20 Julho 2023
"Na atual situação, a negociação parece quase impossível, mas vamos ver até onde conseguirá ir à Santa Sé com a sua tentativa. Claro, entre Putin que está realizando um expurgo interno nos aparatos para punir os altos escalões militares que criticam cada vez mais abertamente a até agora desastrosa condução da guerra na Ucrânia, e o Presidente Biden, que acaba de decidir o envio de bombas de fragmentação às forças armadas de Kiev, o espaço para uma mediação humanitária parece realmente reduzido ao mínimo", escreve Francesco Peloso, jornalista, em artigo publicado por Domani, 19-07-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
O paradoxo é este: o Vaticano, depois de ter investido muito de sua credibilidade e de sua capacidade de ação na possibilidade de manter uma linha aberta de diálogo com Moscou, e de ter também pago por isso um preço em termos de desconfiança e descontentamento do lado ucraniano (incluindo as críticas da Igreja greco-católica em comunhão com Roma), teve de recorrer à Casa Branca para buscar ajuda na difícil mediação humanitária que está realizando.
Além disso, enquanto em Washington o enviado do papa, o cardeal Matteo Zuppi, se reuniu com o presidente Joe Biden, católico praticante, além de alguns parlamentares do Congresso, no Kremlin o cardeal italiano só conseguiu conversar com funcionários de segundo escalão: nem o presidente Vladimir Putin nem o chanceler Sergej Lavrov falaram pessoalmente com o enviado do pontífice.
O líder ucraniano Volodymyr Zelensky, por sua vez, esteve no Vaticano em maio passado, onde se encontrou pessoalmente com o papa. Em seguida, juntamente com outros membros de seu governo, recebeu o presidente dos bispos italianos em Kiev. Sabe-se também que a Ucrânia pediu ajuda à Santa Sé na complicada negociação humanitária para a libertação de milhares de crianças e adolescentes (fala-se de cerca de 19.000 crianças) sequestradas pelas forças de ocupação russa.
Na atual situação, a negociação parece quase impossível, mas vamos ver até onde conseguirá ir à Santa Sé com a sua tentativa. Claro, entre Putin que está realizando um expurgo interno nos aparatos para punir os altos escalões militares que criticam cada vez mais abertamente a até agora desastrosa condução da guerra na Ucrânia, e o Presidente Biden, que acaba de decidir o envio de bombas de fragmentação às forças armadas de Kiev, o espaço para uma mediação humanitária parece realmente reduzido ao mínimo.
Também é verdade que o próprio Biden sabe que a guerra não pode durar indefinidamente, até porque em menos de um ano e meio, em 5 de novembro de 2024, haverá eleições para a Casa Branca e chegar àquela data com um conflito que se alastra na Europa, mas que também consome recursos nos EUA, não é um bom sinal eleitoral para um segundo mandato.
É, portanto, entre essas hipotéticas fragilidades políticas, entre Moscou e Washington, que está tentando se inserir a Santa Sé com a sua tentativa. Talvez esperando que a não renovação do acordo sobre o trigo do lado russo acelere a pressão internacional para um fim negociado para o conflito.
Resta dizer, porém, que a substancial indiferença com que foi recebida a missão da Zuppi em Moscou, e os muitos entraves colocados ao enviado do papa em Kiev, parecem ter enfraquecido a missão vaticana que parece encontrar escuta sobretudo por respeito ao papa e ao seu magistério moral, particularmente no Ocidente.
Zuppi se encontrou com Biden na noite de terça-feira. Um comunicado divulgado pela Casa Branca definia os conteúdos da visita da seguinte forma: “O presidente Biden e o cardeal Zuppi discutirão sobre o sofrimento generalizado causado pela guerra brutal da Rússia na Ucrânia.
Eles também discutirão os esforços dos Estados Unidos e da Santa Sé para fornecer ajuda humanitária ás pessoas afetadas e sobre a atenção da Sé Pontifícia pelo repatriamento de crianças ucranianas deportadas à força por funcionários russos”. O tema aparece, os tons um pouco menos; veremos no futuro se sob a dureza das palavras algo concreto está se movendo.
Deve-se dizer, em todo caso, que "recuar" na missão humanitária e torná-la pública não é certo que seja uma boa escolha do Vaticano. De fato, para a Rússia de Putin seria admitir ter cometido um crime de guerra, e se é verdade que exatamente por isso o Tribunal criminal internacional emitiu mandados de prisão contra o presidente e outros funcionários russos, é fato que abrir uma negociação abertamente sobre esse aspecto constituiria um dano colossal à imagem.
A menos que tudo corra de forma discreta e com mútuo acordo e satisfação das partes envolvidas. Cenário que, na quarta-feira, ainda parece bastante complicado.
Resta saber se, voltando a um cenário negocial mais amplo, a Santa Sé realmente possa fazer valer as razões da paz, talvez alargando a equipe dos mediadores em campo, quebrando assim o isolamento em que o Vaticano parece ter se fechado nesta fase da crise e tentando assim reconstruir uma base de alianças internacionais, para além dos principais protagonistas do conflito presos cada um ao seu papel, para exercer pressão em favor de uma negociação que quebre a lógica das bombas.
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O Vaticano está em diálogo com Moscou, mas precisa dos EUA para a paz. Artigo de Francesco Peloso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU