18 Julho 2023
Estudo publicado pela organização Mighty Earth mostra que fazendas fornecedoras da empresa desmataram 11 mil hectares no Matopiba entre 2021 e 2023; material cita entre as fontes reportagens e dossiê do De Olho nos Ruralistas
A reportagem é de Nanci Pittelkow, publicada por De Olho Nos Ruralistas, 12-07-2023.
Enquanto o governo de Luiz Inácio Lula da Silva comemora a redução de 31% no desmatamento da Amazônia de janeiro a maio de 2023, em comparação com o mesmo período do ano anterior, no Cerrado a alta foi recorde. Somente em maio deste ano os alertas de desmatamento no bioma foram 83% maiores do que em 2022, segundo o Ministério do Meio Ambiente. Uma pesquisa da Mighty Earth, publicada em parceria com a Repórter Brasil e o Instituto Centro de Vida (ICV), mostra que a Bunge, principal exportadora de soja no Brasil, responde por parte significativa dessa destruição.
Em 2022, a multinacional estadunidense anunciou uma nova política de “desmatamento zero” no Cerrado, tendo o ano de 2020 como data-limite para a compra de soja oriunda de áreas desmatadas — isto é, qualquer fazenda com desmate realizado após esta data seria cortada da relação oficial de fornecedores.
Essa política ainda não saiu do papel: o relatório “Salvando o Cerrado: porque Bunge, supermercados e governos devem agir imediatamente” aponta que, entre junho de 2021 e março de 2023, três fornecedores diretos da Bunge foram responsáveis pelo desmatamento de 11.351 hectares, nos municípios de Luis Eduardo Guimarães e Barreiras (BA) e Baixa Grande do Ribeiro (PI). Além disso, a empresa pode estar atrelada indiretamente a outros 14.598 hectares devastados em cinco fazendas no mesmo período, todas no Matopiba — região que engloba as áreas de Cerrado dos estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. A Bunge confirmou possuir relações com quatro das oito fazendas listadas.
Entre os fornecedores diretos identificados pela Mighty Earth estão o Grupo Franciosi, o Condomínio Milla e a InSolo Agroindustrial. Esta última foi beneficiada na transferência de 61 títulos fundiários pelo ex-governador piauiense Wilson Martins (PSB), conforme mostrou reportagem do observatório durante as eleições de 2018: “Histórias de grilagem e venda de terras públicas marcam candidaturas no Piauí“.
Entre os indiretos, o destaque vai para Irineu Orth, suplente do senador ruralista Luis Carlos Heinze (PP-RS), ex-presidente e dirigente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Em 2019, De Olho nos Ruralistas identificou a relação de fazendas do político gaúcho no especial Mapa de Terras de Parlamentares. Entre elas, a Tapera Grande, em Correntina (BA), onde 937 hectares foram desmatados ilegalmente entre julho de 2022 e janeiro de 2023, segundo a Mighty Earth.
Clique aqui para baixar o relatório.
Bunge possuía imóvel sobreposto à TI Morro Alto, no porto de São Francisco do Sul (Foto: Eduardo Carlini | De Olho nos Ruralistas | Reprodução)
Publicado em junho, o relatório da Mighty Earth aponta a política de controle e fiscalização de fornecedores da Bunge como uma das mais fracas do setor. Entre as fontes usadas para endossar o descumprimento das salvaguardas ambientais pela empresa, o estudo cita a primeira parte do dossiê “Os Invasores“, deste observatório, que tem um capítulo destinado à participação de gigantes da soja em sobreposições de terras indígenas.
No caso da Bunge, o povo Guarani Mbya luta desde 2009 para que a demarcação da TI Morro Alto, em Santa Catarina, seja concretizada. No caminho está o imóvel “Projeto São Francisco 135”, que avança 134 hectares no território reivindicado pelos indígenas. A área, destinada à instalação de armazéns portuários, pertencia, até meados de 2022, à Bunge Alimentos S.A., uma das subsidiárias da gigante estadunidense.
Outra citação ao De Olho nos Ruralistas remete à reportagem de 2022 sobre o relatório “Desmatamento, grilagem de terras e financeirização: Impactos da expansão do monocultivo da soja no Brasil”, da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. O texto remete a um caso de grilagem em Uruçuí (PI), onde fica uma das unidades da Bunge.
Entre 2019 e 2020, este observatório integrou um consórcio de pesquisa junto à Mighty Earth e à ONG holandesa AidEnvironment, para publicação de relatórios mensais de desmatamento na Amazônia e no Cerrado, identificando os proprietários de cada fazenda. Intitulado Rapid Response, o projeto teve mais de vinte edições e foi consolidado também em português: “De Olho nos Ruralistas publica relatórios sobre desmatamento na Amazônia e no Cerrado“. Parte dos dados foi usada na nova publicação sobre a Bunge.
A Bunge é a quarta maior exportadora entre todos os setores e a primeira no setor agrícola do Brasil. Os derivados de soja da Bunge são usados principalmente como ração na produção de carne bovina, suína, de aves e de laticínios, que é vendida em supermercados brasileiros e da Europa, além de abastecer cadeias de fast food. Mais de 80% da receita da multinacional depende da soja e seus derivados.
No Cerrado, as atividades da Bunge representam 50% do risco de desmatamento de todo o bioma. A Bunge confirmou o fornecimento direto de soja de quatro das oito fazendas identificadas com desmatamento, mas não demonstrou intenção de parar de comprar desses sojeiros. A empresa tampouco anunciou investigação interna sobre outras fazendas do Cerrado em áreas com risco de desmatamento.
Como conclusão, a Mighty Earth pede que a União Europeia inclua explicitamente o Cerrado e todos os outros ecossistemas naturais no escopo do regulamento de desmatamento e rejeite qualquer acordo de livre comércio que ponha em risco os ecossistemas naturais vulneráveis e a proteção dos direitos e dos meios de subsistência das comunidades indígenas e tradicionais.
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Multinacional Bunge tem papel central no desmatamento do Cerrado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU