28 Março 2023
O cuidado da casa comum tornou-se importante para a evangelização e a missão da Igreja, elemento que pode ser considerado uma consequência de Laudato Si', uma encíclica que transcendeu rapidamente a esfera eclesial, como aponta dom Ángel Macín.
A entrevista é de Luis Miguel Modino.
O coordenador da Rede Eclesial do Aquífero Guarani e Gran Chaco (REGCHAG), uma rede que começou a funcionar em 2020 e foi anunciada em novembro de 2023, afirma que procura ligar "diferentes instituições que já estão a trabalhar no território", com vista a "ligar-se para ter um intercâmbio frutuoso e uma maior força". A partir daí, o bispo de Reconquista (Argentina), sublinha que "a missão da rede é animar ainda mais esta consciência e transmitir a esperança de que isso seja possível, porque não estamos sozinhos nesta luta".
Uma rede multifacetada, ecumênica, inter-religiosa e interinstitucional, que procura "alianças com diferentes atores no território" como referência fundamental. Para avançar, é necessário enfrentar alguns desafios: grandes distâncias, diversidade de realidades, comunicação, dar-se a conhecer, manter a simplicidade da rede, e assegurar que todos sejam protagonistas. Tudo isto em "um caminho que quer ser um caminho simples e direto".
Laudato si', publicada pelo Papa Francisco em 2015, podemos dizer que mudou a visão em relação ao cuidado da casa comum, do Planeta, dentro da Igreja, mas também na sociedade e na comunidade científica. Isto tomou forma em várias redes em todo o mundo, uma das quais é a Rede Eclesial do Aquífero Guarani e do Gran Chaco (REGCHAG). O que significa isto para a região do Cone Sul da América Latina?
É verdade que Laudato si' marcou um antes e um depois, destacou a importância para a evangelização e a missão da Igreja de cuidar da casa comum, e concordo também que marcou tanto a Igreja como outras esferas. Recordo que, na Argentina, a primeira edição de Laudato si' veio até mim como um presente da Universidade Nacional de Rosário, o que foi um sinal de que Laudato si' foi além dos limites da Igreja.
E inspirou o surgimento de novos sujeitos eclesiais, primeiro REPAM, depois REMAM, CEAMA. E no Sínodo da Amazónia, falando com alguns bispos e outras pessoas, surgiu também a ideia de estabelecer uma rede na área do Gran Chaco e do Aquífero Guarani, que têm coisas em comum e também têm diferenças. Por vezes o que uma área tem de demasiado, outra carece.
Começámos a trabalhar nisto em 2020, no meio da pandemia, e apercebemo-nos de que ao ligar, não inventando uma nova estrutura, mas ligando entre diferentes instituições que já trabalham no território, e ecumenicamente abertas às pessoas e outros grupos, poderíamos ter mais força para estar perto daqueles que sofrem os efeitos das mudanças climáticas, os efeitos da destruição da nossa casa comum, dos povos originários e de tantos outros grupos. Para além de podermos amplificar a sua voz e ter um maior impacto a nível político na região.
Dom Ángel Macín (Foto: Luis Miguel Modino)
Como é que isto está a afetar a vida das igrejas locais, até que ponto sentem a necessidade de se envolverem cada vez mais no cuidado da casa comum?
O cuidado da casa comum está presente em muitas das dioceses desta área da rede, que abrange cinco países. O que estamos a tentar fazer é estabelecer uma ligação de modo a ter um intercâmbio frutuoso e uma maior força. Estamos a trabalhar na ecologia quotidiana, estamos a trabalhar na formação destes aspectos, na descoberta de que o cuidado da casa comum faz parte da Doutrina Social da Igreja, e depois também, estes princípios ou estes eixos, três ou quatro eixos simples mas fundamentais, que acreditamos que a nossa rede deve ter como horizonte, que são o cuidado dos territórios, do ambiente, a escuta do grito da terra e o clamor dos pobres, como diz o Papa Francisco, o cuidado dos povos indígenas e a aprendizagem com eles neste sentido, e na nossa área também o conhecimento dos direitos dos povos, da terra e da água, e uma ênfase especial no cuidado da água.
Isto está a espalhar-se bastante, na Argentina existem iniciativas bastante interessantes, por exemplo, foi criada a Universidade da Água, que está a expressar algo sem precedentes. Agora, no final de abril, vou a toda a parte norte do Paraguai para tratar desta questão da rede e também destes eixos fundamentais, especialmente a questão da água. O Brasil está a fazer, embora caminhemos juntos na diversidade, porque temos ritmos diferentes, mas o Brasil está a conceber, está a pensar em algumas atividades, alguns acontecimentos fundamentais a médio prazo, que também nos interessam. Assim, nas igrejas particulares há uma consciência crescente. A missão da rede é sensibilizar ainda mais esta consciência e transmitir a esperança de que isso seja possível, porque não estamos sozinhos nesta luta.
Quais são as pontes que estão a ser construídas até agora, tanto com as instituições do poder público como com os povos indígenas e camponeses?
Tivemos uma primeira reunião da rede para a dar a conhecer, porque anteriormente tinha sido o trabalho de um grupo mais limitado, no final de 2022, em Asunción, Paraguai. Lá percebemos que a composição da rede é multifacetada, e muitas instituições, organizações, algumas de inspiração cristã, outras não tanto, mas que partilham esta preocupação comum, já fazem parte da rede. Na zona há instituições, há organizações que já trabalham há muito tempo.
Outro passo que estamos a começar a dar, porque é uma rede nascente, é o contacto com outras confissões cristãs, outras religiões, outras crenças. Tive recentemente contacto com grupos judeus na Argentina que também estão preocupados com isto. E por isso vamos continuar a viajar pelos diferentes países, procurando alianças com diferentes atores no território, não queremos perder esta referência fundamental. Acreditamos que a relação, o intercâmbio, a advocacia a um nível mais político terá de vir a médio prazo, não brevemente, mas teremos de nos fortalecer mais como uma rede, fazer um mapeamento profundo do que são as instituições, quais são as realidades e como funcionam também os organismos governamentais nesses locais, para que possamos então planear e conceber estratégias de comunicação, quer com as autoridades públicas dos diferentes países, quer com outros organismos, o Tribunal Interamericano, as Nações Unidas.
Quais são os desafios que é preciso enfrentar para o conseguir?
Talvez o maior desafio à nossa frente sejam as distâncias, a composição da rede e a presença do aquífero e do Gran Chaco em cinco países da região. O Aquífero Guarani tem mais de 50 por cento especificamente no Brasil. Por outro lado, o Gran Chaco está na Bolívia, mas não o aquífero. Os nossos desafios, ou um dos principais desafios, é encurtar distâncias, ser capaz de encontrar uma forma de comunicação que nos ajude a avançar nestes desafios.
O outro desafio é tornar conhecida a intenção ou a finalidade da rede para que outros possam aderir, tecer estas alianças e também um terceiro desafio é ser capaz de manter a rede simples, não criar uma superestrutura, mas torná-la algo versátil que ajude a ligar e reforçar os organismos que já estão a funcionar. Mesmo a da própria organização. Por exemplo, não elegemos um presidente, não falamos de um ato fundador da rede, por discernimento, por consenso, falamos de lançamento, porque uma rede não é fundada, é lançada, é construída, é tecida.
Eu sou o coordenador da rede, não o presidente, porque queremos que todos desempenhem um papel de liderança. Como disse o Cardeal Martínez Flores na missa de encerramento da reunião em Assunção, Paraguai, em novembro de 2022, uma rede não tem centro, pelo que todos nós somos protagonistas importantes. O fundamental é fortalecer os nós que nos ligam e a própria rede. É outro desafio, aprender com a experiência de outras redes, especialmente a REPAM, que é a que abriu o caminho nesta, mas fazer o nosso próprio caminho, um caminho que quer ser simples e que a rede não é um obstáculo para alcançar o objetivo que pretendemos ou que o Espírito sopra para a Igreja neste momento.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Dom Ángel Macín: Rede Eclesial do Aquífero Guarani e Gran Chaco, “estar próximos daqueles que sofrem os efeitos das mudanças climáticas” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU