29 Agosto 2023
Um novo programa católico utilizando inteligência artificial, o Magisterium AI, está prometendo revolucionar a pesquisa acadêmica na educação católica e tem o potencial de interromper doutrinas e crenças de longa data.
A reportagem é de Claire Giangravé, publicada por America, 25-08-2023.
Criado pela empresa norte-americana Longbeard, o Magisterium AI utiliza tecnologia de inteligência artificial, como a usada pelo agora famoso ChatGPT, para fornecer informações aos usuários sobre tudo relacionado à doutrina católica, a seus ensinamentos e ao direito canônico. Ao contrário de outros programas de IA, que têm acesso a vastas faixas de dados em constante evolução, as informações usadas pelo Magistério AI são limitadas a documentos oficiais da Igreja e são cuidadosamente selecionadas.
"Dessa forma, evitam-se as armadilhas do uso da IA", disse o padre Philip Larrey, que leciona filosofia na Pontifícia Universidade Lateranense, em Roma, e preside o Conselho Consultivo de Produtos do Magisterium AI, em entrevista ao Religion News Service nesta quarta-feira (23).
Os programas de inteligência artificial às vezes podem "alucinar", o que significa que eles reunirão informações incorretas ou parcialmente incorretas para fornecer uma resposta a uma consulta. "O magistério é treinado para usar apenas documentos oficiais da Igreja Católica, que é uma documentação muito pequena, consistente e estreita", disse Larrey.
"Nunca vai dar uma resposta errada ou falsa", acrescentou.
Com uma interface simples, onde os usuários podem digitar perguntas que serão respondidas pela inteligência artificial, o Magisterium AI espera ser um serviço útil para católicos e não católicos. O projeto pode ser usado por padres que buscam escrever uma homilia, por canonistas que procuram as mais recentes atualizações e por pesquisadores que desejam acessar documentos católicos do passado antigo.
O Magisterium AI já é usado em 125 países e atualmente está disponível em dez idiomas, mas seus criadores esperam adicionar ainda mais. A cada dia, mais informações estão sendo inseridas no banco de dados do programa, extraídas diretamente de recursos católicos.
O padre David Nazar, reitor do Pontifício Instituto para as Igrejas Orientais, acredita que a tecnologia de IA tem o poder de revolucionar a pesquisa na academia católica, fornecendo aos acadêmicos acesso a grandes quantidades de dados. As igrejas cristãs orientais espalhadas por todo o mundo, da Rússia à Etiópia e à Índia, contam com documentos extremamente antigos e diversificados.
Magisterium AI "encurta o tempo e refina sua pesquisa", disse Nazar em uma entrevista semana passada. A pesquisa que está em andamento há dez anos, com mais de 400 documentos e manuscritos, pode ser feita em um mês ou uma semana, explicou.
Atualmente, o instituto está digitalizando 1.000 documentos de seus arquivos e adicionando-os ao banco de dados Magisterium AI. Isso inclui uma das maiores coleções de manuscritos siríacos fora da Síria, que foram trazidos para Roma após o início da guerra no país do Oriente Médio. Embora o programa tenha o escopo de "preservar e pesquisar a história com precisão", disse Nazar, ele também tem o potencial de ser uma ferramenta poderosa para promover o ecumenismo e abordar questões doutrinárias antigas.
"Os primeiros concílios da Igreja estavam tão preocupados em definir princípios – o número da Trindade, a natureza de Jesus etc. – quanto em excluir falsas expressões da fé", disse ele. A quantidade variada de línguas e culturas que se reuniam nesses antigos concílios significava que os participantes "muitas vezes se entendiam mal, e algumas pessoas eram chamadas de hereges pela razão errada".
Nazar trouxe o exemplo de Nestório, um bispo que foi considerado herético após o Concílio de Éfeso em 431. Pesquisas realizadas no instituto ao longo de anos levaram à conclusão de que Nestório foi, na verdade, amplamente incompreendido em suas crenças e erroneamente condenado. Este entendimento promoveu a comunhão entre a Igreja Católica e os seus seguidores remanescentes até hoje.
Com ferramentas como o Magisterium AI, esse tipo de pesquisa pode acontecer em muito menos tempo, segundo Nazar. Ele reconheceu que, à medida que mais dados da vasta e antiga documentação da Igreja são inseridos no programa, os pesquisadores podem descobrir fatos desconfortáveis sobre a doutrina católica em questões polêmicas, como padres casados e o papel das mulheres na Igreja.
"A verdade vos libertará!" Nazar disse, citando Jesus. Para o estudioso, há um consolo em descobrir que as pessoas estavam erradas, e isso é muito mais valioso do que "preocupações neuróticas com as palavras".
Além de mudar a forma como a pesquisa é conduzida nas faculdades católicas, a IA do Magisterium Ai também tem potencial para os canonistas, que podem usá-la para acessar os mais recentes desenvolvimentos. O Papa Francisco, por exemplo, emitiu um grande número de motu proprio, que são mudanças na redação do Livro de Direito Canônico de 1983. Os canonistas podem ver as leis mais atualizadas graças ao programa alimentado por IA.
Também pode oferecer apoio para os padres que escrevem suas homilias, oferecendo informações sobre o ensino da Igreja e comentários de especialistas do passado e do presente. Larrey disse que, apesar da má reputação frequentemente atribuída à inteligência artificial, ele acredita que esses programas têm um potencial para o bem.
"O programa substituirá os canonistas ou os professores de direito canônico? Não. Vai ser uma ajuda", completou. "Felizmente eles não vão substituir um padre, então acho que estou seguro!"
Embora Francisco tenha reconhecido as vantagens e os aspectos positivos da inteligência artificial, ele também alertou para as possíveis armadilhas e consequências que essa tecnologia traz, especialmente às pessoas mais vulneráveis da sociedade. Neste mês, ele anunciou que "Inteligência Artificial e Paz" será o tema do Dia Mundial da Paz, em 1º de janeiro, para promover o diálogo e a reflexão ética sobre a questão da IA.
