05 Abril 2023
"Agora com a crise do sistema financeiro se percebe claramente a falta de atuação de órgãos reguladores do sistema. A crítica que tem sido feita nos Estados Unidos é que nem o Congresso Americano e nem o Federal Reserve estão interessados em regulação do sistema. Tudo isto piorou na administração de Donald Trump, cujo legado foi o de indicar pessoas para as posições de regulamentação do sistema, exatamente aquelas que se opunham e visavam enfraquecer a regulação ou o pouco do que existia antes, a exemplo da Lei denominada de Dodd-Frank, da administração de Obama, que poderia ter evitado a atual crise", escreve José Rodrigues Filho, professor da Universidade Federal da Paraíba, que foi pesquisador nas universidades de Johns Hopkins e Harvard, e que recentemente lecionou na Universidade McMaster, Canadá, em artigo publicado em seu blog, março de 2023.
Já foi dito que não se pode confiar em Bancos uma vez que eles representam aos olhos do público a privatização de ganhos e a socialização de perdas, principalmente nos períodos de crises. Por outro lado, resistem às iniciativas de processos regulatórios.
A recente falência do Silicon Valley Bank, nos Estados Unidos, teve duas causas principais – a crescente subida de juros pelo Federal Reserve (Banco Central americano) e a resistência ao processo regulatório. Os Bancos são instituições poderosas e grandes e não deveriam falhar, pois quando falham socializam suas perdas e prejuízos com a sociedade.
Não se sabe ainda o que vem por aí do lado do sistema financeiro, mas diante do que está acontecendo não se observa ainda iniciativas dos próprios Bancos sobre a definição de marcos regulatórios apropriados para se evitar tantas crises. Até parece que a cada década a sociedade tem que pagar um preço muito alto por conta das crises do sistema financeiro, a exemplo do que aconteceu em 2008.
Em 2021, a professora Saule Omarova, da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, foi nomeada pelo Presidente Biden para chefiar o Escritório de Controle da Moeda, órgão principal de regulação do sistema bancário, como imigrante e mulher a liderar uma instituição de 160 anos.
Infelizmente, logo que foi nomeada a indústria bancária e seus aliados políticos conduziram uma intensa campanha pública para bloquear a candidatura da professora Omarova, que tinha trabalhos escritos sobre as falhas do sistema financeiro, pedindo uma forte supervisão pública. Foi vista até como uma comunista, mas o que realmente afundou as chances da professora foi o fato de se opor a retirada de restrições regulatórios sobre os Bancos americanos.
A professora demonstrou e comprovou em seus escritos que seu objetivo era assegurar que os Bancos focassem na ajudas às pessoas e a promoção da economia real e não em obter altos lucros de negócios especulativos. Por fim, a posição dela era muito simples. “Acho que nosso sistema financeiro precisa fazer melhor para servir aos interesses dos americanos comuns, aos negócios americanos e a real economia americana”.
Agora com a crise do sistema financeiro se percebe claramente a falta de atuação de órgãos reguladores do sistema. A crítica que tem sido feita nos Estados Unidos é que nem o Congresso Americano e nem o Federal Reserve estão interessados em regulação do sistema. Tudo isto piorou na administração de Donald Trump, cujo legado foi o de indicar pessoas para as posições de regulamentação do sistema, exatamente aquelas que se opunham e visavam enfraquecer a regulação ou o pouco do que existia antes, a exemplo da Lei denominada de Dodd-Frank, da administração de Obama, que poderia ter evitado a atual crise.
Como pode um Banco Central se preocupar com a política monetária de um país, rejeitando uma profunda supervisão pública e a atuação de seus órgãos responsáveis por iniciativas regulatórias? A situação do Brasil é, com certeza, pior. A independência do Banco Central na administração Bolsonaro até parece mais uma iniciativa de desregulamentação do nossos sistema financeiro do que uma verdadeira independência.
Onde está o Congresso Nacional ou Senado, que não pode compactuar com a arrogância do presidente do Banco Central, aceitando uma taxa de juros de 13,75%? Onde estão os órgãos reguladores compactuando e aceitando que as pequenas e médias empresas e sociedade como um todo paguem silenciosamente os juros mais caros do mundo?
No Brasil estamos vivenciando os resultados de um discurso neoliberal perverso, que enfatiza a destruição do bem-estar social, ataca os sindicatos e fortalece a desregulamentação, quando a liberdade é transferida da liberdade humana para a liberdade do mercado, através de ações coercitivas do Estado. Ao longo dos anos, o regime financeiro dominante no Brasil conseguiu produzir a concentração econômica, de capital e de poder nas mãos de poucos que lucraram muito, enquanto a maioria dos cidadãos são incapazes de confrontar as classes dominantes levantando a voz.
Embora se perceba que vem de longe a percepção do poder destrutivo do Sistema Financeiro do Brasil, que funciona numa obscuridade total, dificultando a avaliação de questões relacionadas com um modelo de finanças sustentáveis, no momento, com a independência do Banco Central, o pouco do que resta da democracia brasileira está em risco. Não se pode discutir autonomia e independência de bancos centrais, sem discutir os poderes dos órgãos de supervisão e dos marcos regulatórios, que não devem se limitar apenas em preencher relatórios.
Não se pode continuar com modelos arcaicos e sem uma regulamentação apropriada, longe da obscuridade, evitando-se a improvisação, até engraçada do “chama o Meireles”, quando se quer salvar o sistema financeiro. A crise dos Bancos está aí de novo e é provável que sejamos convocados a pagar a farra deles mais uma vez. Privatizar lucros e socializar prejuízos não devem ser práticas de grandes instituições numa democracia.
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Desconfiança de Bancos – Privatizam os Ganhos e Socializam as Perdas. Artigo de José Rodrigues Filho - Instituto Humanitas Unisinos - IHU