28 Julho 2023
Uma parte dos 40.000 franceses que participarão da Jornada Mundial da Juventude - JMJ chegam na quarta-feira, 26 de julho a Lisboa, onde se realizará a 37ª edição a partir de 2 de agosto. Entre eles, a maioria defende uma concepção tradicionalista da religião.
A reportagem é de Sarah Belouezzane, publicada por Le Monde, 27-07-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
29 de maio deste ano. Chegam em grupos de várias dezenas e se concentram no adro da Catedral de Notre Dame de Chartres. Chegam exaustos e com os rostos queimados pelo sol escaldante que os acompanhou durante todo o caminho, os jovens que participaram da peregrinação organizado pela associação Notre-Dame de la Chrétienté, e se sentam onde podem.
16.000 caminharam durante três dias e cem quilômetros, entre a igreja de Saint Sulpice em Paris e a catedral de Chartres. À chegada, nem todos encontram lugar no interior do edifício para assistir à missa em latim, momento culminante dessa peregrinação tradicional que reúne jovens não apenas tradicionalistas.
No entanto, os que ficaram do lado de fora observam o rito, que se tornou o símbolo de uma concepção tradicionalista do catolicismo, em telas gigantes. Acima de tudo, têm direito à Procissão dos Capítulos com as suas bandeiras e com os padres de batina, outro símbolo da franja identitária do catolicismo.
Aqueles que quiserem pode confessar-se com os padres sentados para esse propósito nos quatro cantos do adro. A média dos participantes tem menos de 20 anos. O evento é um momento central de encontro dos jovens católicos franceses. Como o serão as Jornadas Mundiais da Juventude (JMJ), de 2 a 6 de agosto em Lisboa; 40.000 franceses estarão presentes. Boa pare deles já era esperada na quarta-feira, 26 de julho, para passar um tempo conhecendo as diferentes dioceses portuguesas.
A delegação francesa será a terceira em número, depois da Itália e da Espanha.
Maria não participará. Pelo menos não desta vez. Como muitos jovens que participaram do Caminho entre Paris e Chartres "para se reencontrar" no final de maio, estudante do ensino médio de dezoito anos aprecia particularmente a missa em latim. “Não gosto muito da missa normal, a missa tradicional é linda, é mais vertical, o padre está voltado para Deus e não para nós e o latim garante uma solenidade e uma gravidade que a língua francesa não permite”, afirma a garota. Para ela, para além do simples ritual, trata-se também de um símbolo dos "valores tradicionais" com os quais se afina: uma certa concepção clássica da família, da moral sexual e da sociedade como um todo com uma forte oposição pessoal ao aborto e casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Um sistema de valores conservadores que Théophile, 19 anos, de Rouen compartilha amplamente. Para ele, como para grande parte dos jovens católicos, “a busca de sentido e de pontos de referência” passa pela escolha de uma certa rigidez nos princípios religiosos e sociais. “Hoje o mundo se move em grande velocidade e continua a evoluir com uma hipersexualização das relações, numa sociedade obcecada pelo consumismo. Isso nos faz querer parar e refletir sobre os valores, sobre os nossos valores, que não são necessariamente os que todos compartilham hoje”.
Como Théophile e Marie, muitos jovens católicos praticantes estão entre os conservadores, como mostra uma pesquisa realizada pelo La Croix em maio. Foi um levantamento dirigido apenas àqueles que pretendiam participar na JMJ e que por isso têm os meios. No entanto, segundo muitos pesquisadores, isso não impede que as populações se sobreponham e os participantes da JMJ sejam representativos em muitos aspectos. Segundo o sociólogo Yann Raison du Cleuziou, especialista em catolicismo contemporâneo e em grande parte autor da pesquisa, o fenômeno se explica principalmente por uma melhor transmissão da religião nos ambientes conservadores.
Em uma sociedade secularizada como a francesa, a fé não é mais transmitida automaticamente de pais para filhos. “Temos uma juventude católica mais conservadora porque são os mais conservadores que melhor transmitiram os seus valores dentro das famílias”, afirma o especialista. Afinal, é o mesmo para as outras religiões. Segundo ele, a tendência é “estrutural”: “O fato de o catolicismo se recompor em volta das tendências mais conservadoras presentes nele é um fato social que perdurará no tempo”.
Uma segunda chave de leitura é que esses jovens, crescendo em um mundo secularizado, vivem como uma minoria e se comportam de acordo. “Os jovens assumem o seu status de minoria, explica Raison du Cleuziou, porque sentem que devem ter peso para defender seus interesses, e por isso é absolutamente normal que defendam a diferença em relação aos valores dominantes da sociedade". Pelo contrário, segundo o investigador, os adultos, que conheceram uma experiência majoritária – com uma sociedade mais sistematicamente católica e batismos mais numerosos – procuram mais o acordo com os valores dominantes que estão em constante evolução.
“Os jovens vivem em um universo que representa um desafio maior em termos de transmissão e vivência da fé", considera o padre Vincent Breynaert, diretor do serviço nacional de evangelização dos jovens na Conferência Episcopal Francesa. Ele acredita que “é preciso prestar bastante atenção a esta pesquisa de pontos de referência sem tentar julgá-la”. Ele vê nesses jovens “uma geração de conquistados” apegados à sua fé depois de “duas gerações de pessoas que a abandonaram” e que, portanto, certamente não a transmitiram.
Em Chartres, recorda Alix, de 31 anos: ela escolhe a sua fé "todos os dias", ao contrário membros da geração de seus pais. Fé que ela diz que deve continuamente justificar junto aos outros jovens de sua idade que, segundo ela, não entendem a sua escolha. Como os outros, acredita que o que deixa as igrejas vazias é “uma perda generalizada de pontos de referência e de regras".
Como os outros, também Alix tem uma relação muito ambígua com o Papa Francisco, cujas posições ela não entende, principalmente em relação aos migrantes. “Às vezes tenho a impressão de que ele não se interessa por nós, jovens franceses, que nos deixa de lado”, afirma. “No final, a geração Francisco é formada por uma minoria de jovens, sua luta é orientada principalmente para os problemas da ecologia”, explica Yann Raison du Cleuziou. No entanto, o pesquisador insiste no fato de que existem diferentes correntes dentro dessa juventude cheia de contrastes e nuances, ainda que funcionem como se fossem divididos “in silos”, em bolhas, e não se cruzem mais. Segundo bispos e padres, os jovens conservadores não são os únicos que encontram em suas paróquias.
Mehdi Djaadi é um jovem comediante, ex-muçulmano que se converteu ao catolicismo. Ela afirma que encontra um amplo espectro de jovens crentes em seus shows. Ele também observou uma juventude que funciona em "silos" paralelos. Mesmo assim vê, como denominador comum, "a esperança, o desejo de um mundo melhor, sobretudo no que diz respeito à paz e à ecologia". Ele entende "uma juventude que não deve ser rejeitada, que precisa de pontos de referências e de tradições diante de um mundo que acredita ter chegado ao fim", mas convida a não esquecer "os outros jovens católicos": os jovens de bairros populares, das Antilhas ou de ascendência africana.
Victoria, 35 anos, idade limite para participar da JMJ, está entusiasmada. Partiu para Portugal em 26 de julho, vai passar uma semana na diocese do Porto. Está preocupada com o aumento da temperatura no planeta e com uma Igreja que “não dá espaço suficiente às mulheres” e nem mesmo “ao diálogo e à democracia ao tomar as decisões”.
Todos esses são temas que deveriam ser levados em consideração na grande assembleia sinodal programada para o mês de outubro deste ano pelo Papa Francisco. Vittoria espera vê-lo pessoalmente na JMJ.
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Os jovens católicos franceses são mais conservadores que os adultos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU