Sobre a forma e o formalismo, sem perder a bússola. Artigo de Loris Della Pietra

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18 Mai 2022

 

Em seu blog, Come Se Non, 11-05-2022, o teólogo Andrea Grillo escreve: “O discurso do Papa Francisco dirigido ao Instituto Litúrgico de Santo Anselmo, do sábado, 7 de maio, recebeu não apenas comentários pouco generosos, mas que também mostram um conhecimento aproximativo e ideológico demais tanto da história quanto da teologia litúrgica. Um dos maiores especialistas italianos no tema da ‘forma ritual’ explica o que é verdadeiramente central no texto papal”.

 

Loris Della Pietra é presbítero da Arquidiocese de Udine, na Itália. Desde 2007, é diretor do Escritório Litúrgico Diocesano. É professor de Liturgia na Faculdade Teológica do Triveneto, no Instituto Superior de Ciências Religiosas de Udine no Instituto de Liturgia Pastoral de Pádua.

 

Eis o texto.

 

Forma, reforma e formalismo: um esclarecimento necessário

 

de Loris Della Pietra

 

“Certamente há razão em condenar o formalismo, mas geralmente se esquece que o seu erro não consiste em dar valor demais à forma, mas em lhe dar tão pouco valor a ponto de desconectá-la do sentido. Nisso, o formalismo não difere de uma literatura de ‘conteúdo’, que também separa o sentido da obra da sua configuração. A verdadeira contribuição do formalismo é uma boa teoria do estilo, ou da palavra, que os coloque acima da ‘técnica’ ou do ‘instrumento’.”

(M. Merleau-Ponty, “Segni”, Milão: Il Saggiatore, 1967, p. 107)

 

No rastro do discurso do Papa Francisco aos professores e aos estudantes do Pontifício Instituto Litúrgico, do dia 7 de maio passado, no blog MessaInLatino, surgiu uma reflexão de Luisella Scrosati intitulada “Liturgia ‘em forma de cebola’: Francisco e o nervosismo pela forma”. O texto apresenta alguns pontos interessantes, mas demonstra algumas dificuldades de compreensão do magistério conciliar e das escolhas operacionais consequentes a ele.

 

A seguir, tento chamar a atenção para alguns pontos que o artigo destaca e evidenciar alguns aspectos que merecem um esclarecimento.

 

1. O “nervosismo pela forma”, ao qual o artigo se refere com uma imagem muito icástica, na realidade não é uma especialidade do Papa Francisco, mas pertence à história do pensamento teológico sobre os sacramentos e sobre a liturgia, e à história da espiritualidade católica, e diz respeito à má relação que sobretudo o homem ocidental cultivou com a dimensão externa, sensível e corpórea da experiência da fé. Como se o lado mais genuíno da religiosidade fosse o interior, imperceptível e incorpóreo. Consequentemente, o “coração” do sacramento não podia estar na forma ritual, material demais, e quem devia nutrir a espiritualidade dos fiéis era uma oração cada vez mais “mental”. Como demonstrou W. Tatarkiewicz, a mudança da acepção de forma da ideia de “aparência” do dado fenomenal para a ideia de “essência” que determina o fenômeno condicionou também o pensamento sobre a forma e, acrescento eu, também a teologia dos sacramentos. A forma parecia cada vez mais insincera do que o conteúdo, e o conteúdo, uma vez alcançado, parecia dispensar a forma.

 

2. O Movimento Litúrgico do século XX resgata a forma ritual de uma visão negativa e limitante. R. Guardini, O. Casel e outros, com grande audácia e profundidade, souberam chamar a atenção para a impossibilidade de separar a forma do sacramento do seu conteúdo teológico: o conteúdo do sacramento se dá na forma ritual! O teólogo Ratzinger, há mais de 40 anos, soube reconhecer que “com o conceito de ‘forma’ havia entrado no diálogo teológico uma categoria desconhecida, cuja dinâmica reformadora era inegável” (“La festa della fede. Saggi di teologia litúrgica”, Milão: Jaca Book, 2005, p. 34). A redescoberta da forma não estava apenas no início das reformas, mas reformava até a leitura teológica dos sacramentos e da liturgia. O olhar para os estudos litúrgicos das últimas décadas confirma essa perspectiva.

 

3. Circula em certos ambientes um refrão segundo o qual a reforma litúrgica teria mortificado a forma a ponto de constituir uma autêntica “heresia do informe”. Na realidade, como observa a autora do artigo, a Sacrosanctum Concilium repensa a liturgia em termos de actio que se dá por signa sensibilia (n. 7) e per ritus et preces (n. 48). Deste modo, a Igreja “compreende” o mistério (id bene intellegentes) que lhe é dado precisamente em uma ação multimídia, au risque du corps (L.-M. Chauvet). Daí o interesse pela ars celebrandi que o magistério do Papa Bento XVI relançou não apenas (como alguns gostariam) como mera execução de rubricas, mas sobretudo como sábio recurso a todas as linguagens rituais no envolvimento de todo o ser humano (SC 38 e 40). É precisamente a paixão pela forma que determinou e inspirou a re-forma: ou, melhor, é um interesse vivo pela ação ritual e pelas suas formas que reivindicou uma forma melhor para que os batizados pudessem dela participar plenamente e haurir aquela eficácia pastoral que o magistério conciliar encontra precisamente na forma de ritos (SC 49). Desconhecer a relação entre interesse pela forma e renovação litúrgica é fruto de um olhar ideologicamente viciado que projeta sobre o Concílio e sobre a sua implementação toda mancha ou transgressão.

 

4. Claramente, o formalismo denunciado pelo Papa Francisco não é o cuidado apaixonado pela forma, aquela que faz com que uma indicação de rubrica se torne verdadeiramente um ato de canto, um movimento, uma postura ou um momento de silêncio, contra todo minimalismo que se ilude de caminhar sobre os ombros frágeis das convicções e esquece a força das convenções. Pelo contrário, o papa contesta a separação das formas do mistério, a provável (e fácil) reproposição de um modelo que já deveria estar superado, aquele para o qual existem extranei vel muti spectatores (SC 48) que estão diante da ação e não dentro, hábeis executores da rubrica, mas externos e estranhos à ação. O fato de que isso muitas vezes coincide com o retorno a estilemas de uma certa tradição, evidentemente distantes da forma que a liturgia assumiu após o Vaticano II, é fruto em muitos casos de incompetência sobre as razões da reforma, sobre os ordines que dela surgiram, sobre as leis e as linguagens do celebrar com autenticidade.

 

As palavras do papa não são ditadas pelo ressentimento em relação à forma, mas, no máximo, pela consciência de que a forma é determinante para a experiência da fé e a vida da Igreja. Uma forma não autorreferencial, mas que verdadeiramente introduza no mistério e faça com que ele seja percebido e com que os seus limiares sejam saboreados.

 

Se o pensamento teológico e a tradição espiritual conheceram a intolerância à forma (o dado ritual é visto como uma perturbação, quase como um adversário da intimidade das almas), a irrelevância da forma (o que importa é apenas o conteúdo) e o minimalismo na forma (o que importa é apenas o mínimo necessário para definir juridicamente o sacramento), deve-se dizer que a formalização da forma também não realiza as potencialidades da liturgia.

 

Isso ocorre quando a rubrica assume um valor absoluto independentemente de qualquer outro condicionamento (o espaço, o tempo, a assembleia concreta, as linguagens) e quando a meticulosa execução da regra parece ser o único requisito para celebrar autenticamente.

 

O que está em jogo é a experiência simbólica que se dá na forma ritual, para cuja implementação nenhuma fuga para o passado e nenhum rubricismo são suficientes.

 

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