23 Outubro 2015
A cinquenta anos da morte, uma recordação do pensador protestante que dos Estados Unidos, onde tinha sido constrangido ao exílio pelas críticas ao nazismo, marcou fortemente a teologia do século vinte. Estimado por Thomas Mann pela sua aversão ao nazismo, estudado por Martin Luther King pela a sua atenção ao transcendente e ao mistério cristão e pelo seu “socialismo religioso”, mas em particular um pensador capaz de estar no limite dos saberes entre teologia, filosofia e psicologia e de apresentar-se quase sempre como a verdadeira contrapartida do pensamento de Karl Barth e de seu “Deus inacessível”.
A reportagem é de Filippo Rizzi, publicada no jornal Avvenire, 21-10-2015. A tradução é de Benno Dischinger.
Nestas poucas linhas se condensa a cifra acadêmica do teólogo protestante alemão Paul Tillich (1886-1965) – de quem amanhã (22/10) recorrem os 50 anos da morte. Um pensador que marcou a história da teologia na segunda metade do Século Vinte, tanto em âmbito católico como naquele protestante; baste pensar em suas obras mais famosas, como o futuro das religiões, A irrelevância, a relevância da mensagem cristã para a humanidade de hoje, sua obra prima Teologia sistemática ou ainda o seu escrito autobiográfico mais significativo Sobre a linha do limite. Capelão militar durante a primeira guerra mundial, discípulo do idealismo alemão e do filósofo Schelling, Tillich se tornará subitamente uma das vozes mais críticas na Alemanha contra o advento do nascente nazismo e de sua ideologia pagã.
Por causa de sua crítica ao regime de Hitler – em particular após a publicação do ensaio A decisão socialista – será privado da cátedra na universidade de Frankfurt e a partir de 1933 começará o seu exílio da Alemanha: será constrangido a asilar-se nos Estados Unidos, onde atuará até sua morte, nas universidades de Colúmbia, Harvard e Chicago. E precisamente sobre sua firme crítica ao nazismo e ao seu paganismo se deterá o pastor valdense Paolo Ricca: “O seu [discurso] foi um gesto corajoso, sobretudo porque ele fazia parte do movimento dos “socialistas e religiosos”, que tinham como modelo de referência os pastores protestantes suíços Leonhard Ragaz e Hermann Kutter. Com o seu estilo Tillich não tomou parte ativa na luta da “Igreja confessante” que se opôs ao regime:
Toda a liderança terminou nos campos de concentração. Talvez também por esta sua escolha de viver além-mar, também após a guerra, a sua influência sobre a teologia protestante tem sido menos incisiva na Europa em relação à de Bonhoeffer, Karl Barth e Rudolph Bultmann. Ele é muito mais conhecido na América do que no Velho Continente. Eu mesmo descobri sua grandeza nos anos de minha maturidade acadêmica e por uma iniciativa pessoal minha”.
Elmar Salmann entrevê neste “pensador kairológico”, “embebido do pensamento de “Schelling”, do idealismo alemão e da teologia liberal de Ernest Troeltsch” o ponto de maior novidade de sua indagação sobre o existencialismo e sobre a sociedade. “Parte da unicidade deste intelectual – revela Salmann – é representada por vários fatores: é um estudioso que está no limiar, acompanha as passagens da história entre teologia e filosofia. É muito próximo às reformas sociais feitas na Alemanha nos anos vinte do século vinte. Talvez tudo isto explica por que Theodor Adorno decide fazer a sua tese universitária sobre Kierkegaard dirigida pelo professor Tillich”. O padre Salmann, à luz também deste aniversário, percebe pontos de encontro entre a teologia ‘tillichiana’ e a de Barth. “Embora tão diversos em sua impostação metodológica – observa – há em ambos uma forte veia socialista e social-democrática. Há, a meu juízo, uma afinidade eletiva oculta: basta reler sua interpretação da crise social da Alemanha após a primeira guerra mundial.
Em Tillich teve predomínio a veia liberal, fenomenológica, pneumatológica, enquanto em Barth a cristológica, que refere o todo à Revelação divina. Embora de ângulos diversos, ambos propõem um percurso de realização do cristianismo na realidade e na complexidade da vida humana e social”. Sua atenção aos interrogativos últimos como o seu campo de pesquisa para a psicanálise e o mistério do transcendente ou ainda a atualidade de um texto ‘tillichiano’ como a coragem de existir (The courage to be), são alguns dos aspectos do teólogo existencialista alemão que desde sempre mais têm fascinado Eugenia Scabini, docente de Psicologia social da família na Católica de Milão e autora, entre outros, em 1967, de um ensaio sobre o pensamento de Paul Tillich: “Nele é fortíssima esta instância de pôr-se os interrogativos últimos, de ir ao essencial das questões últimas. E, no fundo, muito deste método e terminologia será retomado anos depois, com uma leitura original, pela socióloga Margaret Archer.
A pensadora Scabini, relendo a atualidade de Tillich, se detém sobre sua interpretação do conceito de ‘ânsia”. “Precisamente porque é um existencialista e um protestante puro faz as contas com Freud, relê em chave moderna este estado de ânimo, non esquecendo a condição antropológica e psicológica.
A ânsia reinterpretada por Tillich supera certo reducionismo psicológico e faz aflorar um estado de ânimo comum e típico de muitos seres humanos”. E releva um particular: “A meu juízo, parte de sua maior herança está no seu ensaio ‘A coragem de existir’, onde descreve um ato, no fundo, que leva à fé, um Deus que nos aceita e nos justifica, não obstante a angústia da culpa e da condenação. Como seguramente original é a sua interpretação do conceito de limite e de confim, aquele ele chama em alemão ‘Grenzen’. Naquela metáfora de estar no limite se pode estar abertos a algo diverso também porque somente quem está na borda pode olhar para frente e para trás. E é, portanto, uma condição privilegiada”.
Uma herança, portanto ainda atual e a aprofundar segundo o teólogo valdense Paolo Ricca: “O centro de sua pesquisa teológica é a correlação entre mensagem cristã e condição humana. Quando se toma em mãos o índice de sua obra mais famosa, a Teologia sistemática, se descobre tudo isto. A grandeza de Tillich – é a consideração final – é aquela de colocar-se no limite entre realidade e fantasia, entre teoria e práxis, entre Igreja e sociedade. Esta posição de limite implica e obriga Tillich a um repensar bastante radical da linguagem da fé. Basta pensar no conceito de pecado, relido nos termos de alienação de si mesmo, do próximo (que se torna um estranho), e de Deus, em relação ao qual não se consegue mais instaurar um diálogo com Ele. Há em tudo isto uma profunda renovação da linguagem da fé e emergem assim os aspectos mais prometedores, a meu juízo, de sua teologia”.
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A voz de Tillich contra Hitler - Instituto Humanitas Unisinos - IHU