22 Março 2023
Essa foi a região que mais demorou para reabrir as salas de aula. Três anos após o início da crise sanitária, oito especialistas analisam a situação: evasão escolar e aumento da exclusão digital.
A reportagem é de Noor Mahtani e Maria Mônica Monsalve S., publicada por El País, 20-03-2023.
A Guatemala fechou as escolas devido à pandemia em 16 de março de 2020. Três meses depois, o professor Edvin Mó já havia elaborado todo um plano alternativo à proposta Aprende en casa do Ministério da Educação. "Meus filhos nunca os entenderiam, não foram contextualizados", diz ele por telefone. Resolveu então juntar grupos de três ou quatro alunos da Aldeia de Chixajau, no departamento de Alta Verapaz, e ir ensiná-los. “Colocamos máscaras e carregamos uma prancha, não me importei de me expor ao vírus. Era a única forma de eles sentirem que algo estava normal”, lembra.
A 1.500 quilômetros dali, no estado mexicano de Nueva León, Ariana Lucio Muñoz também decidiu reescrever os cadernos que chegaram à sua escola rural apenas no final do ano. “Nenhum material online nos serviu. Quase ninguém na comunidade tem internet. Tínhamos que encontrar as estratégias sozinhos”, diz por videochamada.
A pandemia virou tudo de cabeça para baixo. E a educação não foi exceção. América Latina e Caribe foi a região que mais demorou para reabrir. Embora fosse injusto pedir aos governos que preparassem os primeiros meses, tanto professores como alunos, sobretudo nas zonas rurais do continente, criticaram o distanciamento dos Ministérios da Educação. Acham que não levaram em consideração o contexto particular dos 170 milhões de crianças e adolescentes e seu ritmo de aprendizagem.
A pandemia e a necessidade econômica levaram mais de três milhões de crianças em idade escolar a abandonar a escola nos últimos três anos. Atualmente, segundo dados do Banco Mundial e da agência da ONU para a infância, Unicef, há 15 milhões de crianças e adolescentes que não vão à escola. É um número semelhante à população do Equador. Para Alejandra Meglioli, diretora do programa regional de qualidade e impacto de Save the Children, falar em evasão é um eufemismo: “São crianças que o sistema não soube manter na classe, é exclusão”. As consequências desta saída precoce são muito diferentes consoante o sexo: tendem a engravidar ou a dedicar-se a cuidar da casa, ou para trabalhar, principalmente na roça. Em casa ou na colheita, a pandemia roubou-lhes a infância.
O mesmo relatório do Banco Mundial e da UNICEF mostra números preocupantes: quatro em cada cinco crianças com menos de 10 anos não conseguem ler um texto curto. Para Ítalo Dutra, assessor regional de Educação do Fundo das Nações Unidas para a Infância, esse dado é “alarmante”: “Já tínhamos uma crise de aprendizagem muito forte. Como resultado, nosso desenvolvimento econômico e social já estava estagnado. Não investir nos mais pequenos é perpetuar a baixa mobilidade social, que tenham acesso a empregos piores, que ganhem menos... Que continue o mesmo ciclo de pobreza”.
O impacto econômico é inevitável. Segundo estimativa de Jaime Saavedra, Diretor Geral de Educação do Banco Mundial, a geração de crianças deixadas para trás em países de baixa renda causará um prejuízo de 11 trilhões de dólares. “Em alguns países, é como se a pandemia tivesse apagado dez anos de progresso”, explicou em entrevista ao The Economist.
Em países como o Peru, onde as escolas estiveram fechadas por cerca de dois anos — mais do que discotecas ou cabeleireiros — já há alguns sinais da ferida que isso deixou na aprendizagem. Carla Gamberini Coz, diretora executiva e co-fundadora da MásEducaciónPe, explica que, no final do ano passado, o Virtual Learning Assessment (EVA) que foi feito para 48% dos alunos do segundo ano do Primário e segundo ano do Secundário encontrou dados preocupantes. “O desempenho médio em compreensão de leitura caiu 16 pontos desde 2019, que foi a última vez que esse teste foi feito. É um grande salto, levando em conta que, entre 2015 e 2019, a diferença havia sido de apenas 0,3 ponto”, comenta. Em matemática, a situação foi semelhante: a tendência caiu 13 pontos. Mas o que mais incomoda Gamberini é a parte emocional. “Os dados indicam que apenas um em cada dez meninos consegue controlar suas emoções e que apenas dois em cada dez têm a possibilidade de fazer amizades com facilidade”, lembra.
No Peru, aliás, esse precedente se soma a outras más notícias: como numa espécie de déjà vu, várias escolas voltaram a fechar, não por causa da pandemia, mas por causa das chuvas torrenciais e dos protestos provocados pela crise política do país. “Ao contrário do que foi dito durante a covid, que a importância da educação finalmente se tornou visível, diante de qualquer novo problema, o Peru, ao invés de evitar fechar escolas ou evitar atrasar o início das aulas, o que fez a nível regional não é recomeçar a educação”, aponta.
Por sua vez, na Colômbia, a deserção também aumentou durante a pandemia, embora mais no setor privado do que no público. Conforme explica o Ministério da Educação ao América Futura, enquanto no ensino oficial a evasão entre 2020 e 2021 aumentou para 4,1% (depois de oscilar historicamente em torno de 3,1%), no setor não oficial "há um claro salto de 2019 para 2020 indo de 2,6% para 5,7%”. “Esse comportamento pode estar relacionado à capacidade econômica dos pais de sustentar os alunos em escolas não oficiais. Adicionalmente, em 2021, mantém-se esta tendência ascendente, atingindo os 6,1%”, dizem.
Se existe alguma lacuna no continente que se aprofundou durante a pandemia, foi a digital. A covid forçou a digitalização e o estudo remoto em países com baixíssimos índices de acesso à internet. No Brasil, um em cada três cidadãos não consegue se conectar. Na Guatemala, esse número chega a 50%. E no Peru, 25%. “Esse modelo de ensino à distância deixou muita gente de fora, principalmente as crianças mais novas”, acrescenta Dutra.
A professora Ariana Lucio Muñoz, do estado mexicano de Nueva León, considera que sua sala de aula foi uma das que ficaram à margem. “Senti muita frustração. Sentimo-nos mais desfavorecidos do que nunca, falaram-nos de dar aulas pelo Zoom quando nem os professores sabiam usar nem os alunos tinham um sítio de onde se ligar”, lamenta. “Sinto que o plano b foi pensado para outra realidade, definitivamente não para as áreas rurais”.
Sofialeticia Morales Garza, secretária de Educação desse mesmo Estado, comemora que praticamente 100% dos alunos voltaram ao presencial. “A sensibilização dos pais teve um papel muito importante. Afinal, foram eles que tomaram a última decisão de enviar ou não o menor”, explica por videochamada. Para Morales, há dois desafios fundamentais em seu mandato: trazer para a escola os mais de 9.000 adolescentes que evadiram e aplicar modelos híbridos por opção e não por necessidade: “Queremos apostar nisso porque é o que a educação no Exigências do século XXI”.
“O debate sobre a digitalização da educação não é novo”, diz Bibiam Díaz, especialista em educação do CAF-banco de desenvolvimento da América Latina. “A incorporação da tecnologia ao aprendizado era o que havia de mais desigual, mas hoje é uma oportunidade. E há muitos países que estão fazendo esforços reais para reduzir justamente essa lacuna”, aponta.
No entanto, a exclusão digital não significou uma queda nas matrículas em áreas rurais em países como a Colômbia. “Inclusive, observa-se que o grande peso da queda de matrículas (126.685 alunos no período avaliado), é bem maior na zona urbana (108.182), enquanto 18.503 correspondem à zona rural”, indica o Ministério da Educação.
O cenário educacional deu uma volta de 180 graus. No entanto, especialistas apontam que são infinitas as possibilidades de aproveitar o paradigma atual e moldar a escola latino-americana pós-pandemia. Para eles, são quatro as características fundamentais que uma nova educação deve ter: uma escola flexível às necessidades individuais, um plano de estudos que desenvolva habilidades e competências, uma formação de professores para que não se sintam sozinhos e um protocolo que aproxima as salas de aula da comunidade. “A realidade de uma escola em Chocó [Pacífico colombiano] nada tem a ver com outra em Bogotá”, acrescenta Díaz. "O acesso e as oportunidades têm que ser os mesmos".
Daniela Trucco, representante para Assuntos Sociais da Divisão de Desenvolvimento Social da Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe (Cepal), e que participou de uma publicação sobre educação na região durante a pandemia em Aquele que dá algumas recomendações sobre como transformar o ensino também lança alguns sinais. A primeira coisa é fazer testes de diagnóstico para saber quais são as lacunas de aprendizagem de meninos e meninas. Mas, além disso, esclarece, é preciso obter maior apoio nas escolas para que haja uma conscientização do bem-estar socioemocional da comunidade. "O ideal seria um psicólogo independente por escola mas, como é difícil, a educação deve ser articulada com as políticas do setor saúde".
Além disso, sugere que o corpo docente seja reforçado, uma vez que nem todos têm necessariamente competências para dar resposta às necessidades dos alunos, “tanto na sua saúde como na recuperação das aprendizagens”. O mais importante, porém, é o que já se dizia mesmo antes da pandemia: investir na educação, mas “com uma visão de transformação, não de recuperação do status quo anterior à covid-19, mas de uma educação mais inclusiva”.
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Esta é a escola pós-pandemia na América Latina: milhões de crianças sem estudar e mais digitais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU