15 Agosto 2023
"Um 'no global' à frente dos tempos, com o olhar penetrante do gênio e os instrumentos de análise em todos os níveis. Homem de fronteira, intelectual sem divisas, contra qualquer ilusão prometêica que em vez de libertar escraviza, em vez de limpar, suja e corrompe tudo: ar, água, pensamentos, desejos, sonhos… Levou suas ideias críticas para todo o mundo, viajante incansável. Tentaram fazer dele uma estrela da moda, mas ele sempre reagiu, defendendo liberdade e imaginação, poesia e criatividade para todos, o modelo que chamou de 'Convivialidade' da vida humana".
O artigo é de Gianni Gennari, teólogo e jornalista, publicado por Avvenire, 12-08-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ivan Illich, nascido na Áustria em 1926, mas desde 1930 na Itália: padre, sociólogo, filósofo, teólogo, psicólogo, capaz de sentir antecipadamente os movimentos da sociedade. Pai católico, mãe judia. Ele estuda primeiro em Florença, cristalografia, psicologia, história da arte e depois, tendo se tornado católico, filosofia e teologia em Roma. Aos 25 anos torna-se sacerdote. Ele também se forma em filosofia da história em Salzburg.
Ele fascina: bonito, culto, grande orador. Dizem que ele tem pela frente uma carreira brilhante no Vaticano.
Oferecem-lhe uma carreira diplomática, mas ele recusa e vai para Nova York, para uma paróquia pobre de emigrantes porto-riquenhos. Ele já conhece oito idiomas, acrescenta o espanhol. Depois chegarão a 13, falados perfeitamente. Ele estuda os problemas dos imigrantes e abre novos caminhos para a sociologia.
Em 1955, o cardeal de Nova York, Francis Joseph Spellman, quer que ele seja pró-reitor da Universidade de Porto Rico. Aos 30 anos, ele é o mais jovem monsenhor da América do Norte.
Pensa, se questiona, se interroga: sobre o papel dos Estados Unidos entre os pobres do continente. Também naquele da Igreja… Viaja, estuda, escreve. Fixa residência no México, em Cuernavaca, onde funda o Cidoc, o Centro de Documentação para a preparação do clero para os problemas da América Latina. Critica governos e instituições, a própria Igreja em seus aspectos burocráticos. Em 1968 é chamado ao Santo Ofício para ser interrogado, mas recusa-se a preencher os questionários. No ano seguinte declara-se "padre em licença": permanece na Igreja, mas não "é" mais padre. Pensa, escreve, analisa. Colabora durante muito tempo com Monsenhor Helder Câmara, no Brasil, e com Monsenhor Mendez Arceo, em Cuernavaca.
Publica sem parar: contra a medicina que diz curar e gera novas doenças, "Nêmeses da Medicina" (1976). Contra a escola, que reprime a imaginação e a criatividade, para produzir robôs obedientes, “Sociedade sem escolas”. Contra o sistema de transporte, que paralisa os verdadeiros movimentos dos homens.
Estuda sociedade e culturas, escola e repressão, meio ambiente e liberdade, medicina e direitos humanos…
Ecologia e globalização, burocratização da vida, da saúde.
Seus escritos, lúcidos e afiados – também “A expropriação da saúde”, “Convivialidade”,
“Trabalho-sombra”, “Desemprego criativo”, “Gênero e sexo” – mostram em antecipação no tempo para onde a sociedade está indo, e o mal que há de vir. Ataca o sistema de um desenvolvimento que multiplica os pobres, o consumismo que produz necessidades falsas e artificiais, as multinacionais que escravizam populações inteiras.
Dizem que ele é "catastrofista", mas os fatos provam que está certo.
Um "no global" à frente dos tempos, com o olhar penetrante do gênio e os instrumentos de análise em todos os níveis. Homem de fronteira, intelectual sem divisas, contra qualquer ilusão prometêica que em vez de libertar escraviza, em vez de limpar, suja e corrompe tudo: ar, água, pensamentos, desejos, sonhos… Levou suas ideias críticas para todo o mundo, viajante incansável. Tentaram fazer dele uma estrela da moda, mas ele sempre reagiu, defendendo liberdade e imaginação, poesia e criatividade para todos, o modelo que chamou de “Convivialidade” da vida humana. Ainda estamos longe disso. Cristão até o fim, à sua maneira. Sofrendo de câncer no rosto, continuou a trabalhar sempre.
Faleceu em Bremen, na Alemanha, onde ainda lecionava, em 2 de dezembro de 2002.
Convivialidade e compaixão: das almas e dos corpos, dos doentes e dos sãos... Ele sofreu muito nos últimos anos, mas nunca recuou. Um precursor? O problema é que se tornar seu discípulo é difícil. Além da inteligência que seria necessária, é bastante incômodo. Pessoas como ele são sempre necessárias: sentinelas em nome do homem e talvez, para ele, também de Deus, o Deus de Jesus Cristo, que ele nunca negou.
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Ivan Illich, voz crítica do lado dos pobres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU