18 Mai 2023
O polêmico selo do Vaticano alusivo à Jornada Mundial da Juventude (JMJ) Lisboa 2023 foi retirado de circulação nas últimas horas e, ao que tudo indica, será destruído. A informação foi confirmada no Vaticano pelo 7MARGENS, através de um funcionário do Vaticano a quem tínhamos pedido para comprar um exemplar do selo. No posto de correios oficial da Praça São Pedro, o empregado que atendeu disse que era impossível fazer a venda, por ordens superiores, pois ele iria ser retirado.
A reportagem é de António Marujo, publicada por 7MARGENS, 17-05-2023.
Normalmente, quando há uma decisão de retirada de circulação de uma emissão filatélica, os exemplares de selos que sobram são destruídos, o que faz aumentar exponencialmente o valor do selo no mercado. Ou seja, quem comprou na terça-feira o selo da JMJ tem, neste momento um objeto filatélico que pode vir a atingir um grande valor de mercado.
Selo comemorativo da JMJ Lisboa 2023. (Foto: Reprodução | Vatican Media)
Já esta manhã, o 7MARGENS dirigira aos responsáveis do Serviço de Correios e Filatelia do Vaticano um conjunto de perguntas sobre o assunto, para enquadrar este episódio. Em concreto, queríamos saber se o autor do desenho, Stefano Morri, e os responsáveis do Serviço Filatélico do Vaticano estavam conscientes do significado ideológico do Padrão dos Descobrimentos e da estética usada na concepção do selo, em tudo idêntica à propalada pelo Estado Novo, como o próprio bispo e historiador Carlos Azevedo referiu.
Também perguntávamos se, mesmo não havendo esse conhecimento, não se considerou o selo como o oposto do que o Papa sugere como atitude para os cristãos, de universalismo e não nacionalismo e de falta de modernidade. Outra das perguntas pretendia saber se o Serviço do Vaticano tinha consultado alguém em Portugal ou na JMJ (a porta-voz da Jornada, Rosa Pedroso Lima, disse que o aquele departamento da Santa Sé comunicara a existência do selo no dia 5). E, finalmente, queríamos saber se tinham conhecimento no Vaticano das críticas surgidas em Portugal e se ponderavam retirar o selo de venda e de circulação.
Pelos vistos, a decisão foi rápida e já estaria tomada.
No entanto, na noite desta quarta-feira, o selo continuava disponível para venda online na página do Serviço Filatélico do Vaticano e era possível comprá-lo. O observador citou ainda uma fonte oficial do Governo do Estado da Cidade do Vaticano (a autoridade civil do pequeno país, que é o emissor do selo postal) que segundo a qual “o selo foi retirado”, acrescentando que haveria “um novo selo em substituição”.
Tal como o 7MARGENS noticiou, o selo mostra Francisco e diversos jovens e crianças no lugar dos exploradores representados originalmente no Padrão dos Descobrimentos. Após a divulgação da imagem do mesmo, foram vários os comentários negativos publicados nas redes sociais, alegando que a ilustração remete para o imaginário gráfico do Secretariado de Propaganda Nacional do Estado Novo e o colonialismo.
“Certamente o Papa Francisco não se identifica com esta imagem nacionalista” que “contraria a fraternidade universal”, reagiu o bispo Carlos Azevedo, que exerce as suas funções no Vaticano, citado pelo Diário de Notícias na terça-feira. O mesmo responsável considerava que o selo “recorre a uma obra muito conotada” e “evoca epicamente uma realidade pastoral que não corresponde a esse espírito”.
A porta-voz da Fundação JMJ explicara entretanto que o selo era da autoria de um artista italiano e que eram possíveis “várias leituras” sobre o desenho, cujo objectivo era “promover a Jornada Mundial da Juventude”. Rosa Pedroso Lima acrescentou ao 7MARGENS que a organização portuguesa da JMJ não tinha sido consultada e que recebera informação sobre o selo no passado dia 5.
Os selos do Vaticano são dos mais procurados entre filatelistas e chegam a atingir valores de mercado bastante altos. No caso de uma emissão de selos destruída depois de alguns exemplares terem sido vendidos e postos em circulação, esse valor tendencialmente pode atingir valores ainda mais altos.
Até ao momento, desde o início do ano, o Vaticano publicou já sete emissões de selos: duas dedicadas aos 10 anos do pontificado do Papa Francisco, outra à memória do Papa Bento XVI, que morreu em 31 de Dezembro último. Uma emissão alusiva à Páscoa reproduz uma obra do artista espanhol Raúl Berzosa. Uma outra celebra os 550 anos de Nicolau Copérnico, numa emissão conjunta com a Polónia. Um selo com a etapa africana da “peregrinação ideal à volta da Terra” integra também o lote das emissões já publicadas, a par de um outro que celebra os 100 anos da Aeronáutica Militar Italiana – publicada em conjunto com a Itália e a Ordem Soberana Militar de Malta.
No mesmo dia do polémico selo comemorativo da JMJ, foi colocada à venda a emissão anual dedicada à Europa, desta vez sob o tema da paz, na qual se reproduz uma foto do Papa com a bandeira ucraniana.
Até final do ano, o Vaticano tem previstas ainda, entre outras, emissões comemorativas alusivas ao Natal, às viagens do Papa em 2022 e à Década para a recuperação dos ecossistemas. Dois escritores serão também celebrados: os 150 anos da morte de Alessandro Manzoni, autor de Os Noivos, uma das mais importantes obras da literatura italiana; e os 150 anos do nascimento de Charles Peguy, autor de Os Portais do Mistério da Segunda Virtude, um longo poema dedicado ao tema da esperança.
Na lista, incluem-se ainda emissões alusivas aos 250 anos da instituição da Pontifícia Universidade Lateranense e o centenário da Comissão Permanente para a Tutela dos Monumentos Históricos e Artísticos da Santa Sé.
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Vaticano retirou polêmico selo da JMJ de circulação, mas ele continua à venda “online” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU