12 Agosto 2023
"No campo dos estudos sobre o genocídio armênio, entre as direções de pesquisa que surgiram nos últimos anos revelaram-se particularmente frutíferas, em primeiro lugar, as investigações nos arquivos turcos. Estes foram em várias ocasiões – já desde os turbulentos anos do primeiro pós-guerra – freneticamente limpos de documentos comprometedores: na verdade, apenas poucos são conhecidos, graças a relatórios, nos jornais turcos da época, dos grandes julgamentos de Constantinopla de 1918-1919, ordenados pelo sultão contra alguns dos responsáveis", escreve a escritora ítalo-armena Antonia Arslan, ex-professora da Universidade de Pádua, em artigo publicado por La Stampa, 10-08-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Tal como aconteceu com os estudos sobre o Holocausto, que ao longo dos anos se estenderam em todas as direções, desde a coleta de testemunhos de sobreviventes, à procura das figuras dos "justos", à extensa e aprofundada análise de documentos, situações, personagens, assim hoje novos cenários estão se abrindo para o estudo e a compreensão do Metz Yeghèrn, o genocídio dos armênios, e para a investigação da estreita ligação entre as duas tragédias. Em ambos os casos, as vozes fracas, mas poderosas, das vítimas agora silenciaram. Quase oitenta anos se passaram desde 1945; desde 1915, cento e oito: e hoje cabe aos historiadores reuni-las, interpretá-las, relacioná-las entre si e aos contextos em que ocorreram aqueles terríveis eventos. Cabe a eles comparar as memórias, os diários, os documentos – muitas vezes carregados de fortíssimas e preciosas emoções, que descrevem a vida dos indivíduos no momento de seu cruzamento com os eventos dramáticos que os tocam - com uma visão mais ampla que os coloque na luz correta e tente interpretá-los.
No campo dos estudos sobre o genocídio armênio, entre as direções de pesquisa que surgiram nos últimos anos revelaram-se particularmente frutíferas, em primeiro lugar, as investigações nos arquivos turcos. Estes foram em várias ocasiões – já desde os turbulentos anos do primeiro pós-guerra – freneticamente limpos de documentos comprometedores: na verdade, apenas poucos são conhecidos, graças a relatórios, nos jornais turcos da época, dos grandes julgamentos de Constantinopla de 1918-19, ordenados pelo sultão contra alguns dos responsáveis.
No entanto, algum traço tênue é encontrado, mas é preciso permitir-lhe falar: e aqui entra em campo o papel daquele pequeno, mas aguerrido pelotão de jovens pesquisadores turcos liderados por historiadores especializados como Taner Akçam, cujo livro Killing Orders. Os telegramas de Talaat Pasha e o Genocídio Armênio (traduzido para o italiano em 2020) provou definitivamente a autenticidade das ordens de extermínio enviadas pessoalmente pelo poderoso ministro do Interior.
Killing Orders: os telegramas de Talaat Pasha e o Genocídio Armênio, de Taner Akçam (Foto: Divulgação)
Bastante evidente resulta o papel desempenhado na tragédia armênia pelos militares alemães, muito numerosos em todos os níveis, desde a base até o alto comando, como aliados e conselheiros do exército turco: não foram apenas espectadores, infelizmente também muitas vezes se deixaram envolver ativamente. Não todos, é claro, e nem sempre de bom grado, como bem demonstram os casos das preciosas fotografias de Armin Wegner ou do cônsul de Aleppo Walter Rössler: no entanto prevaleceu neles, dos simples soldados aos oficiais, aos chefes como o Marechal Barão Colmar von der Goltz, aquela insidiosa "opinião generalizada" de altivo desprezo pela minoria armênia do Império Otomano, que a comparava aos judeus, atribuindo-lhes as mesmas características físicas e morais negativas com as quais era estigmatizado o povo judeu. De qualquer forma, o embaixador alemão junto à Sublime Porta, von Wangenheim, resolutamente antiarmênio, derrubava diligentemente – de acordo com as ordens – todo esboço de humanidade que vinha do pessoal diplomático e consular testemunha dos massacres, reiterando as diretrizes de seu governo.
Mas a opinião pública e a imprensa da Alemanha Imperial já na era bismarckiana estavam preparadas para a comparação entre judeus e armênios: em suma, talvez bastaria citar a famosa e sinistra frase, “os Arménios são os Judeus do Oriente”, para entender a óbvia implicação de que, se o novo, modernizado governo dos Jovens Turcos queria eliminá-los, deverá ter tido suas boas razões, e não cabe a nós discuti-las. Criar o império guilhermino ou recompactar aquele otomano exigia determinação e consciência de domínio: “para fazer uma omelete é preciso quebrar os ovos”... O antiarmenismo (perdoe-me o neologismo) fundia-se assim com o alastrante antissemitismo e disso hauria justificação e força.
Essa linha de investigação foi abordada e exaustivamente desenvolvida por dois estudiosos nos últimos anos: a filósofa estadunidense Siobhan Nash-Marshall e o historiador alemão Stefan Ihrig, em dois livros que se complementam e integram. O primeiro, I peccati dei padri. Negazionismo turco e genocídio armeno (Os Pecados dos pais. Negacionismo turco e genocídio armênio, em tradução livre, Guerini, 2018) aborda o cerne da estreita relação que se estabeleceu no final do século XIX entre elaborações teóricas sobre os temas de raça e da supremacia e a ideia de um resgate nacionalista, que pouco a pouco se torna carregado de intolerância e violência, até chegar a projetos de “solução final".
I peccati dei padri: negazionismo turco e genocidio armeno, de Stefan Ihrig (Foto: Divulgação)
Como se seguisse o fio condutor de uma investigação policial, através da propaganda alemã e os textos – pouco conhecidos – dos ideólogos dos Jovens Turcos (Ziya Gökalp, Yussuf Akçura, a famosa Halide Edib), a autora acompanha o crescimento do influxo de pensadores e propagandistas alemães na política otomana, do teórico ao concreto, até à aliança na guerra mundial. É naqueles anos terríveis de destruição e desmoronamento da civilidade que se realizou aquela implacável e definitiva experiência de eliminação de todo um povo, num bárbaro e concreto apocalipse de sangue inocente.
O livro de Ihrig (“Giustificare il Genocidio. La Germania, gli Armeni e gli Ebrei da Bismarck a Hitler”, Justificar o genocídio. A Alemanha, os armênios e os Judeus de Bismarck a Hitler, em tradução livre), que chegou às livrarias recentemente sempre pela editora Guerini, demonstra com precisão teutônica – página após página, citação após citação – a insidiosa e progressiva disseminação na imprensa e nas matérias de divulgação alemãs de um justificacionismo sorrateiro (apesar dos esforços de alguns escritores e jornalistas que conheciam bem a realidade da situação na Anatólia, como o pastor Johannes Lepsius, as descrições e os relatos de muitas testemunhas), primeiro durante os massacres armênios do Sultão Vermelho nos últimos anos do século XIX e, por fim, até diante do extermínio em massa do genocídio, de 1915 em diante.
Giustificare il Genocidio. La Germania, gli Armeni e gli Ebrei da Bismarck a Hitler (Foto: Divulgação)
E isso acontecia desde os tempos de Bismarck, enquanto se definia a aliança entre os dois impérios, aquele alemão e aquele otomano. Justamente von der Goltz – que falava turco perfeitamente – desempenhou por muitos anos o papel de reconstrutor do exército turco, e era venerado e respeitado a ponto de lhe ser conferido o título de "Pasha", jamais concedido a não-muçulmanos; e como instrutor de jovens oficiais foi o mais importante mentor do grupo que deu origem ao partido dos Jovens Turcos.
Ihrig acompanha o crescimento - ano após ano - o entrelaçamento e afirmação das duas obsessões e sua sobreposição, até o amadurecimento do tumor nazista, dominando com inteligência e precisão uma imensa quantidade de documentos; e demonstra, sem dúvida, as responsabilidades alemãs que o historiador Vahakn Dadrian, em seu tão controvertido livro, German responsabilities in the Armenian Genocide (Responsabilidades Alemãs no Genocídio Armênio, em tradução livre) já havia tentado defender em 1996.
German responsabilities in the Armenian Genocide, de Vahakn Dadrian (Foto: Divulgação)
E sua pesquisa termina com uma lembrança apaixonada do grande Raphael Lemkin, o estudante de direito que abraçou a causa armênia depois que seu professor de direito comparou os armênios a galinhas que um fazendeiro tem o direito de matar se quiser. “Mas os armênios não são galinhas!”, Lemkin começou a refletir: e foi ele quem em 1944, depois de Auschwitz, inventou a palavra “genocídio”.
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Do ódio de Bismarck aos campos de concentração de Karabakh, o Holocausto armênio que dura 108 anos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU