03 Junho 2023
"Luxemburgo e Camarões emitem pouca quantidade de gases de efeito estufa, o primeiro porque tem uma população muito pequena e o segundo porque tem uma renda per capita muito baixa", escreve José Eustáquio Diniz Alves, demógrafo e pesquisador em meio ambiente, em artigo publicado por EcoDebate, 31-05-2023.
O mundo está à beira de um aquecimento global sem precedentes ao longo dos últimos 12 mil anos, conforme mostrou o relatório síntese do Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado no dia 20 de março de 2023. A meta climática mais ambiciosa do Acordo de Paris, de limitar o aquecimento a 1,5 graus Celsius acima das temperaturas pré-industriais, pode ser superada em breve. Se nada for feito para diminuir as emissões de carbono as consequências podem ser catastróficas.
Segundo a “Identidade Kaya”, existem 4 fatores que determinam as emissões de CO2, sendo eles o tamanho da população, a afluência da economia (renda per capita) e os outros dois ligados à tecnologia, como a intensidade energética e a intensidade de carbono. Dado o padrão tecnológico, os dois fatores mais influentes são a população e o estilo de vida propiciado pela renda per capita.
O gráfico abaixo mostra as emissões de carbono de Luxemburgo e Camarões. Em 1950, Luxemburgo emitia 2 milhões de toneladas de carbono e Camarões emitia apenas 0,04 milhões de toneladas. Em 2021, Luxemburgo emitiu 2,28 milhões de toneladas de carbono e Camarões emitiu 2,54 milhões de toneladas (para obter os valores em milhões de toneladas de CO2 por ano, os valores devem ser multiplicados por 3.664).
(Foto: The Global Carbon Project 2022)
Portanto, os dois países emitem menos de 3 milhões de toneladas de Carbono, o que é muito pouco diante das 10 bilhões de toneladas de carbono emitidas pelo mundo. Sem dúvida, durante a maior parte do período as emissões de Luxemburgo foram maiores do as de Camarões, mas o país africano superou as emissões do país europeu nos últimos anos, embora as duas nações mantenham grandes diferenças sociais. Luxemburgo tem uma pequena população e uma elevadíssima renda per capita, enquanto Camarões possui uma população bem superior à de Luxemburgo e uma renda per capita bem menor.
Muitos analistas costumam dizer que os país pobres, mesmo com volumes significativos de população, contribuem pouco para as emissões globais de carbono, como Camarões. Mas a mesma observação também pode ser feita para os países ricos, com alto padrão de renda e consumo, mas com população pequena, como Luxemburgo.
Isto acontece porque as emissões totais de um país são o resultado do volume da população multiplicado pelo nível de renda e consumo (dado o padrão tecnológico). Desta maneira, Luxemburgo com um nível de afluência muito alto emite aproximadamente a mesma quantidade de carbono, em 2021, do que Camarões que tem um nível de afluência muito baixo. As emissões per capita de Camarões é baixa, mas quando se multiplica por uma população muito maior do que a de Luxemburgo, tem o efeito de aproximar as emissões totais de carbono. A tendência é Camarões aumentar as emissões por conta do aumento populacional, enquanto Luxemburgo deve diminuir as emissões por conta dos avanços tecnológicos.
O gráfico abaixo, mostra a renda per capita a preços constantes em poder de paridade de compra, para Luxemburgo e Camarões, nas últimas 4 décadas. Em 1980 a renda per capita era de US$ 3,3 mil em Camarões e de US$ 44,4 mil em Luxemburgo (13,5 vezes maior). Em 2022, a renda per capita de Camarões subiu ligeiramente para US$ 3,8 mil e a renda de Luxemburgo chegou a US$ 121 mil (32 vezes maior).
O gráfico abaixo mostra a população de Luxemburgo e Camarões, nas últimas 7 décadas. Em 1950 a população de Luxemburgo era de 297 mil habitantes e a de Camarões era de 4,3 milhões de habitantes (14,6 vezes maior). Em 2021, a população de Luxemburgo passou para 639 mil habitantes e a de Camarões saltou para US$ 27,2 milhões de habitantes (42,5 vezes maior).
Com o crescimento da população, o Produto Interno Bruto (PIB) de Camarões ultrapassou o PIB de Luxemburgo e, em consequência, ultrapassou também no volume de emissões de carbono. Ou seja, mesmo com uma renda per capita muito baixa, Camarões contribui mais para o efeito estufa do que Luxemburgo.
Portanto, não é correto ignorar o peso da população, assim como não se pode desprezar o peso da economia e do padrão de consumo, como explicou o economista ecológico Herman Daly (2018):
“O impacto ambiental é o produto do número de pessoas vezes o uso de recursos per capita. Em outras palavras, você tem dois números multiplicados um pelo outro – qual é o mais importante? Se você mantiver uma constante e deixar a outra variar, você ainda está multiplicando. Não faz sentido dizer que apenas um número é importante. No entanto, ainda é muito comumente dito. Suponho que faria algum sentido se pudéssemos nos diferenciar histórica e geograficamente – para determinar em que ponto da história, ou em que país, qual fator merecia maior atenção. Nesse sentido, eu diria que, certamente, para os Estados Unidos, o consumo per capita é o fator crucial – mas ainda estamos multiplicando pela população, então não podemos esquecer a população”.
Luxemburgo e Camarões emitem pouca quantidade de gases de efeito estufa, o primeiro porque tem uma população muito pequena (a despeito do altíssimo padrão de consumo) e o segundo porque tem uma renda per capita muito baixa. Mas Camarões tem um grande desafio pela frente, pois ainda apresenta crescimento populacional significativo (e deve chegar a 87 milhões de habitantes em 2100) e ainda precisa diminuir a pobreza e avançar no bem-estar social. Assim, as emissões de carbono de Camarões devem continuar crescendo, enquanto as emissões de Luxemburgo já estão diminuindo.
Como mostrei no artigo “Crescimento demoeconômico no Antropoceno e negacionismo demográfico” (Alves, 2022): “É impossível manter o crescimento demoeconômico do Antropoceno quando o sistema produtivo e o padrão de consumo geram, ininterruptamente, um fluxo metabólico entrópico”.
Desta forma, para evitar um aquecimento global catastrófico é preciso reduzir o consumo de combustíveis fósseis e levar em consideração os efeitos tanto da economia, quanto da população, além de investir em tecnologia para aumentar a eficiência enérgica e descarbonizar o sistema de produção e consumo.
ALVES, JED. Crescimento demoeconômico no Antropoceno e negacionismo demográfico, Liinc em Revista, RJ, v. 18, n. 1, maio 2022.
HERMAN DALY. Ecologies of Scale, Interview by Benjamin Kunkel. New Left Review 109, Jan-Feb 2018.
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O papel da população e da economia nas emissões de CO2 em Luxemburgo e Camarões. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU