29 Março 2023
O próximo Sínodo Mundial dos Bispos e seus preparativos nos processos sinodais em todo o mundo mostram como os sinais dos tempos desafiam a Igreja hoje à luz do Evangelho. Não se pode mais esconder os grandes problemas gerais que atualmente a abalam. Vamos citar apenas algumas palavras-chave: igualdade, minorias, poligamia, clericalismo, Igreja ministerial, abusos em todas as suas formas, reforma da moral sexual católica, celibato, papel das mulheres e sua ordenação, direitos da comunidade LGBTQIA+, neocolonialismo… – tudo isso é relevante no mundo inteiro.
O artigo é de Anne Béatrice Faye, que trabalha em Burkina Faso há seis anos, religiosa da Congregação da Imaculada Conceição de Castres, especializada em filosofia, onde trata da questão de gênero no contexto da África e atua na formação das religiosas e dos seminaristas, publicado por Settimana News, 27-03-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
A primeira afirmação é antes uma admissão. Devo admitir abertamente que, em certos contextos socioculturais, não é dado como certa possibilidade de fazer perguntas sobre os "companheiros de viagem", como é feito em preparação para o Sínodo Mundial dos Bispos; quanto mais ouvir uns aos outros como iguais e falar com ousadia à Igreja hierárquica!
Na Igreja, família de Deus na África, bispos, sacerdotes, fiéis, religiosos e jovens deveriam reconhecer abertamente que são iguais na Igreja e que têm opiniões diferentes. Com efeito, na vida quotidiana são os leigos e sobretudo as mulheres que fazem progredir a vida da Igreja. No entanto, em alguns países, apesar dos evidentes progressos, a Igreja ainda parece ser muito clerical, patriarcal e hierárquica.
Em segundo lugar, percebo que a preocupação com a conservação das instituições eclesiásticas muitas vezes está em desacordo com a proclamação do reino de Deus.
A centralidade do ministério episcopal ou sacerdotal torna possível uma ação pastoral coerente, desde que aqueles que ocupam posições de liderança estejam dispostos a trabalhar juntos quando se trata da missão da Igreja. As dificuldades surgem quando seu modo de liderar é demasiado centrado em sua pessoa e em sua autoridade. Ao contrário, precisamos colaborar e trabalhar em equipe para criar um clima de abertura e “espaços certos” de encontro e troca de ideias em que ninguém se sinta em dificuldade.
A minha terceira observação diz respeito ao próprio processo sinodal, que surpreendentemente suscitou tanto entusiasmo e abertura recíproca em muitas Igrejas locais.
O documento de trabalho para a etapa continental do Sínodo Mundial dos Bispos afirma que o método do diálogo espiritual encontrou ampla aceitação porque permitiu a muitos olhar com clareza a realidade da vida da Igreja e dar nome às luzes e às sombras.
Já essa avaliação sincera produziu de imediato frutos projetados para a missão. Grande parte das respostas enfatizou que esta era a primeira vez que a Igreja pedia a opinião das pessoas e que pretendia continuar nesse caminho. Cito a esse respeito a Conferência Episcopal da República Centro-Africana: “Notamos uma forte mobilização no povo de Deus, a alegria de se reencontrar, de caminhar juntos e de falar livremente. Alguns cristãos, que se sentiram feridos e haviam se afastado da Igreja, voltaram durante essa fase de consulta”.
É claro, portanto, que o processo sinodal na África pode contribuir efetivamente para uma maior igualdade dentro da Igreja. Isso requer a capacidade de envolver radicalmente todos os grupos, um sentido comum de pertença e um acolhimento profundo do ensinamento de Jesus.
Ao percorrer o caminho sinodal, a Igreja, família de Deus na África, é particularmente chamada a dirigir-se àquelas pessoas que vivem em condições precárias e cuja voz raramente é ouvida porque estão muito distantes. Embora sejam amplamente apoiadas pelas comunidades cristãs, raramente são ouvidas, muito menos solicitadas a dar conselhos. Isso é facilmente explicado por sua condição de extrema pobreza.
Na minha opinião, o debate sobre a crise dos abusos e suas causas sistêmicas também faz parte do processo sinodal na África.
A este respeito, quero evitar qualquer mal-entendido sobre o significado da palavra "sistêmico". Esse termo não significa, como muitos pensam, que a Igreja intencionalmente e sistematicamente tenha cometido abusos sexuais em larga escala. Em vez disso, refere-se ao fato de que a Igreja, em geral, não soube responder adequadamente aos numerosos, repetidos e notórios casos de abuso e fazer o que é necessário, ou seja, pôr fim aos abusos e prevenir novos abusos. Pode-se, portanto, falar de um fenômeno sistêmico devido à passividade persistente, às omissões, à falta de vigilância, às ocultações e à incapacidade de escutar as vítimas.
Pessoalmente, creio que não se deve questionar a capacidade da Igreja para remediar as situações que se criam em seu interno. Por esta razão, a crise dos abusos e as vozes das vítimas e sobreviventes estão no centro do processo sinodal. Esse é um dos sinais dos tempos que a Igreja enfrenta atualmente à luz do Evangelho.
Além disso - como mostra o documento de trabalho para a etapa continental do Sínodo Mundial dos Bispos - na maioria dos processos sinodais realizados em nível local e nacional, o clericalismo, o abuso de poder e o abuso sexual foram identificados como fatores chave na percepção de a Igreja e compreendido, não só pela mídia, mas pelos próprios católicos.
Os fiéis também afirmam que a Igreja deve ser liberada do clericalismo para que todos os seus membros – consagrados e leigos – possam desempenhar juntos a sua missão. É claro que não é mais possível ignorar, negar, subestimar ou negligenciar qualquer tipo de abuso: sexual, espiritual, de poder ou de consciência. Trata-se de um flagrante desrespeito à dignidade humana.
A menos que a Igreja forneça uma resposta confiável para esse problema, os católicos em muitos países se questionarão cada vez mais se devem permanecer na Igreja ou ir embora. A grande maioria dos católicos reage de forma suscetível a esta crise, mas também quer conservar a unidade da Igreja Católica.
Então o que fazer? O Sínodo é um processo no qual a Igreja deve escutar. Deveria escutar melhor as vozes abafadas que denunciam o clericalismo reinante, como mostra o Relatório da República Centro-Africana: “Alguns párocos se comportam como ‘pessoas que dão ordens’ e impõem sua vontade sem ouvir ninguém. Os cristãos leigos não se sentem membros do povo de Deus. Iniciativas "clericais" em demasia devem ser estigmatizadas. Alguns colaboradores pastorais, tanto clérigos como leigos, preferem por vezes rodear-se de quem partilha as suas opiniões, tomado distâncias de quem tem convicções desfavoráveis ou contrárias”.
Também deveria ser reconhecido que o clericalismo é uma forma de empobrecimento espiritual, uma perda do que realmente é o ministério consagrado, e que é uma cultura que isola o clero e prejudica os leigos. Essa cultura separa da experiência viva de Deus, prejudica as relações fraternas e favorece a rigidez, a submissão legalista ao poder, o exercício da autoridade que se torna mais poder do que serviço.
O convite à conversão na cultura da Igreja para a salvação do mundo está concretamente ligado à possibilidade de ancorar uma nova cultura com novas práticas e estruturas. Um grupo paroquial nos Estados Unidos expressou isso da seguinte maneira: "Em vez de se comportar como seguranças tentando excluir os outros da mesa, devemos nos esforçar mais para garantir que as pessoas saibam que todos aqui têm um lugar e uma casa."
Podemos, portanto, imaginar uma reforma da Igreja que venha a infundir vida nova nas estruturas existentes. Mas seria melhor que a Igreja tivesse a coragem de deixar as estruturas inúteis e que não têm futuro. Tudo isso deve acontecer num sincero processo de tomada de decisão espiritual.
O documento de trabalho para o sínodo dos bispos mostra - como nunca antes em um texto vaticano – de quantas maneiras diferentes e multiformes os católicos vivem em todas as partes do mundo. Filhos de padres, ordenação de mulheres e relações polígamas são apenas algumas palavras-chave encontradas no Relatório.
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Uma freira, a África e o Sínodo. Artigo de Anne Béatrice Faye - Instituto Humanitas Unisinos - IHU