19 Julho 2023
“Nos últimos dez dias, uma série de eventos climáticos extremos tem afetado várias partes do mundo, deixando um rastro de destruição e causando preocupação generalizada sobre as mudanças climáticas. Um dos destaques desse período foram os recordes históricos de temperatura registrados no início de julho. Muitas regiões enfrentam ondas de calor sem precedentes. Países da Europa, como França, Alemanha e Holanda, sofreram com termômetros marcando acima dos 40 graus Celsius. Essas altas temperaturas levaram a problemas de saúde pública, incêndios florestais e uma demanda sem precedentes por energia para resfriamento. Regiões do sudeste asiático, como Índia, Bangladesh e China, enfrentaram fortes chuvas e inundações devastadoras. Em paralelo, áreas como o oeste dos Estados Unidos e Canadá continuaram a sofrer com uma grave seca, que tem levado a incêndios florestais intensos. Cientistas alertam que esses eventos provavelmente se tornarão mais frequentes e intensos no futuro, a menos que medidas significativas sejam tomadas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e mitigar os efeitos do aquecimento global. O tempo está se esgotando, e a urgência de agir contra as mudanças climáticas nunca foi tão evidente.”
O boletim é publicado por Observatório do Clima, 17-07-2023.
Se você não aguenta mais ler textos como esse acima, tem nossa solidariedade: a gente também não aguenta mais escrever a mesma coisa. Aliás, esse parágrafo aí no alto nem foi feito por nós; pedimos ao ChatGPT para produzi-lo, o que torna a inteligência artificial mais apta a ser secretária municipal de Mudança Climática de São Paulo do que o ocupante anterior do cargo (leia abaixo). Mas também indica que extremos climáticos descontrolados viraram o novo normal, numa temporada de desastres que se repete todos os anos, em especial no verão do hemisfério Norte (ondas de calor e incêndios) e no verão do hemisfério Sul (enxurradas, inundações e deslizamentos).
Vira e mexe, porém, um recorde ainda mais assombroso ganha o noticiário. Foi o caso do registro do dia mais quente da história, 3 de julho. Naquela data, a temperatura média da Terra atingiu 17,01ºC, a mais alta em qualquer momento desde o início das medições com termômetros, no século 19. O recorde durou menos de 24 horas: no dia 4, a média chegou a 17,18ºC, valor que se manteve no dia 5 e subiu no dia 6 para 17,23ºC, dando ao mundo a semana mais quente dos últimos 150 anos pelo menos. Nos próximos meses, à medida que o El Niño exercer sua força máxima, outras tragédias deverão se abater sobre o mundo, que no entanto tem falhado em responder à altura.
Boa sorte para nós.
O mundo bateu no começo de julho três recordes sucessivos de calor. Os dias 3, 4 e 6 foram os três mais quentes já registrados desde o início das medições com termômetros, em 1880. A superfície terrestre atingiu temperaturas médias de 17,01ºC e 17,18ºC dias 3 e 4, permanecendo em 17,18ºC no dia 5 e subindo para 17,23ºC no dia 6. É mais do que 2ºC a mais do que a média pré-industrial, de 15ºC, e supera em muito o recorde anterior, de 16,92ºC, em agosto de 2016 (o ano mais quente da história por enquanto).
As temperaturas extremas resultam de uma combinação de três fatores: o verão no hemisfério Norte, que concentra a maior parte das terras emersas e portanto dita o ritmo dos termômetros no ano; o El Niño, que chegou chegando em junho (a propósito, o junho mais quente da história segundo a Nasa, 1,07ºC acima da média, contra 0,92ºC do recorde anterior); e o velho e nada bom aquecimento global. Este ano está com tudo para ser o mais quente de todos os tempos – e 2024 pode ser ainda pior, devido à permanência do El Niño.
Ondas de calor com dezenas de mortos e incêndios florestais precoces vêm ocorrendo na América do Norte e na Europa. No Líbano, como mostrou Leila Salim neste relato, a sensação térmica de 40ºC é agravada pela crise econômica que leva a cortes de energia e contas de luz impagáveis.
Não é só o norte global que sofre. No Brasil, os últimos dias viram chuvas extremas em Alagoas, com 32 municípios em estado de emergência e mais de 7.000 desabrigados e desalojados (segundo a CNN). No Rio Grande do Sul e no Paraná, um ciclone extratropical tocou terra e deixou pelo menos um morto e 1 milhão de pessoas sem energia (na Folha). Os efeitos do vendaval foram sentidos até em São Paulo.
Depois de ser criticado por conflito de interesses, ter a cabeça pedida por eurodeputados e passar pela conferência de Bonn em junho sem dizer a que veio, o presidente da COP28, Sultan Al Jaber, enfim botou as cartas na mesa. O emiradense apresentou nesta semana a diplomatas do mundo inteiro sua visão para a presidência da COP, que pelo menos por enquanto deve silenciar os críticos. Comemorem com cautela, mas parece haver uma demonstração de liderança aqui.
O plano de Al Jaber se baseia no que ele chama, sem modéstia alguma, de “quatro mudanças de paradigma”: cortar emissões antes de 2030 (o que inclui um chamado aos países para melhorar suas NDCs); transformar o financiamento climático (incluindo a cobrança dos US$ 600 bilhões que os países ricos nunca pagaram); botar as pessoas, a natureza e os modos de vida no centro da ação climática; e mobilizar para a COP mais inclusiva da história (naquele país que prende intelectuais por assinar uma carta pedindo eleições parlamentares).
Três pontos em especial chamaram atenção dos autores desta newsletter. O primeiro é que Al Jaber (pronuncia-se “L Jáber”) parece ter modulado seu discurso sobre combustíveis fósseis: no começo do ano, ele insistia em falar na “eliminação das emissões de combustíveis fósseis”, o que implicaria em deixar queimar óleo e carvão, desde que essas emissões fossem sequestradas por alguma mágica do mundo de Harry Potter; em junho, falou em “reduzir os combustíveis fósseis não-abatidos [sem sequestro de carbono]”; e, agora, fala simplesmente em “reduzir os combustíveis fósseis”. O segundo é a promessa de entregar um código de conduta, para responder às acusações de conflito de interesse (Al Jaber é presidente da petroleira Adnoc e há temores de que a COP28 vire um festival de lobistas fósseis). O terceiro é a promessa de manter o limite de 1,5ºC como “a estrela-guia” das negociações, algo que arrancou suspiros do czar do clima americano, John Kerry. A ver como a presidência emiradense colocará em prática essa visão. Como disse o ativista indiano Harjeet Singh no Guardian, “o diabo está nos detalhes”. Leia aqui (em inglês) a visão dos Emirados Árabes para a COP.
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, exonerou ontem (14) o advogado Antônio Fernando Pinheiro Pedro do cargo de secretário-executivo de Mudança Climática do município. A demissão ocorreu depois que o site Metrópoles desenterrou um vídeo cheio de afirmações negacionistas feitas pelo então secretário numa reunião da OAB em junho. A uma plateia estarrecida, ele afirmou que “o planeta se salva sozinho” e que os fatores principais da crise ambiental são solares, geofísicos etc. (zzzz). Na quinta-feira, a Folha também lembrou que Pinheiro Pedro foi um dos articuladores do desmonte da governança ambiental no governo passado, como parte da equipe de transição liderada por Evaristo de Miranda. O Fakebook.eco examinou as alegações e explicou por que o advogado, que nunca deveria ter ocupado o posto, mereceu cair.
Pesquisadores do Centro Polar e Climático da UFRGS mostraram com várias séries de dados o que os habitantes do Brasil Central já sabiam intuitivamente: o Cerrado está mais seco. O bioma perdeu chuvas na maior parte de sua extensão nos últimos 30 anos, e a queda é expressiva no período seco e no início da estação chuvosa: até 50%. Um dos lugares mais afetados é o oeste da Bahia, onde o agropop vem causando a maior expansão da fronteira agrícola e o desmatamento proporcionalmente mais acelerado do país. Antes que você fale “bem-feito para eles”, lembre-se de que o Cerrado é o lugar onde nascem os rios que abastecem o país inteiro. Falta d’água por lá afeta todo mundo. Leia aqui.
Depois de duas semanas de negociações, a reunião da Organização Marítima Internacional (IMO, o braço da ONU para o transporte naval) terminou no último dia 7 em Londres com um acordo genérico, que prevê neutralizar as emissões do setor “até, por volta de ou perto de 2050”. Apesar da ausência de data para a neutralização, os negociadores conseguiram ao menos estabelecer metas intermediárias: 20% de corte de emissões até 2030 (“envidando esforços para 30%”) e 70% até 2040 (“envidando esforços para 80%”). Já a proposta de criação de uma taxa sobre as emissões naufragou: países latino-americanos, liderados pelo Brasil, barraram a medida, argumentando que uma taxa indiscriminada prejudicaria economias que ficam distantes das grandes rotas de navegação e que exportam commodities, produtos volumosos e de pouco valor agregado. Leia mais aqui.
No último dia 5, o pernambucano Sérgio Xavier foi nomeado coordenador-executivo do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (FBMC), com o duplo desafio de reconstruir a estrutura, desmontada nos últimos quatro anos, e agir com a urgência imposta pela emergência climática. Convocado e presidido pelo Presidente da República, o FBMC tem a função de assessorar o chefe do Executivo na agenda climática e fazer a interlocução com a sociedade civil. Xavier diz que pretende reformular a estrutura “estática” do fórum e adotar um modelo em rede, com mais participação e agilidade para apresentação de medidas concretas. Em entrevista ao OC, ele discutiu as prioridades da agenda climática brasileira, destacando que o petróleo “precisa sair de cena” e a necessidade de criação de uma agenda econômica alternativa. Leia aqui.
Dados do Inpe divulgados pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima no último dia 6 mostraram que a área de alertas de desmatamento caiu 33,6% na Amazônia no primeiro semestre do governo Lula, na comparação com o mesmo período do ano anterior. Em junho, a queda foi de 41% na comparação com junho de 2022. Já no Cerrado, apesar da queda de 14,6% na área sob alertas de desmatamento em junho, houve alta expressiva no semestre: 21%. Diferentemente da Amazônia, no Cerrado a área fora de reserva legal (a área “desmatável” legalmente), é de 80%. Apenas 20% do bioma está protegido. Os Estados, entes responsáveis por autorizar e fiscalizar o desmatamento legal, têm autorizado muito desmatamento, e os proprietários rurais têm feito um “estoque” de autorizações, que valem por até quatro anos.
Enquanto isso, junho bateu recorde de queimadas, segundo o Inpe. Os focos na Amazônia para o mês chegaram a 3.075, maior número desde 2007 e que representa um aumento de 20% em relação ao ano passado. Uma análise dos dados de fogo feita pelo próprio Inpe dá uma pista do que está acontecendo: a maior parte dos focos de queimada detectados entre 3 de junho e 2 de julho está em Mato Grosso: 64% (1.982 focos). No Estado, 81% das queimadas aconteceram em áreas inscritas no Cadastro Ambiental Rural – ou seja, em propriedades rurais. Na Amazônia inteira, 68% dos focos aconteceram em propriedades rurais. O fogo está sendo ateado por fazendeiros. Leia mais aqui e aqui.
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A semana mais quente da história. Do Líbano ao Rio Grande do Sul, Terra cobra mais uma vez o preço da inação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU