22 Junho 2023
O filósofo australiano Peter Singer considera que “é justificável” que haja “certo medo” da inteligência artificial e que é importante que, de alguma forma, haja um controle, ainda que para este professor de Bioética o desafio ético mais urgente seja a mudança climática.
Neste ano, Singer ganhou o Prêmio BBVA Fronteiras do Conhecimento em Humanidades, na Espanha, junto com o psicólogo experimental canadense Steven Pinker.
O filósofo australiano (Melbourne, 1946) marcou um ponto de inflexão ao estender e fundamentar a ética, com sua aplicação ao domínio dos animais, com notáveis consequências para a legislação internacional sobre o bem-estar animal.
Inspirador de movimentos em favor do bem-estar animal com o livro Libertação animal (1975), Singer explica que não se trata de dar o mesmo peso do sofrimento humano ao animal, mas que “eles devem receber a mesma consideração quanto a seus interesses. (...) Não devemos pensar que nós, como espécie, somos mais importantes que as outras”, acrescenta.
A entrevista é publicada por El Mercurio, 20-06-2023. A tradução é do Cepat.
Após quase 50 anos de “Libertação animal”, você está satisfeito com os avanços alcançados na defesa do bem-estar dos animais?
Não estou satisfeito, muito mais deveria ter sido feito, mas fico feliz que haja um movimento a favor dos direitos dos animais e que tenha havido avanços e mudanças nas leis, embora haja muito a ser feito.
É difícil que as pessoas se conscientizem de que os animais também sofrem, especialmente com algumas formas de criação, ou será que não nos importamos?
Existem muitas razões. Uma delas é que por milhares de anos tivemos uma ideologia que diz que temos um domínio sobre os animais e que podemos usá-los conforme nossa conveniência. Assim, desenvolvemos formas de usar os animais em macrogranjas e para experimentação. É difícil fazer mudanças em coisas que estão tão profundamente enraizadas em nossa cultura.
Do ponto de vista ético, qual é o desafio mais urgente que a humanidade enfrenta?
A mudança climática, provavelmente, está se tornando uma questão cada vez mais urgente. O clima está mudando em todo o planeta e, mesmo assim, continuamos emitindo gases do efeito estufa na atmosfera.
Parece que não percebemos como isso é perigoso?
Sim, mas o tempo se impõe, não podemos evitar que nos afete. Sou australiano e não podemos ignorar os incêndios florestais. Estamos tendo fenômenos climáticos sem precedentes.
Em seu pensamento, considera a importância do raciocínio para mudar a forma de agir e que é mais importante do que o impulso emocional. Se olharmos para o nosso mundo, andamos um pouco carentes de raciocínio?
Lamentavelmente, os seres humanos nem sempre agem com base no raciocínio, isso pode ser visto em muitas dimensões: no que diz respeito à guerra, às mudanças climáticas e a muitas crenças religiosas, mas isso não significa que o raciocínio não tenha avançado, quando olhamos para longos períodos da história.
Agora, usamos melhor o raciocínio, há mais pessoas que abordam a vida de forma racional para resolver os problemas da Terra, embora, claro, há pessoas que não agem racionalmente ou que não adotam um ponto de vista universal.
É importante reconhecermos que somos um só mundo e que a mudança climática e outras coisas afetam a todos nós. Essa é a dificuldade, não só é necessário ser racional, como também ter uma perspectiva suficientemente universal.
Considera que podemos alcançar essa perspectiva universal?
É preciso tentarmos ser otimistas, caso contrário, jogamos a toalha, e ter essa perspectiva sobretudo acerca da mudança climática, que é o que está nos obrigando a pensar que todos vivemos no mesmo mundo. Penso que muitas pessoas percebem isso e que chegará um momento em que todos os líderes dos países do mundo também perceberão.
A inteligência artificial está no centro de um debate. Há quem peça que a pesquisa sofra uma pausa, por alguns meses, e que seja regulamentada. Devemos ter medo dela?
É justificável que tenhamos certo medo da inteligência artificial e do que ela possa acabar fazendo, mas também é importante que a observemos, que a regulamentemos e a controlemos de certa forma. Penso que será muito difícil haver uma pausa para se pensar em como se desenvolverá. Será muito difícil haver um acordo global a esse respeito.
Além disso, é muito mais difícil observá-la do que o desenvolvimento de armas nucleares. É muito difícil vigiar se alguém está desenvolvendo inteligência artificial ou não, portanto, temos que confiar no bom senso.
Não queremos que a inteligência artificial saia de nosso controle e nos prejudique gravemente, então, penso que é muito bom que exista esse debate, que as pessoas tenham mais consciência da necessidade de pensar a esse respeito, mas não sei como poderemos chegar a um acordo comum.
Existe a possibilidade de que a inteligência artificial escape de nossas mãos? Quem deve supervisionar, um órgão internacional?
É preciso admitir que existem possibilidades de que escape do controle, não podemos dizer com certeza que nunca escapará de nossas mãos. Penso que precisamos dedicar tempo para conversar a respeito, para criar formas de controle com as quais possamos concordar, mas não sou muito especialista para entrar bastante no assunto.
Talvez no futuro chegue a superinteligência artificial. Ela deveria ter valores éticos?
Se chegássemos a desenvolvê-la, teria que considerar os interesses de todos os seres sencientes, não só dos seres humanos. Esses seriam os princípios fundamentais nos quais a inteligência artificial deveria se basear.
Como filósofo e professor de ética, qual é a influência dessa disciplina na vida das pessoas?
Sem dúvida, a filosofia e a ética influenciam nossa vida. Recebo centenas de e-mails de pessoas cujas vidas foram mudadas graças ao meu trabalho, ensino e a leitura de minha obra. Não se pode subestimar o poder da ética para mudar a vida das pessoas.
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“É necessário ter uma perspectiva suficientemente universal”. Entrevista com Peter Singer - Instituto Humanitas Unisinos - IHU