06 Dezembro 2022
"E precisamente no que diz respeito ao Holodomor, as reconstruções históricas variam: a intenção do governo soviético e do partido comunista de destruir um povo ou parte dele, ou a indiferença, a subestimação das consequências para as pessoas. E hoje, com o frio e a escuridão, a intenção é de dizimar uma população ou, em vez disso, de ganhar a guerra tornando-a insuportável para a população?", questiona Vladimiro Zagrebelsky, magistrado italiano e juiz do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos de 2001 a 2010, em artigo publicado por La Stampa, 07-08-2013. A tradução é de Luisa Rabolini.
Foi um genocídio o Holodomor, a morte por fome de milhões de ucranianos no início da década de 1930 do século passado? Ou foi um crime contra a humanidade? Ou melhor, uma tragédia causada pela carestia que acompanhou a política de sovietização forçada da Ucrânia, com a coletivização das propriedades agrícolas, geralmente de propriedade e geridas por pequenos proprietários? Os Kulaks, que resistiam à expropriação. Os fatos objetivos são conhecidos e a exatidão do número de mortes por fome não é uma questão decisiva, pois se trata de qualquer forma de números enormes. Mas como agora, na esteira do que está acontecendo na guerra desencadeada pela Rússia na Ucrânia, existe uma vontade de dar uma definição legar àquele trágico acontecimento com uma lei (ou outro ato formal), há argumentos que merecem ser desenvolvido. A importância e mesmo o valor político de tais iniciativas não diminui a relevância da discussão. Politicamente, a mensagem que quer transmitir com o recurso à palavra genocídio, a mais grave e pesada das que se referem a crimes internacionais, é a sugerida ligação com a conduta de guerra agora adotada pelo lado russo, com a destruição de infraestruturas civis de produção de eletricidade e de distribuidores água, agora que o frio desaba sobre a Ucrânia: na época a carestia e a morte, agora o frio e a morte.
Em termos de estudos daqueles que, entre os historiadores, se dedicaram a esse assunto, a avaliação em termos de genocídio está longe de ser unânime. E a razão do dissenso também é central para outros casos em que a objetividade dos fatos não permitiria dúvidas quanto à sua referência à noção de genocídio.
O maior exemplo talvez seja o dos massacres e deportações da população armênia pelo Império Otomano durante a Primeira Guerra Mundial. O uso do termo genocídio, especialmente se feito em um ato como uma lei do Estado ou de uma organização internacional, remete a uma noção jurídica que produz consequências no plano legal. Não se trata apenas de debate e de luta política, em que o uso de uma ou outra palavra faz parte do grau de aspereza das contraposições e da vontade de suscitar emoções também na opinião pública. A primeira consequência da qualificação de genocídio atribuída a um evento histórico decorre das leis que em muitos países punem o negativismo e, assim, limitam a liberdade de pensamento, de expressão e de pesquisa histórica.
Mas, além do plano político sobre o que se debate, qual é o ponto específico que nos permite dizer que este ou aquele caso é um genocídio? Genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra são noções legais, definidas pelo direito internacional e agora estão sob a jurisdição do Tribunal Penal Internacional (Estatuto de Roma de 1998). A longa lista de atos que podem constituir um genocídio ou outro crime internacional não se limita a descrever os fatos materiais, mas é acompanhada por um elemento de particular significado. Para o genocídio, de fato, é necessário que os atos tenham sido "cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso". A intenção genocida é, portanto, necessária; no direito penal é chamado de dolo intencional. Não basta prever as consequências das próprias ações, mas é preciso que elas sejam o motivo, a intenção. A prova disso é necessária perante qualquer juiz, nacional ou internacional. E a comprovação desse elemento muitas vezes é difícil, com as consequentes divergências perante os Tribunais e nas conclusões a que chegaram os historiadores. Quanto ao caso armênio, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos teve que lidar com a liberdade de expressão de um historiador e político turco condenado por negacionismo na Suíça. Ele não negava massacres e deportações, mas sustentava que eram atos de guerra contra o inimigo, não genocídio. E precisamente no que diz respeito ao Holodomor, as reconstruções históricas variam: a intenção do governo soviético e do partido comunista de destruir um povo ou parte dele, ou a indiferença, a subestimação das consequências para as pessoas. E hoje, com o frio e a escuridão, a intenção é de dizimar uma população ou, em vez disso, de ganhar a guerra tornando-a insuportável para a população?
Os historiadores dedicam-se a esses questionamentos, rígidas e inevitáveis também pelas graves consequências legais, habituados a pesquisar e a resultados sempre questionáveis e sempre provisórios à medida que vão surgindo as provas. Cada vez que o poder político quer qualificar por lei os eventos históricos, as associações de historiadores se levantam, justamente contra as verdades do Estado. No terreno político, podem ser utilizados termos diversos, que podem inclusive ser ainda mais fortes e estigmatizantes do que os legais.
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A batalha legal sobre o Holodomor - Instituto Humanitas Unisinos - IHU