"O apelo a rever a teologia do ministério ordenado não é sem motivos, mas surpreende que nada se diga sobre a espiritualidade do padre - ou seja, sobre o modo de viver na sua história um ministério cujas coordenadas fundamentais são, afinal das contas, impessoais - justamente, aquelas de um mandato a favor da fé da comunidade cristã, das histórias que a habitam e da sensibilidade para a circulação da Palavra na vida dos homens e mulheres do nosso tempo", escreve Marcelo Neri, teólogo, professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, em artigo publicado por Settimana News, 09-08-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Pode-se discordar ou criticar o que Giampaolo Ferri escreveu aliás, talvez se devesse fazer isso. No entanto, não se pode esconder que aquelas breves linhas expressam um mal-estar generalizado, um desconforto do ministério ordenado no contexto contemporâneo. Ora, esse desconforto pode ter motivos mais ou menos cabíveis sobre os quais é oportuno discutir - com padres e diáconos em primeiro lugar. Mas o fato é que, do lado subjetivo do ministério, emerge esse mal-estar de ser padre hoje.
Não deveria ser nem simplesmente censurado nem esquecido - porque, por mais paradoxal que pareça, a questão biográfica do padre vai além de sua pessoa e de sua história. Tem repercussões sobre a vida das comunidades cristãs e sobre a Igreja italiana. Deveria, portanto, ser enfrentado (também empiricamente) e compreendido.
O apelo a rever a teologia do ministério ordenado não é sem motivos, mas surpreende que nada se diga sobre a espiritualidade do padre - ou seja, sobre o modo de viver na sua história um ministério cujas coordenadas fundamentais são, afinal das contas, impessoais - justamente, aquelas de um mandato a favor da fé da comunidade cristã, das histórias que a habitam e da sensibilidade para a circulação da Palavra na vida dos homens e mulheres do nosso tempo.
Mas como se aprende a personalização de uma abstração (e as chamadas realidades objetivas do ministério ordenado, de ser padre, o são)? Só pela experiência, o exercício do próprio ministério: vivendo-com aqueles que viveram esse caminho de aprendizagem (presbitério) e com aqueles que já o acompanharam (comunidade cristã). Ao contrário, a ênfase, especialmente nos anos de formação, é colocada, por um lado, na dimensão privada (vocação) e, pelo outro, na dimensão puramente cognitiva e de observância exterior.
Além disso, há uma falta de conhecimento efetivo das comunidades cristãs por parte daqueles que governam uma Igreja local – junto com uma ausência de projetos para os padres e os diáconos que nela exercem seu ministério. Isso leva a uma uniformidade achatada das vivências comunitárias: tudo deve ser igual em todos os lugares. Cada caracterização específica é vista como uma ameaça ao invés de um recurso para toda a Igreja diocesana. Esse achatamento do cristianismo, que o torna cômodo de governar, não faz senão empobrecê-lo – muitas vezes gerando desconforto precisamente entre aqueles que mais se preocupam com a comunidade e a vivência da fé.
Nisso, os padres deveriam aprender a olhar para os leigos: para a resistência de sua fé, muitas vezes apesar do ministério ordenado, diante da fraca resiliência de que este último às vezes parece capaz.
Ao estar em contato com a vida das pessoas, aprende-se a reduzir muitas das próprias insatisfações pessoais - a menos que se seja patologicamente ou institucionalmente narcisistas.