O processo de conversão; o respeito pelos tempos do ser humano; o primado da misericórdia; a redescoberta da penitência como virtude; a necessidade de comunidade e de relação... São inúmeras as ideias que resultaram da jornada de estudo "Repensar a práxis penitencial", na qual a terceira forma de penitência, redescoberta em tempos de pandemia, tornou-se uma oportunidade para abrir novas janelas no horizonte do quarto sacramento.
A demanda de reconciliação não falta, o que está em crise é a forma. Partiu dessa constatação – que encontrou evidência no período da pandemia com a alta participação de fiéis na celebração da penitência na terceira forma - a reflexão desenvolvida durante a jornada de estudo "Repensar a práxis penitencial. A terceira forma de penitência: experiência para arquivar ou recurso?", que se realizou em 27 de fevereiro de 2023 em Pádua, na sede da Faculdade teológica do Triveneto.
A reportagem é de Paola Zampieri, publicada por Settimana News, 16-03-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
A iniciativa foi promovida pela própria Faculdade em colaboração com a Faculdade de Direito Canônico São Pio X de Veneza e o Instituto de Liturgia pastoral Santa Giustina de Pádua. Nos dois anos anteriores, as três instituições já haviam aprofundado a questão em um caminho de indagação com a contribuição de professores de liturgia, teologia moral, direito canônico, sociologia, teologia pastoral e sacramental.
Os estímulos trazidos pelos oito relatos foram numerosos e diversos, dos quais emergiram algumas referências recorrentes: a necessidade de passar do ato pontual a um processo de conversão; o respeito pelos tempos do ser humano; o primado da misericórdia; a redescoberta da penitência como virtude; a necessidade de comunidade e de relação.
A terceira forma tornou-se assim o pretexto para abrir novas janelas no horizonte do quarto sacramento.
Os trabalhos da jornada de estudos foram abertos por Elena Massimi (Pontifícia Faculdade de Ciências da Educação Auxilium, Roma), destacando que "o contexto da pandemia é fortemente penitencial e a penitência forçada pôs em relevo a importância do sacramento, em sua dimensão comunitária e litúrgica; com o desaparecimento do contexto, desapareceu a demanda, como demonstram as sínteses sinodais, onde nada se fala sobre o sacramento da penitência”.
Que sistema penitencial é então possível para a época contemporânea? Uma única forma talvez seja insuficiente. “A terceira forma respondeu a uma situação de emergência; foi um ato pontual que não deu origem a um processo. Em nossa prática - ressaltou - não há um caminho de conversão cristã e por isso o sacramento não encontra um horizonte dentro do qual poder viver”.
Portanto, é necessário "recuperar a complexidade e a variedade cristã na prática da penitência. Se a primeira forma poderia garantir itinerários de conversão personalizados, a terceira poderia abrir a um processo que se prolonga no tempo e se coloca no dinamismo de um caminho de conversão que pede também o respeito - a que já não estamos mais acostumados - dos tempos de maturação humana".
Finalmente, é fundamental “recuperar uma forma histórica e credível da virtude da penitência, isto é, da conversão vivida graças ao dom do Espírito recebido no sacramento do batismo e no qual o próprio sacramento exprime a sua eficácia”.
Uma pesquisa sociológica sobre a terceira forma foi realizada por Simone Zonato (Faculdade Teológica do Triveneto), que operou com base nos dados coletados em uma pesquisa envolvendo os alunos da Faculdade Teológica e os presbíteros das dioceses do Triveneto. Foram coletadas 250 respostas: 50,4% homens e 49,6% mulheres; pouco menos da metade são leigas (45,6%), enquanto os leigos homens são 22,4%; 21,2% são presbíteros, 8% são religiosos e religiosas, 2,8% são diáconos. A idade média é de 50,2 anos. Quase a metade dos entrevistados pertence à diocese de Trento e quase um quarto à de Treviso.
“As respostas revelam uma pluralidade de visões, percepções e posições – afirmou. O que emerge é aquele ‘Deus à minha maneira’ que confirma o que já foi revelado pelas pesquisas sociológicas dos últimos anos”.
Existe uma diferença de visão entre sacerdotes e leigos (que parecem menos entusiastas) e em geral “percebe-se uma contraposição entre confissão individual e terceira forma, para a qual a primeira se afirma como a fórmula autêntica; especialmente em relação aos pecados graves, a terceira parece incompleta. Há também o reconhecimento geral da crise do sacramento da confissão”.
No geral, porém, "daqueles que usufruíram da terceira forma resulta - concluiu - uma avaliação positiva da experiência, sobretudo na sua dimensão comunitária".
O que os pré-adolescentes pensam sobre a confissão? Que experiência têm? Daniela Conti realizou uma pesquisa sobre o tema, publicada no volume Fare penitenzia [Fazer penitência], escrito com Andrea Grillo, e relatado por Assunta Steccanella (Faculdade Teológica do Triveneto) devido à impossibilidade da autora estar presente.
Fare penitenza. Ragione sistematica e pratica pastorale del quarto sacramento
Das respostas recolhidas de 196 rapazes e garotas de Verona, entre os 11 e os 14 anos, emerge como os altos humanos da penitência chamados em causa no sacramento estão se esvaziando do seu peso existencial e, portanto, do seu conteúdo. Os garotos sentem a imposição do sacramento e não é percebido o rosto misericordioso de Deus; pelo contrário, Deus aparece como um juiz, o pecado é uma culpa e a penitência é a libertação da culpa. A dimensão vivida na celebração do sacramento é exclusivamente horizontal, limitada à figura do confessor; extremamente rara é a relação vertical de relacionamento com o Senhor.
“Surge a necessidade de recuperar a dimensão integral do quarto sacramento, com uma catequese iniciática e mistagógica no fazer a penitência – afirma Steccanella –, assim como um repensamento do papel dos catequistas”. É preciso passar “do ato pontual ao processo de conversão. A terceira forma – acrescentou – mostrou que há necessidade não só de fórmulas de absolvição, mas também do respeito pelos tempos do ser humano, de palavras e de relações a serem cultivadas”.
São quatro os desafios que Alessio dal Pozzolo (Instituto Superior de Ciências Religiosas "Mons. A. Onisto" de Vicenza) vê hoje para a Igreja na adoção excepcional da terceira forma da penitência.
Em primeiro lugar, o reconhecimento de que a Igreja, nascida historicamente e situada em contextos socioculturais concretos, está em permanente estado de conversão, comporta a necessidade de integrar plenamente a historicidade.
A Igreja também é chamada a assumir a forma da misericórdia, não desligada do trabalho da liberdade, que é ao mesmo tempo pessoal e comunitário: "A terceira forma da penitência pode tornar-se um lugar único de realização da misericórdia como forma da Igreja, desde que - especificou - não se reduza a uma mera celebração pontual, mas seja momento de um processo mais amplo, destinado a reabilitar uma liberdade ferida. É fundamental que toda a Igreja se envolva na obra de reconciliação”.
O terceiro desafio é honrar o sensus fidei e a última é reativar uma colegialidade intermediária traçando uma figura da Igreja que, de baixo, segue caminhos modestos de colegialidade que começam a dar corpo às proclamações de sinodalidade. "A prática da terceira forma da penitência - concluiu - pode então tornar-se um estímulo para um reconhecimento eclesial global (a misericórdia como forma ecclesiae), para além das possíveis formas rituais adotadas ou a serem adotadas. Aqui a mudança torna-se imediatamente uma forma de renovação também eclesial”.
Ao responder à pergunta se o uso da terceira forma, realizada por ocasião da pandemia, poderia abrir caminho para um repensamento da celebração da penitência, Pierpaolo Dal Corso (Faculdade de Direito Canônico Sâo Pio X de Veneza) destacou como “os pressupostos históricos da vigente disciplina evidenciam o carácter absolutamente excepcional desse instrumento; estender sua aplicação a ponto de concebê-la como mais uma forma ordinária significaria desvirtuá-lo, perpetrando um claro abuso em violação do que deriva do direito divino. Não se pode ignorar o fato de que a plenitude da absolvição ocorre em qualquer caso com a confissão individual integral dos pecados graves, à qual sempre se deve recorrer, a menos que seja impossível”.
Certamente, o uso dessa modalidade no período de pandemia contribuiu para fazer redescobrir o valor eclesial do perdão. "A revisão do sacramento deveria tornar os fiéis mais conscientes tanto do motivo pelo qual recorrem à misericórdia divina, ou seja, a quebra da aliança com Deus causada pelo pecado grave - que não se reduz à mera infração de normas morais - e da importância comunitária da reconciliação, que envolve toda a Igreja, mesmo mantendo também um caráter pessoal".
Em conclusão, "o imprescindível dado histórico-jurídico não deixa margem para ampliar a aplicação da absolvição coletiva, sem falar que sua extensão sistemática e ordinária também poderia ter como efeito, sob o perfil pastoral, de mais desinteresse pelo sacramento".
A ideia de uma "perspectiva catecumenal" foi marcada por Roberto Bischer (Instituto Superior de Ciências Religiosas "João Paulo I" de Belluno-Feltre, Treviso, Vittorio Veneto), numa reinterpretação teológico-fundamental do quarto sacramento e na perspectiva de uma "pastoral da conversão", sem o qual o rito da penitência está destinado a permanecer letra morta.
“Trata-se de considerar e valorizar - explicou - a gradualidade de um caminho de fé e de vida para evitar, na medida do possível, o risco de reduzir a celebração e a graça sacramental a um único momento de celebração; com a intenção mais de integrar o caráter pessoal da reconciliação, que não se realiza sem a dinâmica antropológica da conversão".
Em seguida, recordou a perspectiva de uma Igreja que se redescobre caracterizada pela dimensão penitencial: um seio no qual o pecador batizado pode compreender o quanto está afastado de Deus e a Igreja pode reencontrar um aspecto decisivo da missão recebida de Jesus. Essa perspectiva – concluiu – poderia incluir a ideia do Papa Francisco da Igreja como hospital de campanha, lugar de cura, onde o batizado encontra sua identidade como perdoado e, portanto, salvo”.
Não precisamos de novas receitas, mas de processos a serem despertados, além de voltar a haurir dos elementos que brotam de uma ação penitencial desgastada e previsível. Essa é a opinião de Ezio Falavegna (Instituto Superior de Ciências Religiosas "San Pietro Martire", Verona), que recorda o evangelho da proximidade e o anúncio das pessoas frágeis, sinais do amor de Deus que converte e cura.
Destaca também o valor formativo e pedagógico do sacramento vivido na terceira forma, que hoje exige um percurso diferente e diversificado. “É preciso levar em conta a fragilidade – afirmou – e a dificuldade de acolher a fraqueza como um elemento da vida. Há necessidade de comunidade, de uma história feita de relações e de tempo para as cultivar, à luz de uma Palavra que é para todos, numa Igreja que, na pandemia, soube entregar sinais e palavras de misericórdia compreensíveis. O perdão do Senhor compromete a um caminho compartilhado”.
A passagem da dimensão da emergência à planificação “pede um verdadeiro afastamento de enrijecimentos tradicionais – concluiu; exige uma disponibilidade acolhedora aos novos sinais do nosso tempo e nos obriga a arriscar, não simplesmente deixando-nos atrair, mas colocando-nos ao serviço, num estilo de discernimento do novo que o Espírito nos doa”.
Um dos riscos do Rito de Penitência é instituir o perdoado e não o convertido, mas na laboriosa proposta de reconciliação com Deus na Igreja, o que não pode morrer é o jogo entre a atividade corajosa e a passividade benéfica, ou seja, entre o primado da misericórdia de Deus e a necessidade da resposta do homem que se dá na penitência.
Loris Della Pietra (Instituto de Liturgia pastoral de Santa Giustina, Pádua) colocou-o em foco, explicando que “esse entrelaçamento essencial, da mesma forma como encontrou consenso na reflexão teológica, também deve e pode encontrar feliz realização nos caminhos pastorais e numa celebração atenta ao primado da Palavra, à subjetividade da Igreja e da assembleia reunida, ao gesto da invocação, ao silêncio em que o Espírito opera”.
Isso só será possível “na audácia de ir além do modelo confessional, fácil de gerir, mas também limitador, para implementar formas de celebração onde o dom divino possa ser usufruído nas dobras do humano. Desde que – acrescentou – não faltem lugares e tempos dedicados a isso (e não apenas ocasiões) e ministros dedicados a criar as condições para que o crente ferido se apoie no dom imerecido de Deus e dele aufira a cura”.