05 Julho 2022
A questão do gênero: teoria, ideologia ou outra coisa? Uma abordagem equilibrada do tema valoriza o pensamento da diferença sexual e identifica as questões que essa teoria apresenta para a Igreja e para a sociedade contemporânea. Falamos sobre isso com Giovanni Del Missier, teólogo italiano.
A entrevista é de Paola Zampieri, publicada por Settimana News, 04-07-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Os estudos de gênero são uma galáxia complexa que merece ser explorada com respeito e abertura mental. O estudo é o primeiro antídoto contra medos, ansiedades e mal-entendidos, e também o instrumento para se confrontar de maneira construtiva e crítica com aquelas posições que propõem modelos desumanizadores que não correspondem ao verdadeiro bem das pessoas.” Assim afirmou Dom Giovanni Del Missier que, sobre o tema "Sexualidade e identidade de gênero", sobre o qual ministrará um curso na Faculdade de Teologia do Triveneto no próximo ano acadêmico. O percurso desenrolar-se-á através da apresentação e análise crítica de alguns contributos de natureza filosófica, teológico-moral e psicopedagógica que se referem à temática (12 horas, quinta-feira, 19:00-21:15, datas: 2, 9, 16, 23 de março de 2023; informações e inscrições Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.).
Professor Del Missier, vamos começar esclarecendo o que se entende quando falamos de gênero?
O Gênero é uma categoria hermenêutica usada em uma ampla gama de estudos (estudos de gênero) que vão da filosofia à sociologia, da exegese bíblica à teologia.
Introduzido na década de 1950 no campo médico-psicológico para gerir algumas ambiguidades sexuais presentes no nascimento, foi depois assumido pelo feminismo para destacar os traços machistas da cultura ocidental, trazendo à tona os não-falados e as construções sociais dadas como “naturais”, ou seja, imutáveis e normativos, nunca submetidos a críticas.
Em seguida, passou para muitas outras disciplinas que a utilizam como uma lente de aumento para desmascarar as pré-compreensões inseridas na linguagem e na cultura dominantes.
Quais são os riscos do gênero?
O maior risco é nos obrigar a pensar!!! E sobretudo pensar no que damos como certo: a diferença sexual.
Martin Heidegger defendia que cada época tem apenas uma única coisa sobre que pensar e Luce Irigaray - uma das grandes pensadoras da ética da diferença - acreditava que justamente a identidade e a diferença entre homens e mulheres fossem a tarefa mais urgente do pensamento contemporâneo.
Obviamente, como em qualquer reflexão que começa de um assombro ou um abalo em relação ao conhecido, o gênero também comporta riscos e possíveis derivas ideológicas, como o perigo de desencarnar o sujeito, de desmaterializar a corporeidade, de desconstruir a família... mas se trata de perigos, não resultados inevitáveis do uso da categoria.
No debate sobre a sexualidade humana, que desafios emergem da ideologia de gênero, para a qual o ensinamento da Igreja seria retrógrado?
Prefiro evitar falar de ideologia de gênero, mas de derivas ou usos tendenciosos que são sempre possíveis; e, ao mesmo tempo, para se falar de teorias de gênero, se deveria usar o plural e especificar a que tipo de estudos se faz referência.
Entre os usos tendenciosos está certamente o de denegrir as posições contrárias, mas, à margem dos ataques, é preciso reconhecer que o gênero nos impele - ou mesmo nos obriga - a repensar criticamente a antropologia e a moral sexual, a nos empenharmos para comunicá-la em termos compreensível e à altura da reflexão cultural do nosso tempo, a reconhecer as atitudes violentas e marginalizantes legitimadas (espera-se que involuntariamente) pela visão católica em relação às mulheres e a todas as pessoas LGBTI+.
Em suma, um estímulo para purificar a nossa reflexão, voltando ao anúncio libertador e inclusivo do Evangelho: não há nada retrógrado nisso, mas um grande desafio para a Igreja chamada a transmitir a riqueza do tesouro que lhe foi confiado, de formas persuasivas e significativas para hoje.
Que diálogo é possível? Que modelos de convivência podem ser propostos?
Para nós cristãos, o diálogo é sempre possível porque as sementes da Palavra ou, se preferir, os sinais dos tempos se escondem nas dobras da história e em reflexões aparentemente mais distantes do nosso modo de pensar.
E o diálogo começa sempre com a escuta - o primeiro ministério eclesial - não das teorias, mas da vivência de pessoas concretas, marcada por alegrias e sofrimentos, angústias e esperanças...
E no convívio das diferenças, não no pensamento único, aproximamo-nos gradualmente, juntos, à Verdade como um todo: é a perspectiva do bem possível presente apesar de tantas dificuldades e o modelo do poliedro de que fala o Papa Francisco... assim já no estilo da pesquisa pode emergir o reconhecimento do valor das diversidades e o acolhimento incondicional que parecem ser o próprio propósito da reflexão sobre o gênero.
Qual é o papel dos cristãos? Que proposta surge da antropologia cristã?
A antropologia cristã coloca no centro, como único absoluto moral, o ser humano concreto, o sumo bem que jamais pode ser sacrificado e reconhece a importância das relações gratuitas, recíprocas e amorosas para que cada pessoa floresça em sua humanidade, única e irrepetível.
Nosso modelo ideal é Cristo e sua rica humanidade, livre dos estereótipos sociorreligiosos de seu tempo e revolucionariamente capaz de se tornar companheiro de viagem dos pecadores, acolhendo a todos.
A comunidade cristã é chamada a tornar esse estilo visível com gestos concretos de acolhimento e inclusão, superando juízos superficiais e sumários.
A partir disso, ou seja, da ação comunitária, será então possível empreender uma reflexão que tenha por objeto as relações, as diferenças, os papéis, as emoções, a sexualidade, as formas de convivência e os arranjos institucionais, públicos e eclesiais. E nestes campos, o gênero tem muito para nos fazer descobrir...
Em particular, quem trabalha no campo da educação das novas gerações assume um papel decisivo, num tempo de “emergência educativa” precisamente nos temas da afetividade e da sexualidade, onde há muita confusão. A Congregação para a Educação Católica em 2019 publicou o documento Homem e mulher os criou. Para uma via de diálogo sobre a questão de gender na educação. Que via adotar, que ambiente criar para lidar com as inquietações, e também as incompreensões, sobre o tema do gênero?
O documento da CEC é um vade-mécum indispensável para todos os educadores, pois reconhece elementos positivos do gênero e, obviamente, também destaca os aspectos problemáticos que existem! Além disso, convida a assumir atitudes proativas em relação à categoria, por meio de uma escuta atenta, raciocínio crítico e uma proposta educativa adequada e precisa.
É evidente que, para isso e sobretudo para estruturar propostas educativas sérias, é necessária uma formação aprofundada - como a que, por exemplo, será oferecida pela Faculdade Teológica do Triveneto - porque não basta contentar-se com uma conferência, algum artigo de jornal ou página da web: os estudos de gênero são uma galáxia complexa que merece ser explorada com respeito e abertura mental.
O estudo é o primeiro antídoto contra medos, angústias e incompreensões, e também o instrumento para se confrontar de forma construtiva e crítica com aquelas posições que propõem modelos desumanizadores que não correspondem ao verdadeiro bem das pessoas.
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Sexualidade e questão de “gênero”. Entrevista com Giovanni Del Missier - Instituto Humanitas Unisinos - IHU