em abordagens melhor moduladas que - deixando em segundo plano a questão terapêutica que não nos compete - possam resultar em um acompanhamento eficaz para esses garotos sob o perfil educacional e pastoral.
Não servirá nem a demonização nem a ilusão de que o problema não existe, mas a culpa de que mesmo nas periferias inquietas da sexualidade mais difícil, muitas vezes prenúncio de escolhas angustiantes, difíceis, certamente divisivas, nossas comunidades têm propostas importantes a oferecer e braços abertos para acolher, confortar e apoiar não 'identidades fluidas', mas filhas e filhos, irmãs e irmãos que pedem atenção, respeito, reconhecimento e ajuda.
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Há uma nova fronteira do acolhimento eclesial - Instituto Humanitas Unisinos - IHU